Aristóteles e Dante (descobrem os segredos do universo e mergulham nas águas do mundo), de Benjamin Alire-Sáenz

Atenção: esta review será extremamente EMOCIONAL, pois acabei de terminar o livro e estou simplesmente borbulhando de PALAVRAS e SENTIMENTOS.

Às vezes me bate um desespero ao pensar em quantos livros e filmes existem no mundo, e como eu nunca conseguirei alcançar todos. A angústia é de acabar nunca conhecendo uma obra de arte que poderia me transformar - porque a arte é sim poderosa a essa ponto. E não, nunca conseguirei ler todos os livros do mundo.  Mas tudo bem, pois sinto que – felizmente -  essas obras que transformam a gente acabam dando um jeito de nos encontrar. 

Com “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo” foi assim. Eu li o livro antes que ele se tornasse uma febre no mundo do booktwitter/ booktube. Não lembro exatamente de como cheguei até ele. Acho que estava começando a ficar confortável em me enxergar como gay, e procurava histórias que me representassem. Lembro que só tinha uma cópia na livraria quando fui comprar e fiquei com vergonha da vendedora saber o conteúdo e me julgar. Paguei, levei pra casa, li e escondi na estante, esperando que minha mãe não ficasse curiosa o suficiente para ver sobre o que era o livro. Ah... a vida no armário (graças a deusa esses dias ficaram para trás). Enfim, se era me enxergar que procurava, definitivamente encontrei nesse livro! Toda a melancolia de Ari, suas dores e conflitos - embora com raízes muito diferentes das minhas - me soaram extremamente familiares.

"As vezes, a dor era como uma tempestade q vinha do nada. A mais clara manhã de verão podia acabar em temporal. Podia acabar em raios e trovões"

Aristóteles é um menino preso dentro de si mesmo. Ele não sabe como deixar as palavras saírem. Ele tenta ser invisível e usa os punhos para resolver os conflitos. Tem medo de ser como o irmão, que foi preso por homicídio, algo que não é discutido em casa. E ele acha que é como seu – praticamente estranho – pai, um ex-veterano que voltou da guerra, mas nunca conseguiu realmente deixá-la para trás. 

Aristóteles é o tipo de menino que pertence à chuva. Sua mente e seu coração são cativos de uma tempestade eterna.

Mesmo assim é durante o verão que o menino encontra Dante. Dante, que não é norte-americano o suficiente e nem mexicano o suficiente. Mas é Dante o suficiente. Um jovem inteligente, com um universo de palavras dentro de si, gentil, emotivo, sincero, que odeia sapatos e não tem vergonha de dizer que ama os pais.

Ao encontrar Dante, a palavra amizade passa a morar dentro de Aristóteles. Usando uma metáfora do próprio livro: cada pessoa possui dentro de si um país. E construímos muralhas para proteger-nos. Porém, precisamos ser visitados. Afinal, conexão é uma condição fundamental do ser humano. Então, emitimos vistos. Aristóteles não dava passagem a ninguém, mas Dante consegue penetrar suas muralhas.  E juntos eles vão desvendar não só os mistérios do amor, mas também os mistérios da família, da amizade, do ódio... E do amor.

 É um livro simplesmente belíssimo. Cheio de dor, esperança e de amor. Tem uma linguagem poética e melancólica, que me comove e me envolve. Os personagens são todos maravilhosos e complexos. É uma daquelas histórias que simplesmente passam a morar dentro de você. Mexe demais comigo. Me identifiquei muito com o Ari na época em que li (quando eu saí do armário para minha mãe, fiz ela ler o livro pra me entender um pouco haha).


“O coração humano é a fonte de todo nosso ódio – e todo nosso amor. Devemos domar nossos corações selvagens – ou nunca entenderemos a faísca do universo que habita dentro de todos nós. Viver e nunca entender os mistérios estranhos e belos do coração humano é transformar em tragédia nossa vida”.

Quando fui ler a sequência, “Aristóteles e Dante Mergulham nas Águas do Mundo” estava bem nervoso. Sequencias são complicadas. Se por um lado você fica muito animado em poder revisitar os personagens que tanto ama, por outro existe sempre o risco de sua experiência com o original ser completamente arruinada. E eu não queria que Ari e Dante fossem arruinados para mim. Tenho um carinho grande demais por eles!

No começo, fiquei bastante cético. Até achei que não gostaria do livro por hoje não estar numa posição tão semelhante a do Ari, como estava quando li o primeiro livro, há uns seis anos. Felizmente, com o virar das páginas, o receio foi se dissipando e fui completamente acolhido pelas palavras majestosas de Benjamin Alire-Sáenz.

A continuação começa exatamente de onde o primeiro livro parou.

A linguagem é a mesma.

 O sentimento é o mesmo.

 Os personagens, no entanto, não são os mesmos. E isso é ótimo. Foi tão lindo acompanhar o amadurecimento de Ari e de seu relacionamento com os pais e amigos. Ele era alguém que não sabia ser amado. E agora, ele começou a entender que as pessoas sempre estiveram lá, querendo lhe dar afeto e ele só precisava permitir ser enxergado.

Outra coisa que contrasta com o primeiro é que ao invés da batalha de Ari ser com ele mesmo, nesse o maior conflito é habitar um mundo hostil para pessoas como ele. Como ser o seu eu mais autêntico e ter autoestima, quando ao seu redor, tanta gente diz que você não tem lugar no mundo? Por isso é preciso criar um sistema de apoio e nesse livro essa importância fica mais claro que nunca.


O conflito com o mundo, também trazem para os personagens, um rebuliço interno. Ari e Dante lutam com as “consequências” que serem gays trazem para eles e acho que isso é importante de ser abordado. Quando eu era adolescente, não tinha nenhuma representatividade do que era realmente ser gay. Eles só apareciam para mim como alvo de chacota nos programas dominicais. Para a geração de Ari e Dante, era ainda pior, pois homossexualidade era sinônimo de tragédia. Isso vem mudando e a nova geração tem uma visão muito mais aberta e ampla. Há mais espaço para se conhecer, se aceitar e enxergar um futuro em ser como são. Porém, sinto que muitas vezes a “saída” do armário é vista como um ponto de chegada e não um ponto de partida.  Não existe auto aceitação instantânea. Existe sim uma fase de dor em perceber que sempre, você sempre travará uma luta por existir em um mundo que – ainda –odeia gays (e tudo que é diferente a quem está no poder).  A jornada até o “orgulho” não é perfeita, não é linear e nem rápida. Gostei de o livro ter abordado isso, mas mostrado que no fim das contas, o amor é uma enorme força de resistência.

Enfim, estou muito contente em dizer que “Aristóteles e Dante Mergulham nas Águas do Mundo” faz jus ao primeiro e que agora ele também mora dentro de mim. O livro tem defeitos, claro: algumas falas soam um tanto palestrinhas demais e o final é mal desenvolvido e um tanto clichê demais. Porém, Benjamin criou personagens muito especiais. Não estou pronto para dizer adeus e fico aqui torcendo para que a história de Ari e Dante não tenha terminado.

Love, Vitor.

Escrito por Vitor Souza

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