O Farol, de Robert Eggers


O trabalho em 'faróis' é algo que remete aos primórdios da humanidade. Diz a história que o primeiro a ser construído foi no Egito ainda na era de Ptolomeu II, na Ilha de Faros, e este seria hoje o que se encontra perto a entrada do porto da Alexandria. Um ofício muitas vezes solitário e que foi desaparecendo com o tempo e com a evolução da humanidade, mas visto como essencial em outras eras para guardar a segurança de muitos navios e averiguar a vida marinha sem exatamente estar no mar. Também muito ligado a tarefas dadas a marinheiros ou pessoas mais humildes, a função de se guardar um farol foi se modelando e em muitos lugares, como no Brasil (ver aqui), é hoje intrínseca ao serviço militar.

Por ser um trabalho monótono e, de certa forma, até perigoso, pois o local está sempre sujeito as tempestades marítimas, não é lá uma função muito fácil de se exercer e em seu novo filme o diretor Robert Eggers (A Bruxa) explora com técnica e maestria como em um tempo remoto faroleiros poderiam facilmente enlouquecer apenas por estarem a sós em uma ilha desabitada por volta de 1890. 

Livremente baseado em uma tragédia que se deu no país de Gales, em 1801, onde dois marinheiros chamados 'Thomas' ficaram presos durante uma enorme tempestade, O FAROL chega hoje aos cinemas e tem Willem Dafoe e Robert Pattinson no elenco. O filme, produzido pela RT Features, A24 e New Regency Pictures, teve sua estréia em Cannes, ano passado, e passou por outros inúmeros festivais, incluindo, a MOSTRA SP, em outubro. 

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: O FAROL (The Lighthouse). Direção: Robert Eggers. Roteiro: Max Eggers, Robert Eggers. Elenco: Willem Dafoe, Robert Pattinson, Valeriia Karaman. Gênero: Fantasia, Terror, Drama. Nacionalidade: Canadá, EUA. Trilha Sonora Original: Mark Korven. Fotografia: Jarin Blaschke. Figurino: Linda MuirEdição: Louise Ford. Direção de arte: Matt Likely. Produção: A24, New Regency Pictures, RT Features. Distribuição: Vitrine Filmes. Duração: 109 min. Classificação: 16 anos 
Filmado em formato 35mm e com técnica PB em filme Double-X 5222, o longa se inicia com dois homens em uma embarcação rumo a uma ilha misteriosa na Nova Inglaterra. Logo, eles atracam no lugar e o barco segue seu rumo. Descobrimos que ali estão Thomas Wake (Dafoe) e Winslow (Pattinson). O primeiro é claramente mais velho e líder da missão sendo o segundo seu novo assistente.

A principio, Winslow não quer papo e está lá apenas para realizar as manutenções do lugar e seguir as ordens de Wake. Aliás, até tenta fazer com que o homem o deixe subir até o farol para que revezem as tarefas, mas aquele não o permite e o informa que o farol é de cuidado exclusivo dele. Os dias vão passando lentamente e o tédio começa a perturbar a cabeça de Winslow. As conversas de Wake também. O velho começa a contar que não se deve bater ou matar as gaivotas, pois estas guardam as almas dos marinheiros. Mitos sobre a vida marinha tomam a cabeça de Winslow e os dias nublados e chuvosos ajudam o jovem a ficar cada vez mais perturbado.

Sempre que está aos arredores da ilha, Winslow/Thomas (Pattinson) é atraído por imagens míticas

Por conta da situação, Winslow acaba cedendo ao falatório de Wake, enchem a cara e até dançam. Naquele momento, o velho começa a ter mais apreço pelo garoto e quando menos vê está mais intimo dele e descobre que seu nome é Thomas Howard e não Winslow. Todavia, da mesma forma que uma amizade começa a brotar entre eles, a inimizade também. Afinal, o lugar esconde mistérios e estes começam a se materializar durante as tempestades. Os dois, claramente, seguem até o fim da jornada já muito malucos e fora da realidade.

      A solidão dos personagens os faz interagir ao mesmo tempo que a loucura de ambos os afasta

Max Eggers escreve o filme em parceria com o irmão Robert, e este último o dirige. Max teve a ideia lá em 2012 e enquanto Robert tentava encontrar financiamento para o maravilhoso 'A Bruxa' chegou à eles algo que os ajudaria a tirar do papel o projeto - a história sobre a tragédia dos faroleiros no país de Gales. Passado o lançamento do filme, ambos se voltaram para a ideia de um farol assombrado e cá estamos.

Se cria muita tensão pelo que exatamente acontecerá no filme e isto dá ao espectador muita agonia, ao mesmo estilo do primeiro longa de Robert. Contudo, este não vem exatamente com muitos acontecimentos e ficamos por quase duas horas contemplando imagens seja do mar, dos bichos na região ou as ilusões que o personagem de Pattinson têm. Ainda sim os diálogos entre os dois e o que se constrói para a narrativa de cada um, ainda que enviesado ao monologo, é atraente por demais. Aliás, as falas são todas baseadas em autores da época como Herman Melville (escritor de Moby Dick), o novelista Robert Louis Stevenson, ou ainda a poeta Sarah Orne Jewett que em seu trabalho entrevistava marinheiros e fazendeiros, entre outros. Max e Robert também consultaram muitos dicionários náuticos e toda a linha do inglês apresentada é a formal clássica (à la Shakespeare).

O naturalismo reina na película e assistimos desde cenas surreais que beiram a mitologia (sexo com sereias e aves tenebrosas) a ações próprias e de caráter humano (como a parte em que assistimos 'Winslow' se masturbar segurando uma boneca no formato de sereia).

A estética do filme, belíssima por sinal, também inclui referências a grandes pinturas do passado.


           Hypnose por Sasha Schneider (1904)                               O Farol por Robert Eggers

Voltando a parte mítica da trama, os realizadores explicam que o embate de Thomas Wake e Thomas Howard pode ser visto como as figuras, sequencialmente, de Proteus, conhecido também como 'velho do mar', um deus marítimo que regulava as profecias, e Prometeu, o titã que trapaceou e roubou dos deuses o fogo. A representação da luz do farol se encaixa muito ali, pois Thomas pede a Wake que o deixe cuidar também do lugar e aquele o amaldiçoa por tentar roubar sua função de superior e em nenhum momento este entende que o jovem quer ter também serventia na ilha.

As cenas que se seguem são de total tormento e a atuação de Dafoe e Pattinson são magistrais. Suas caracterizações estão super idênticas a de filmes antigos com marinheiros. As barbas, inclusive, são reais e, pelo que foi divulgado, apenas houve um escurecimento na de Pattinson. Dafoe também usa próteses dentárias, mas nada exagerado. Não esqueçamos de mencionar a lindeza que é a trilha sonora. Ferramenta voraz que auxilia na construção do filme e suas sensações - Robert até menciona que os sons de Mark Korven tentam homenagem o famoso compositor Bernard Herrmann.

Na película, há momento para o riso nervoso, ou admiração pelo texto cômico que se dá vez ou outra, bem como o susto pelo encontro com sereias medonhas e esqueletos de marinheiros caolhos. Aliás, uma das 'gaivotas' também não tem um dos olhos e tal detalhe ajuda a lenda contada por Wake a Winslow se sustentar com veracidade. E ao fim do terceiro ato, os fãs de mitologia grega, vão pirar o cabeção.

Avaliação:  Cinco almas de marinheiros atormentados  (5/5)


HOJE NOS CINEMAS

See Ya!

B-

Escrito por Bárbara Kruczyński

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