O Novelo, de Cláudia Pinheiro

 
Dona Alzira teve cinco meninos. No dia do nascimento do quinto, foi abandonada pelo marido. A esta altura, seu filho mais velho não passava dos dez anos. Com as costuras sob encomenda, conseguiu manter a família por mais cinco ou seis anos, quando uma doença tirou-lhe a vida. O primogênito, então, abdicou da adolescência e assumiu o papel de pai para os demais, trabalhando para mantê-los alimentados e na escola.

Mauro, Cicinho, Zeca, João e Cacau assumem cada um uma faceta da masculinidade típica. Um encarna o papel de provedor e não admite que ninguém lhe cuide; outro desconta as amarguras da vida no excesso de bebida; um terceiro apropria-se da homofobia mais rudimentar e crê que seu poder aquisitivo pode resolver qualquer problema; enquanto outro não aceita falar de seus sentimentos; e por fim, o caçula trata a namorada como um objeto ao oferecê-la como forma de quitar uma dívida, além de usar de adjetivos como “louca" para referir-se à ela.

No entanto, percebe-se que estes são resquícios estruturais, uma vez que essa família representa justamente uma quebra da socialização masculina problemática. Um dos irmãos vai ao salão de beleza constantemente para, dentre outros cuidados, fazer as sobrancelhas; outro deles é extremamente vaidoso e faz questão de ajudar financeiramente o restante da família; outro assume os cuidados domésticos e a cocção da comida. Não é coincidência que o protagonista mais apegado à figura paterna seja também o mais machista.


Todavia, a quebra mais evidente é a do afeto. Vemos em tela homens que se abraçam, que choram, que cuidam uns dos outros e verbalizam suas afeições. Mais importante: são cinco corpos negros que fazem isso. Não há como negar que a masculinidade negra se difere da masculinidade branca. A primeira, embora não usufrua do poder do status quo, constantemente carrega ainda mais o estigma da violência e da hipersexualização.

Em coletiva de imprensa na qual o WBN estava presente, Sérgio Menezes (Zeca) expôs que o roteiro foi escrito sem levar em consideração a questão étnica, que só surgiu quando da escalação do elenco. Para ele, isto mostra que a história é universal. Discordando do colega, Nando Cunha (Mauro) afirmou que a partir do momento que um elenco negro foi escolhido, a questão racial foi imediatamente pautada e lamentou que os corpos negros sejam retratados majoritariamente de forma brutalizada e animalizada pela mídia. O ator ainda valorizou o trabalho da diretora Cláudia Pinheiro e fez um apelo para que atores negros como ele e seus companheiros sejam vistos como quaisquer atores, chamados para todo tipo de papel.


O trabalho de ambos os atores, assim como o dos demais protagonistas, brilha em tela devido a um roteiro pautado em diálogo e uma direção eficiente, mas simples, que não chama atenção para si. É fabuloso poder prestigiar uma obra audiovisual brasileira de grande representatividade negra sem que se trate de uma história sobre escravidão ou crime.

Talvez a única falha do filme que salta aos olhos seja uma virada forçada que vem ao final da narrativa, Nesse momento, o afeto e os personagens perdem força para dar lugar a uma trama boba que parece ter como único objetivo balançar a audiência. (SPOILER A SEGUIR) É claro que Mauro teria motivos suficientes para fazer o que fez, mas isso não explica como seria possível que um desconhecido coincidentemente da idade e tipo físico do pai dos protagonistas estivesse com o número de telefone deles no bolso. Por sorte, isto ocorre nos últimos minutos de tela e não chega a comprometer a experiência.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Novelo, 2021. Direção: Cláudia Pinheiro. Roteiro: Nanna de Castro. Elenco: Nando Cunha, Rocco Pitanga, Michel Gomes, Gustavo Bispo, Sérgio Menezes, Rogério Brito, Sidney Santiago, André Ramiro. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Carlos Firmino. Edição: Bruno Autran e Diego freitas. Casting: Joisi Freire. Preparação de Elenco: René Guerra. Produtores Associados: Jaraguá Produções, Bárbaros Produções, João Queiroz, Justine Otondo e Rachel Braga. Distribuição: O2Play. Duração: 95 minutos.

Estreia dia 25 de novembro nos cinemas selecionados e nas plataformas de streaming: Itunes, Google, Now, Vivo, Looke, Xbpix, Youtube Filmes e Apple TV+.

Escrito por Luana Rosa

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