Amado, de Edu Felistoque e Erik de Castro


É difícil falar de Amado sem entrar na política quando a pré-estreia com a equipe, elenco e imprensa aconteceu na mesma semana de dois casos policiais graves no cotidiano brasileiro. A operação na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, matou 22 pessoas e fechou 19 escolas e, em Umbaúba, Sergipe, um homem foi torturado e morto no porta-malas de um carro pela PRF


O longa de de Edu Felistoque e Erik de Castro, se vende como filme popular e busca o público através do gênero de ação policial. Os cineastas filmaram em Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal, e contaram com o apoio do Jovem de Expressão, grupo cultural que ministra aulas, palestras, exposições e forma jovens da periferia para o mercado cultural da capital. A inclusão do coletivo é uma ótima iniciativa, compartilhando os anos de experiência dos diretores e equipe com uma próxima geração de profissionais. 


Mas talvez seja preciso interpretar o diálogo que se mostra ao espectador entre o filme Amado, o grupo Jovem de Expressão e o palco da narrativa, Ceilândia. Cabo Amado (Sérgio Menezes), o personagem que dá nome ao filme, é um policial correto e incorruptível. Durante uma ronda, a equipe do militar encontra dois homens com mercadoria sem nota fiscal, mas uma segunda viatura chega e o líder da equipe (Igor Cotrim) propõe liberar a dupla contraventora mediante um modesto suborno. Amado nega sem pestanejar e assim se apresenta o conflito que levará o restante do filme. 


Toda a construção do longa, seus dramas e alívios, é baseada na moral de Amado e na crença de um “policial bom” que podemos contar em momentos de crise. O mito masculino do herói que não se corrompe, carrega os valores fundamentais e que devemos nos inspirar para reaver a boa convivência em comunidade. Não é apenas um espelho a ser imitado, Amado também elimina quem perturba a ordem. Em algumas ocasiões afirma que “alma sebosa tem que desencarnar”. 


Trailer


Ficha Técnica

Título original e ano:
Amado, 2022. Direção: Edu Felistoque e Erik de Castro. Diretora Assistente: Catarina de Castro. Roteiro: Erik de Castro. Elenco: Sergio Menezes, Adriana Lessa, Igor Cotrim, Gabriela Correa, Alexandre Barillari, Neco Vila Loos, Sérgio Cavalcante. Gênero: Ação, policial, drama. Nacionalidade: Brasil. Trilha Musical: Gulherme Picolo e Erik de Castro. Direção de Fotografia: Edu Felistoqque, Lucci Antunes, Gab Felistoque. Direção de Arte: Marina Patury. Montagem: Gab Felisoque e Edu Felistoque. Direção de Produção: Flávio Costa. Produtores Executivos: Edu Felistoque e Victor Dias. Produtores: Keila Pinheiro, Erik de Castro e Edu Felistoque. Distribuição: Downtown Filmes. Duração: 90min.

Numa trama mais coerente, a tentativa de encontrar esperança nas instituições poderia levar o filme a um policial que respeita os Direitos Humanos. Afinal, se o personagem age por uma régua moral bastante rígida, talvez essa régua pudesse ser a Constituição Federal. O personagem pode ser definido como dizem os americanos, he plays by the book, ou seja, segue uma cartilha de regras à risca, mas não é claro em que “livro” Amado baseia suas ações. 


As ideias, na verdade, são bem localizadas em uma ideologia de morte e cárcere, sem qualquer questionamento em relação a isso. O questionamento, ao contrário, é direcionado à burocracia estatal e a instituição policial é retratada como falha por maus elementos em cargos de chefia. Os vilões são da própria polícia e utilizam da corporação para ganhar dinheiro com subornos e proteger os traficantes poderosos da cidade. Amado, portanto, segue as próprias regras, decide quem está certo e errado e executa a punição. À medida que se liberta das amarras da corporação e age por conta própria, nosso protagonista acaba utilizando meios parecidos com seus antagonistas: usar os aparatos da corporação em benefício próprio.


Como em toda história com moldes na jornada do herói, Amado “amadurece” com os conflitos que precisa resolver ao longo da narrativa, mas, ao contrário da premissa inicial de que “é um dos bons policiais”, o protagonista se torna o vigilante cobrando uma vingança pessoal.


A película, além de bastante fixada em sua moral, foca no público que deseja atingir, tanto nas próprias cenas que assistimos quanto em todo o material publicitário de divulgação. A colaboração com um coletivo popular levanta a questão: quais filmes são possíveis em Ceilândia? Esta não é uma pergunta que podemos nos atrever a tentar responder, mas pelo menos levanta a dúvida sobre que lugar os diretores falam e como decidem quem fala e quem escuta. O discurso em volta do filme tenta criar uma conexão entre o contexto violento das periferias e uma moral imutável sobre como essa realidade deve ser combatida e evitada. 


Cabo Amado (Menezes) e o parceiro, Soldado Santos (Barillari)

Amado é um filme tão certo de suas convicções que não tenta em momento algum criar qualquer tipo de dúvida sobre a temática da segurança pública, tão comum ao contexto brasileiro. Dessa forma, é pouco útil discutir as ótimas atuações de Sérgio Menezes e Alexandre Barillari, as cenas de ação que deram certo, as derrapadas do roteiro ou até tentar escavar o bom filme que este poderia ter se tornado. Com tão pouco esforço para fazer um filme interessante em favor de uma possível popularidade, Amado só termina esquecível.

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Marisa Arraes

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