quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Tár, de Todd Field | Assista nos Cinemas


Indicado a seis cateorias no Oscar 2023, incluindo ''Melhor Filme'' e ''Melhor Atriz''

A compositora e condutora Lydia Tár é a primeira maestra da Filarmônica de Berlim. É uma das seletas personalidades multipremiadas que alcançaram o EGOT (acrônimo que se refere a pessoas agraciadas com os prêmios Emmy, Grammy, Oscar e Tony). Celebrada e reconhecida por seus pares, Lydia também leciona na prestigiada Juilliard School, em Nova Iorque. Entre o lançamento de seu vindouro livro e a gravação de uma performance ao vivo, a carreira de Lydia parece estar num excitante crescendo. Lydia Tár é um fenômeno, Lydia Tár é o momento. Mas quando polêmicas relacionadas a seus métodos e conduta vêm à tona, seu legado parece ameaçado. Quanto dura o poder? Seria o controle de influência uma mera ilusão? O diretor e roteirista Todd Field não parece interessado em responder tais questões, preferindo focar, ao invés disso, na construção de questionamentos acerca das diversas dinâmicas de poder possíveis em relações movidas a egocentrismo. 

Não obstante, ao fim da sessão de Tár, a vontade é imediatamente pesquisar a biografia desta mulher impactante na internet para saber mais detalhes sobre sua vida, quais ganharam mais destaque por serem considerados cinematograficamente engajantes, quais foram deixados de lado devido ao ritmo da trama ou por não serem tão dramaticamente polêmicos. Mas Lydia Tár é uma persona ficcional, todos os detalhes relacionados à sua trajetória pessoal e profissional começam e terminam no novo longa de Todd Field [Pecados Íntimos, 2006]. E o cineasta escolhe propositalmente deixar lacunas para que o público as preencha com sua própria visão de mundo e possível julgamento de valor. Tal proposta fica ainda mais evidente ao considerar que o próprio filme parece fazer questão de não tomar partidos. É um convite a refletir e desconstruir a imagem de uma pessoa que não existe, mas que simboliza muito bem a contemporânea volatilidade da opinião pública e da relevância midiática baseada em projeções morais.

A imponência de Tár (o filme) é visível em cada frame, cada escolha de figurino e cenário. As escolhas da construção cênica impecável ressaltam o senso de poder e controle da protagonista, figura central de um mundo frívolo com mania de grandeza e autoimportância. Por outro lado a imponência de Tár (a personagem) depende de uma delicada construção narrativa que estabelece sua grandiosidade. Antes mesmo de Cate Blanchett ter sua primeira grande fala no longa, o público já foi convencido da relevância de Lidya Tár. Quando Blanchett finalmente tem oportunidade de se esparramar pela tela, com sua fala decidida e semblante intimidador, a audiência não tem como fugir do fato de que já está na mão dela. O papel, por sua vez, foi escrito especialmente para a atriz australiana, e ela tira proveito da honraria em cada cena, cada gesticulação expansiva e firme de sua batuta, cada atitude controversa e potencialmente problemática. 

                                                                                                 Créditos: © 2022 Focus Features, LLC.
Cate Blanchett não só teve que re-aprender a tocar piano para o filme, como também aprendeu alemão e a conduzir uma orquestra. No filme, ela conduz a ''Desdren Orquestra''.

Blanchett está muito ciente das vulnerabilidades de sua personagem, usando isso para extrair ainda mais potência de sua interpretação, trazendo nuances muito humanas e atraentes para Lydia. As habilidades que a tornam uma maestra incomparável são as mesmas que a assombram em sua rotina: sua audição hipersensível frequentemente causa dores de cabeça e sobressaltos ao menor tinido. Gritos femininos distantes durante suas corridas no parque, bipes e ruídos vindos da rua ou de apartamentos vizinhos ao seu a perturbam. Algo está errado. O império de controle de Lydia nunca está totalmente intacto. Sua armadura de autoridade e postura durona não consegue protegê-la de seus próprios fantasmas particulares. Tudo em Tár depende diretamente da excelência da interpretação de Blanchett e ela não titubeia perante tamanha responsabilidade, entregando um interessantíssimo estudo de personagem e construindo uma protagonista igualmente desprezível e fascinante. Certamente, um dos maiores papeis de sua carreira.

Ao lado de Blanchett no elenco, estão Nina Hoss, Noémie Merlant (do ótimo Retrato de uma Jovem em Chamas) e Mark Strong. Interpretações competentes, mas sempre secundárias frente ao impacto intimidador e sedutor do protagonismo de Blanchett. Em momento algum duvida-se da grandiosidade e da competência de Lydia Tár, a postura da atriz afastando qualquer questionamento do poder de sua maestra. Mesmo após a decadência da carreira da artista, Blanchett mantém uma postura que se agiganta e rouba a cena independentemente da situação.

                                                                                                 Créditos: © 2022 Focus Features, LLC.
Na primeira imagem, Noémie Merlant, na segunda, Mark Strong e na sequência, Blanchett, no filme do ano, segundo os veículos da Vanity Fair, o Atlantic, Variety, o Hollywood Reporter, a Entertainment Weekly e também a votação anual da renomada ''IndieWire'' que contou com mais de cento e sessenta críticos de diversos lugares do mundo.

Um grande exercício de reflexão sobre a discussão tão atual de se considerar (ou renegar) a relevância cultural da obra de artistas cuja índole ultrapassa qualquer possibilidade de admiração, Tár se estabelece como uma película poderosa e grandiosa, assim como sua protagonista.

Trailer

Ficha Técnica
Título Original e ano: Tár, 2022. Direção e Roteiro: Todd Field. Elenco: Cate Blanchett, Mark Strong, Noémie Merland, Sidney Lemmons, Nina Hoss, Adam Goonik, Sylvia Flore, Nicolas Hopchet, Kitty Watson, Alan Corduner, Julian Glover, Alec Baldwin (voz em podcast). Gênero: Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Hildur Guðnadóttir. Fotografia: Florian Hoffmeister. Edição: Monika Willi. Design de Produção: Marco Bittner Rosser. Direção de Arte: Patrick Herzberg e Petra Ringleb. Figurino: Bina Daigeler. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 02h38min. 

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Regra 34, de Julia Murat | Assista nos Cinemas

  “O Direito não precisa entender o que realmente aconteceu, 
mas encontrar uma solução justa”
 
Na seqüência de abertura deste filme tão polêmico quanto premiado, fica evidente que a diretora Júlia Murat evitará as concessões moralistas. Ou melhor, as questionará junto à progressiva adesão do público aos dilemas que perpassam o cotidiano da jovem Simone, que, prestes a iniciar uma carreira como Defensora Pública, mantém uma trajetória paralela enquanto alguém que se masturba por dinheiro, na Internet. E a entrega da atriz Sol Miranda à sua personagem é definitiva neste processo, no sentido de que traz à tona contradições abundantes tanto em ambientes universitários quanto nas redes sociais com tendências à difusão de idéias de esquerda…

Pela manhã, Simone questiona as teorias advocatícias, geralmente ministradas por pessoas brancas e privilegiadas, mas defensoras da igualdade possível de direitos, entre todas as raças, gêneros e classes sociais. A turma é diversificada, de modo que os debates em sala de aula são metonímicos em relação ao público que o filme deseja atingir. Na prática, o que se defende é a constatação de que as teses gnoseológicas são defendidas por pessoas reais, com problemas e desejos reais, convertidos em anseios individualizados. À noite, entretanto, Simone despe-se diante da câmera de seu computador, a fim de obter recompensas em criptomoedas. Até que é instigada a conhecer as fronteiras do sadomasoquismo – e parece gostar do que experimenta, para além de qualquer temor!

Inicialmente, o roteiro co-escrito pela própria diretora, ao lado de Gabriela Capello, Roberto Winder, Rafael Lessa e Ananda Radhinika, coteja a satisfação que Simone obtém de suas sessões fetichistas com os depoimentos angustiantes que ouve em seu trabalho, onde lida com situações freqüentes de opressão contra as mulheres. Sem recair em binarismos julgamentais, a protagonista constata que os agressores são demarcados por históricos pessoais de violência, de modo que eles a praticam como uma maneira assustada de autoafirmação. Tal qual reiterado por um colega de Simone, “da mesma maneira que a violência é ensinada, algo mais pode ser lecionado que a substitua”. É um filme que nos leva a refletir sobre as condições fundamentais do Direito, portanto.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Regra 34, 2022. Direção: Julia Murat. Roteiro: Julia Murat, Gabriela Capello, Roberto Winder, Rafael Lessa e Ananda Radhinika. Consultores: Yasmin Thainá, Pedro Abramovay, Lillah Halla. Elenco: Sol Miranda, Lucas Andrade, Lorena Comparato, Isabella Mariotto, Babu Santanta, MC Carol, Rodrigo Bolzan, Dani Ornellas. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Lucas Marcier e Maria Beraldo. Fotografia: Leo Bittencourt. Edição: Julia Murat, Beatriz Pomar e Mair Tavares. Figurino: Diana Leste. Distribuição: Imovision. Duração: 01h40min.

Os problemas tornam-se mais evidentes à medida que Simone constata que as mulheres que ousam denunciar as agressões simbólicas de seus companheiros são fisicamente espancadas e, paralelamente, ela fica mais e mais atraída pela correlação entre prazer sexual e dor autoinfligida. Tendo dois amigos como cúmplices eróticos, Coyote (Lucas Andrade) e Lúcia (Lorena Comparato), Simone resolve aceitar a proposta de um seguidor, que oferece-lhe bastante dinheiro, a fim de que ela aceite exibir-se em situações violentas. E, nesse ponto, ela ignora a principal regra de qualquer relacionamento, que é o estabelecimento de confiança entre ambas as partes. O que acontece, a partir de então? No desfecho, o filme parece aderir ao punitivismo que foi refutado ao longo dos debates anteriores. Quando Simone reclama, de maneira rude, para sua melhor amiga, que lamenta que “o seu tesão não seja suficientemente político” para as demais pessoas, o roteiro interrompe a construção dialética anterior e rende-se a uma subtrama de suspense que desemboca num desfecho aberto porém imediatamente decepcionante. O que está sendo tematizado, afinal?

O fato de este filme ser dirigido por uma mulher, além de a protogonista ser negra e de o seu melhor amigo ser bissexual, explicita a habilidade do mesmo no enfrentamento das questões identitárias, em voga na contemporaneidade. Permite que alguns coadjuvantes (MC Carol e Babu Santana, sobretudo) componham personagens densos, longe dos estereótipos ditados pela mídia associada ao racismo (e ao machismo) estrutural. Trata-se de uma trama que assimila os lugares-comuns discursivos, optando por problematizá-los, como quando Simone enfrenta a opinião de uma colega de turma, que alega ser “contra a prostituição, mas em favor da prostituta”. É possível que essa distinção condenatória aconteça? Eis o tipo de discussão que torna este filme bastante rico e sobremaneira oportuno!

Créditos:  Divulgação        
O filme foi vencedor Vencedor do Leopardo de Ouro no 75º Festival Internacional de Cinema de Locarno e também fez parte da Seleção Oficial Première Brasil Festival do Rio 2022 Seleção Oficial 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Ainda que evite as menções partidárias, podemos perceber, nos diálogos, várias situações que denotam o rechaço ao bolsonarismo, principalmente quando um estratagema judicial da investigação que ficou conhecida como Lava-Jato é debatida pelos defensores públicos. Além disso, a composição dramática acolhe um formato que emula a independência, visto que sabemos pouco sobre o passado de Simone, mas compreendemos o seu presente, através de referências identificáveis em termos de licenciosidade (Milo Manara e Rodrigo Gerace, entre eles) e uma seleção cancional que inclui nomes como Liniker e os Caramelows e Johnny Hooker. Aliás, “Truco”, canção que é executada em mais de uma oportunidade, funcionando como tema específico da personagem principal. Vale a pena acrescentar que esta canção é composta e interpretada por Maria Beraldo, em parceria com Lucas Marcier, que são justamente os responsáveis pela trilha musical do filme.

Na maior parte de seus quase cem minutos de duração, “Regra 34” é um filme que propõe um olhar ampliado sobre a própria expressão contida em seu título, que tem a ver com a reprodução de conteúdos pornográficos, através de elementos que não são considerados sequer eróticos, noutros contextos. Pena que, quando “Cachorrinho” – canção ‘pop’ que ficou famosa na voz de Kelly Key – surge na banda sonora, a protagonista sucumbe à obviedade deste recurso associativo e imerge nos perigos do sexo pago de maneira absurdamente ingênua. Porém, o que está sendo proferido aqui é um julgamento de valor atrelado aos pressupostos (des)apreciativos de quem está escrevendo esta resenha. O grande mérito da produção é a sua ampliação discursiva. Conversemos sobre ele, publicamente: tem tudo a ver com o que está acontecendo no Brasil polarizado de hoje em dia!

19 de Janeiro nos Cinemas

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Babilônia, de Damien Chazelle | Assista nos Cinemas

 
Damien Chazelle (Whiplash, 2014 e La La Land, 2016) traz em sua nova produção uma grande homenagem ao cinema. Vez por outra, Hollywood precisa de filmes como esse para se retroalimentar. E é engraçado como Babilônia utiliza até um plot recauchutado como forma de tributo. Um dos pontos de virada do filme consiste na chegada do som sincronizado ao cinema e a mudança que isso gera na indústria - o ponto central de obras como Cantando na Chuva (1952) e O Artista (2011).

Babilônia não poderia ter um título melhor. A primeira parte do filme se dá em uma enorme e excêntrica festa com centenas de convidados, dezenas de atrações e de empregados, música ao vivo ininterrupta, todos os tipos de drogas possíveis e pessoas engajadas em atividades diversas concomitantemente. Quem entra no cinema desavisado, sem ler a sinopse ou ver o trailer, pode até achar que o filme é sobre aquele evento (com toda a certeza Chazelle teria fôlego para fazer um filme de três horas passado em uma única festa). Babilônia poderia mesmo se referir à loucura daquela celebração, em que há literalmente pessoas tentando se comunicar em línguas diferentes. Mas o que é apresentado no restante do longa-metragem é retratado em ritmo tão frenético como esta sequência inicial.

Sem silêncios nem pausas para respiro, o filme delineia um set de filmagem com o mesmo frenesi de uma festa caótica. Uma cena de briga conjugal com o mesmo furor de uma sequência de ação. É nesta cadência que o diretor vai desabrochando a história de Manny (Diego Calva), um trabalhador empenhado em entrar no ramo dos filmes; Nelly (Margot Robbie), uma jovem que sonha em ser uma estrela; e Jack (Brad Pitt), um galã de Hollywood. Mas como nada em Babilônia pode aparecer em pouca quantidade, os três protagonistas ainda revezam tempo de tela com as histórias secundárias da letrista e cantora hipnotizante Lady Fay Zhu (Li Jun Li), do trompetista Sidney Palmer (Jovan Adepo) e de Elinor (Jean Smart), uma crítica de cinema respeitada. A narrativa usa estes casos para mostrar como a indústria cinematográfica é especialista em sugar o melhor das pessoas para então jogá-las fora sem o menor senso de gratidão, cabendo aos trabalhadores (artistas ou não) desenvolver a habilidade de se reinventar ou se arrastar como baratas para sobreviver.

                                                                                                                                                      Créditos: Divulgação
Damien Chazelle iniciou a escrita do roteiro em 2009, bem antes de ''La La Land''. No seu pitching a um produtor de Hollywood, recebeu a dica de escrever um musical e foi ai que o filme de 2016 passou na frente de Babilônia no quesito de produção.

Com um elenco de peso, Babilônia poderia ser melhor caso fosse mais conciso. Não que devesse ser menos intenso, mas talvez mais enxuto. A existência do personagem de Toby Maguire (o ator é um dos produtores do filme), por exemplo, se mostra completamente descartável em termos de roteiro. A sequência em que ele surge parece estar ali por puro apreço estético, sem que isso carregue algum conteúdo. E é tão exagerada que chega a fugir do tom do filme, descambando para o nonsense não proposital.

Enquanto isso, temas importantes como o racismo e a homofobia sofridos por Sidney Palmer e Lady Fai Zhu, respectivamente, chegam a ser pincelados, mas não têm espaço para se desenvolver. E já que o assunto é representação de minorias sociais e as injustiças sofridas por estas, cabe ressaltar a decisão do filme em retratar uma mulher como uma das grandes diretoras de estúdio da década de 1920, algo que só iria acontecer décadas depois na vida real. Mas filmes de ficção não existem para retratar o mundo exatamente como ele é, mas sim realidades possíveis, sonhadas, desejadas ou até temidas.

Contudo, não há como apontar os acertos sem revelar os erros. E Babilônia erra grotescamente na representação de corpos gordos, limitando-se a mostrá-los como alívio cômico ou mesmo motivo de ridicularização, mesmo que dentro da diegese. Também há de se mencionar o uso dos corpos femininos de maneira fetichizada pelos personagens, de uma forma que isso transborda para os realizadores. As figurantes (constantemente seminuas) geralmente são filmadas sob o típico “male gaze”. Isso para não falar da personagem de Nelly, que tem diversas cenas filmadas sob o mesmo tom com a desculpa de ser uma mulher bem resolvida com sua sexualidade.

                                                                                                                             Créditos: Divulgação
Todos os personagens do filme tem inspiração real em artistas da indústria. Margot Robbie vive atriz inspirada em ''Clara Bow'', It Girl que chochou os norte-americanos por ter uma sexualidade aflorada.

Apesar da grande homenagem ao cinema, as tramas e subtramas focam em mostrar o ambiente de trabalho desumano empregado nas filmagens e as consequências desastrosas da fama. Mas nem por isso a visão de Chazelle deixa de ser romantizada. A mensagem que fica (e que chega a ser verbalizada por mais de uma vez) é a de que o cinema, enquanto resultado, é algo muito maior que qualquer trabalhador do ramo, artista ou empresa. Esses vêm e vão enquanto a máquina continua a girar e entregar ao público experiências inesquecíveis.

A despeito desta ideia ficar bastante clara durante todos os 189 minutos, Chazelle decide encerrar sua obra com uma declaração de amor escancarada à sétima arte que beira o piegas, mostrando a trajetória que o cinema traçou desde a época vivida por seus personagens até os dias atuais. Ao final de tão longa duração, o que fica é a sensação de arrebatamento por sequências extensas montadas de forma inquieta que deixam o espectador em verdadeiro estado de voyeurismo. Parabéns à equipe de assistência de direção pela coordenação impecável de numerosos figurantes.

P.S.: O trabalho de legendagem em português tentou adequar-se à linguagem dos personagens utilizando gírias e expressões datadas, mas que remetem muito mais aos anos 1970 que ao início do século XX. Talvez seja uma forma de homenagear a forma como o cinema chegava ao Brasil até pouco tempo? É possível. Mas ainda soa anacrônico.

Trailer


Ficha Técnica
Título origiginal e ano: Babylon, 2022. Direção e Roteiro: Damien Chazelle. Elenco: Daniel Calva, Margot Robbie, Brad Pitt, Jean Smart, Jovan Adepo, Li Jun Li, Tobey Maguire, Flea, Olivia Wilde, Eric Roberts, Patrick Fugit, Lukas Haas,Shane Powers. Gênero: Musical, Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Justin Hurwitz. Fotografia: Linus Sandgren. Edição: Tom Cross. Figurino: Mary Zophres. Supervisor de Direção de Arte: Eric Sundahl. Design de Produção: Florencia Martin. Distribuição: Paramount Pictures Brasil. Duração: 03h09min.  

19 de Janeiro nos Cinemas

Alerta Máximo | Sessões Disponíveis

 
Gerard Butler é um herói. Ou pelo menos é o que Hollywood parece acreditar. Após se tornar conhecido por interpretar o personagem-título da versão de Joel Schumacher de O Fantasma da Ópera e cair nas graças do público como o hiper-torneado Rei Leônidas em 300, de Zack Snyder, atualmente a carreira do ator escocês parece estar concentrada numa proposta com um pouco mais de adrenalina, priorizando papeis de heróis de ação e seguindo um caminho semelhante ao de outros atores que abraçaram o gênero, como Bruce Willis e Liam Neeson.

Em Alerta Máximo, dirigido por Jean-François Richet, Butler interpreta Brodie Torrance, o capitão de um voo comercial que precisa realizar um delicado pouso de emergência após o avião ser atingido por uma tempestade severa. Contudo, o alívio da tripulação e dos passageiros dura pouco ao descobrirem que estão presos num território hostil comandado por uma violenta milícia separatista que acaba por torná-los reféns. Enquanto uma equipe de especialistas em resgate envia mercenários para lidar com a crise, Brodie se une a Louis Gaspare (Mike Colter), um prisioneiro condenado transportado pelo FBI no voo, para resgatar os sobreviventes e fugir antes que seja tarde.

Há décadas o cinema dos Estados Unidos cimenta no imáginário popular o conceito do herói escondido entre civis, um cara simpático e aparentemente comum que em situações de risco se revela um macho alfa, vira o líder de um grupo em perigo e, no fim das contas, salva o dia. Trata-se de um arquétipo de brucutu que pode ter diferentes níveis de testosterona, geralmente tem experiência como militar ou policial (com um passado sombrio opcional, talvez uma tragédia familiar), e sempre que o roteiro precisar vai provar ter grande desenvoltura com armas e habilidades físicas de um lutador de MMA. Alerta Máximo exige de Gerard Butler simpatia para conquistar a confiança e a torcida do público e vigor físico para convencer nas cenas de porradaria pesada. Já tendo experiência em filmes do gênero, não é surpresa que o ator se sai muito bem no posto de herói de Ação e provavelmente consegue garantir sua carreira no gênero ainda por muito tempo. Propostas para viver outros personagens como este certamente não vão faltar.

Créditos: Lionsgate         
Gerard Butler é tão dono do filme que foi o ator quem bateu o pé para que o nome do filme se mantivesse como ''Plane'', no original, quando o estúdio queria alterar o mesmo.

Não é exagero afirmar que Alerta Máximo segue à risca a fórmula de filmes de Ação: cenas com muita adrenalina, lutas bem coreografadas, rajadas de balas por todo lado e um aparente fetiche por obliterar hordas de vilões não-brancos com armas enormes. A obra não parece tentar escapar dos clichês do gênero e entrega ao público tudo aquilo que se esperaria de um longa do gênero. Não existe muita preocupação em desenvolver os personagens ou seus passados e motivações, a intenção é simplesmente posicioná-los exatamente onde a trama precisa que estejam. Quando as cenas de ação se iniciam, sobram poucos momentos para respirar. É tensão, tiro, porrada e bomba quase que ininterruptamente. A produção opta pelo uso do recurso de câmera tremida, estilo popularizado em A Identidade Bourne e foi emulado à exaustão por dezenas de filmes desde então. O longa pelo menos não chega a abusar da estética, mas sacrifica parte da clareza das cenas ao adotar o constante sacolejo da câmera para aumentar o senso de movimento e perigo.

O maniqueísmo da construção narrativa já é característico do gênero e Alerta Máximo não falha em honrar esta tradição. Mesmo que o personagem de Mike Colter (um ex-militar da Legião Estrangeira Francesa) apresente alguns resquícios de nuances, o filme deixa claro quem são os reais antagonistas. Estes vilões, milicianos filipinos bárbaros, existem simplesmente para explorar a população local e tirar proveito de reféns estrangeiros que sequestram para extorquir suas famílias em troca de resgate. O roteiro faz questão de estabelecer que eles são os caras maus e que, devido a isso, precisam ser punidos. A consequência disso são cenas de violência gráfica em que homens racializados são brutalmente alvejados e mutilados pelos personagens de Butler e Colter, com a colaboração do time de mercenários contratados para cuidar da situação que o governo dos Estados Unidos não poderia resolver com diplomacia. É curioso (e preocupante) como o discurso violento por trás das escolhas de produções como estas é, consciente ou inconscientemente, contrabandeado para o subconsciente coletivo das pessoas que consomem blockbusters. Provavelmente o público-alvo destes filmes não se incomoda com a forma banalizada como a violência contra populações não-brancas e não-falantes de Inglês é representada, nem se preocupa com as implicações políticas que podem ser acarretadas pela naturalização de intervenções imperialistas de forças militares (oficiais ou não) invadindo outras nações a bel-prazer. Tais questões certamente merecem reflexão.

Alerta Máximo não tenta refletir sobre política ou imperialismo, usando tais elementos simplesmente como pano de fundo para uma história convencional fabricada para entreter seu público. Considerando a superficialidade da proposta que o conduz, o filme acaba por ser bem-sucedido em sua execução, agradando quem estiver procurando um programa com muita ação e pouca necessidade de ponderação. Contudo, quanto mais se contempla sobre as questões secundárias que o filme trata, mas nas quais se recusa a se aprofundar, mais fica evidente a sensação de que certas obras convenientemente abraçam o rótulo de entretenimento para se isentarem de qualquer compromisso com sua própria responsabilidade sobre as histórias que contam. Fora dos filmes, no mundo real, determinar quem é herói e quem é vilão não é tão simples.

Trailer
 

 
Ficha Técnica
  • Título original e ano: Plane, 2023. Direção: Jean-François Richet. Roteiro: Charles Cumming e J.P. Davis. Elenco: Gerard Butler, Daniela Pineda, Tony Goldwyn, Mike Colter, Lilly Kruc, Remi Adeleke, Paul Ben-Victor, Tara Westwood, Kelly Gale, Joey Slotnick, Kate Rachesky, Oliver Trevena. Gênero: Ação. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Marco Beltrami e Marco Trumpp. Fotografia: Brendan Galvin. Edição: David Rosenbloom. Design de Produção: Mailara Santana. Figurino: Erinn Knight. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 01h47m.

SESSÕES DISPONÍVEIS

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Me Chama Que Eu Vou, de Joana Mariani | Assista nos Cinemas


Além de uma música de Sidney Magal lançada em 1990 em sua fase da lambada, “Me Chama Que Eu Vou” agora também é um filme. Dirigido por Joana Mariani (Todas As Canções de Amor, 2018) e distribuído pela Vitrine Filmes, o documentário se debruça sobre as várias facetas que o cantor teve ao longo de seus cinquenta anos de carreira e como a mídia e o público iam reagindo a sua performance.

O filme constrói seu visual com uma montagem feita a partir de colagens de revista, o que dá o tom da época em que o cantor explodiu. As imagens estáticas e manchetes chamativas, juntam-se as inúmeras imagens de arquivo. Tanto as filmagens domésticas quanto aquelas provenientes de programas de televisão tem uma estética analógica e granulada que agrega a essa concepção. 

Ao invés de trazer uma narração ou vários depoimentos de talentos e empresários que conviveram com seu personagem, Joanna deixa que o próprio Magal conte sua história. A desvantagem é justamente a de que não há controvérsias. Não são exploradas polêmicas ou os defeitos do artista. Por mais que ele seja sincero quanto a seu narcisismo e à época de baixa de sua carreira, vemos a história sob o ponto de vista do próprio, que sustenta um ar confiante de quem superou todos os percalços. É como se Sidney Magal tivesse escrito sua autobiografia através de um ghost writer. Não é de surpreender que ao fim do filme, vejamos o nome de seu filho creditado como produtor. O filme parece mais um de seus atos de vaidade. Uma peça para enaltecê-lo, para mostrar a parte de si que ele quer mostrar, para desenhar seu legado.

Créditos: Divulgação        
O Multi-artista e ícone da música brasileira Sidney Magal é homenageado no documentário que ganhou prêmio no Festival de Gramado de 2020 na categoria de ''Melhor Edição''.

E embora isso comprometa o aspecto mais jornalístico do documentário, o fator arte e entretenimento não são abalados por essa questão. O filme é tão carismático como seu retratado. E o fato dele se admitir um narcisista só aumenta o apreço que temos por ele, como quando uma criança admite uma travessura inofensiva.

À parte da recapitulação da vida do artista, o ponto mais interessante da obra reside em uma breve discussão sobre preconceitos classistas em torno do consumo de música. A curta duração do longa-metragem deixa no ar um gostinho de quero mais e os maiores sucessos de Magal já ficam grudados na cabeça assim que os créditos terminam.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Me Chama Que Eu Vou, 2020. Direção: Joana Mariani. Roteiro: Joana Mariani e Eduardo Gripa. Elenco: Sidney Magal, Magali West, Rodrigo West. Gênero: Documentário, Biografia. Nacionalidade: Brasil. Direção de Arte: Marina Quintanilha, Anderson Capuano. Montagem: Eduardo Gripa. Trilha Sonora Original: Sidney Magal e Caíque Vandera. Empresa produtora: MAR Filmes. Produção Executiva: Diane Maia e Morena Koti. ProduçãoMar Filmes em parceria com a Globo News/Globo Filmes, Canal Brasil e Mistika. Distribuição: Vitrine filmes. Duração: 70min.

HOJE NOS CINEMAS

I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston


A produção de cinebiografias musicais em Hollywood continua a todo vapor. Ao menos uma produção de grande porte deste estilo tem sido produzida ao ano, reconstituindo no Cinema a vida de um ícone da música, relembrando sua carreira e celebrando seu legado. Uma destas “biopics”, lançada em mais de trinta países em dezembro do ano passado, está no menu de estreias neste início de ano e vem com muita expectativa. I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston reproduz a trajetória da diva estadunidense que conquistou o coração do público mundial com sua voz incomparável, retratando seu sucesso meteórico e os dramas ocasionados por ele.

Dirigido por Kasi Lemmons, a película segue a vida da cantora (interpretada por Naomi Ackie) desde seu início no mundo da Música como backing vocal de sua mãe, até ser descoberta pelo produtor musical Clive Davis (Stanley Tucci) e assinar um contrato rumo ao estrelato. O filme reencena episódios marcantes da carreira de Whitney, além de detalhes de sua vida pessoal, como seu relacionamento amoroso com Robyn Crawford (Nafessa Williams), que viria a se tornar sua assistente pessoal e diretora criativa, seu casamento conturbado com Bobby Brown (Ashton Sanders) e o abuso de drogas que veio a afetar sua vida profissional.

Créditos: Sony Pictures       
O filme recebeu duas indicações em premiações pela sua edição musical e montagem geral

Sendo uma cinebiografia autorizada, I Wanna Dance With Somebody (titulo que remete a uma das canções mais icônicas de Whitney) parece evitar se aprofundar em questões polêmicas ou espinhosas da trajetória de artista, se esforçando mais em traçar uma retrospectiva da jornada do ícone, de modo a dramatizar eventos vividos por ela e celebrar suas conquistas e feitos. Neste sentido, o longa acaba por cair na armadilha formulaica de outras cinebiografias e realiza uma colagem de cenas que, apesar de alcançar certo senso de continuidade, falha em estabelecer uma narrativa satisfatoriamente coesa. É como se o roteiro estivesse mais preocupado em mencionar todos os itens de uma checklist do que necessariamente contar uma história, seguindo uma série de atalhos que simplificam passagens da biografia da cantora e superficializam relações com grande potencial dramático em prol do avanço da trama. Escolhas foram tomadas para conseguir espremer as 4 décadas da vida de Whitney Houston que o filme cobre dentro de suas 2 horas e meia de duração, e o longa assume estas escolhas sem olhar pra trás. Talvez a estratégia tenha sido aceitar que existem obras documentais que se aprofundam em aspectos íntimos da vida da estrela e que uma cinebiografia é, antes de mais nada, uma roupagem ficcional da realidade. Sendo assim, tal simplificação e “higienização” visam enfatizar o tom de homenagem e celebração que o longa almeja.

A voz de Whitney Houston é usada no filme em todos os momentos musicais.

A atuação de Naomi Ackie como Whitney é um dos principais destaques do filme. Naomi traz leveza e jovialidade, mas também performance dramática e pesar, navegando com fluidez por tais sentimentos mesmo quando o roteiro parece querer encalhar na praia. Seu desempenho em tela explode energia ao interpretar as canções de Whitney, dando vida à lendária artista e ao mesmo tempo criando uma personagem só sua.

Ainda que I Wanna Dance With Somebody não seja exatamente tão ambicioso quanto a persona real que retrata, deixando de lado grandes ousadias e estilizações cinematográficas, consegue estabelecer dentro de sua construção convencional uma obra envolvente, dançante e pop, apresentando para uma nova geração o fenômeno que Whitney Houston foi e sempre será, mas sem deixar de lado os fãs veteranos da artista falecida em 2012. Um convite a mergulhar na discografia da cantora e descobrir ou relembrar clássicos imortalizados em sua voz.
 
Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Whitney Houston: I Wanna Dance With Somebody,2022. Direção: Kasi Lemmons. Roteiro: Anthony McCarte. Elenco: Naomi Ackie, Stanley Tucci,Ashton Sanders, Tamara Tunie, Nafessa Williams, Clarke Peters, Daniel Washington. Gênero: Drama, Biografia, Musical. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Chanda Dancy. Fotografia: Barry Ackroyd. Edição: Daysha Broadway. Figurino: Charlese Antoinette Jones. Direção de Arte: David Offner. Distribuição: Sony Pictures Brasil. Duração: 02h24min.
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sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Emily


"A coisa mais maravilhosa que existe é amar e ser amado’, eu li isso nalgum lugar”!

A atriz de ascendência britânica Frances O’Connor é acostumada aos papéis de época, tendo sido indicada e premiada por alguns deles. Em suas interpretações, ela recorrentemente percebeu-se frente aos dilemas de mulheres socialmente julgadas por causa de anseios românticos e, sobretudo, pela audácia em desafiar as convenções repressoras dos ambientes em que viveram. Sendo assim, é bastante compreensível que ela tenha estreado como diretora adaptando a história de vida de uma escritora sumamente influente, em âmbito póstumo. A aclamada Emily Brontë [1818-1848].


Responsável pelo célebre romance “O Morro dos Ventos Uivantes” – único de sua carreira, publicado um ano antes de sua morte, em 1847, sob pseudônimo –, Emily Brontë foi precedida na literatura por sua irmã mais velha, Charlotte [1816-1855], que publicou o clássico “Jane Eyre”, também em 1847. O caráter assustador dos cenários em que se passam ambas as tramas faz com que imaginemos as condições austeras em que estas irmãs viveram, visto que elas eram filhas de um homem bastante rígido, além de terem ficado órfãs de mãe muito cedo. E esse é justamente o porto de partida do longa-metragem “Emily”…

Aqui, a escritora é interpretada pela promissora Emma Mackey, enquanto sua irmã igualmente famosa é vivida por Alexandra Dowling. A família de jovens escritores é completada pela caçula Anne (Amelia Gething) e pelo impetuoso Branwell (Fionn Whitehead). Cada um deles escreveu poemas e algumas tentativas literárias, mas o roteiro, escrito pela própria diretora, enfatiza uma suposta rivalidade entre Emily e Charlotte. De acordo com o filme, isso interfere nas composições dos personagens de ambas as autoras. 

Créditos: Divulgação        

A atriz inglesa Emma Mackey vive a escritora que encantou o mundo com seu romance gótico ''O Morro dos Ventos Uivantes''.

No início, vemos Emily desfalecendo, quando “O Morro dos Ventos Uivantes” já havia sido publicado. Notamos uma reação iracunda, por parte de Charlotte, até que compreendemos, em ‘flashback’, o que acontecera até ali: por ser a mais velha, Charlotte é educada para ser professora, na Bélgica, vocação esta que, para o patriarca da família, Patrick (Adrian Dunbar), também deveria ser seguida pelas demais filhas. Emily não concorda com isso, entretanto. Deseja ser livre, o que é estimulado pela convivência freqüente com seu irmão Branwell, que advoga em prol da liberdade de pensamento. Um amor proibido interromperá (ou melhor, ressignificará) este anseio…

Ao conhecer o reverendo William Weightman (Oliver Jackson-Cohen), Emily o trata com repúdio, inicialmente, mas logo se perceberá apaixonada. Seu irmão, progressivamente inclinado aos vícios em substâncias como gim ou ópio, estimula Emily a experimentar o amor, mas, quando isso ocorre, ele incomoda-se ao constatar que esse sentimento, em vez de tornar a sua irmã mais prolífica, pode torná-la uma mulher langorosa. É quando o destino intervém de maneira fatal, fazendo com que a geniosa e inteligente Emily fique à mercê dos caprichos de três homens: um pai intransigente, um amante reprimido e um irmão inconseqüente. Pretextos ideais para um libelo feminista, não é?


Créditos: Divulgação      
Em 1946, Curtis Bernhardt dirigiriu ''Devotion''. O filme apresentava enredo focado na vida das irmãs Brontë.


Ainda que a diretora e roteirista simplifique em excesso eventos e personagens reais, as situações vivenciadas por Emily Brontë, em sua breve mais fulgurante vida, servem como estímulos positivos para as pulsões identitárias das espectadoras que se identificam com ela. Com uma imaginação sobremaneira fértil, Emily ousa dizer “não” pra determinações impositivas de seus parentes, como as exigências comportamentais de uma tia idosa (Gemma Jones), que tenta convertê-la numa dona-de-casa tradicional. Ela prefere correr na chuva, o que acontece mais de uma vez ao longo do filme, e que talvez tenha sido o motivo da tuberculose que ceifou precocemente a sua vida. A vida das irmãs Brontë foi romanesca por excelência!

Fotografado de maneira esmerada por Nanu Segal e pomposamente musicado por Abel Korzeniowski, “Emily” é um filme que equivoca-se na abordagem um tanto pueril do relacionamento entre a protagonista e seu irmão, na intensificação de um rancor entre ela e a sua irmã Charlotte e na obliteração de algumas informações sobre as condições de publicação das obras das escritoras [“Jane Eyre”, por exemplo, foi lançado antes de “O Morro dos Ventos Uivantes”, e de maneira bem-sucedida]. Para quem leu os romances supracitados, há um charme inequívoco em comparar aquilo que é mostrado no filme ao que imaginamos sobre o cotidiano das autoras, a ponto de ter interferido em suas obsessões literárias, fortemente influenciadas pela lugubridade da poesia de Lord Byron [1788-1824], como era típico desse período. É uma produção simpática, não obstante incorrer na inspiração preguiçosa de que Emily acusa o seu irmão. Mas entretém! 

 

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Ficha Técnica

  • Título original e ano: Emily, 2022. Direção e Roteiro: Francis O'Connor. Elenco: Emma Mackey, Oliver Jackson-Cohen, Fionn Whitehead, Alexandra Dowling, Amelia Gething, Adrian Dunbar, Gemma Jones,  Veronica Roberts, Gerald Lepkowski, Cara Foley. Gênero: Romance, Drama, Biografia. Nacionalidade: Reino Unido e Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Abel Korzeniowski. Fotografia: Nanu Segal. Edição: Sam Sneade. Direção de Arte: Jono Moles.  Figurino: Michael O'Connor. Distribuidora: Imagem Filmes. Duração:  02h10min.
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