sexta-feira, 28 de abril de 2023

Jair Rodrigues - Deixa Que Digam, de Rubens Rewald | Assista nos Cinemas

 
“Se você ouvir com atenção todos os seus discos, só tem macumba: aliás, sabe o que é curimba?”

Em diversos momentos do documentário “Jair Rodrigues – Deixa que Digam” (2020), o cineasta Rubens Rewald permite que o músico Jair Oliveira, outrora conhecido como Jairzinho, reconstitua teatralmente o jeito peculiar de falar de seu pai, o ilustre Jair Rodrigues [1939-2014]. Se este recurso nem sempre é o mais efetivo, em termos de complemento lingüístico aos depoimentos sobre o biografado, em âmbito emocional, ele permite que nós percebamos o quanto os dois artistas se parecem, a fim de reiterar que todo o bom humor que ele demonstrava nos palcos era igualmente aplicado em seu convívio familiar. Não por acaso, os dois filhos de Jair Rodrigues tornaram-se músicos como ele…

Não obstante abordar de maneira célere alguns aspectos da carreira do cantor [queremos saber mais sobre a sua parceria magistral com Elis Regina (1945-1982), por exemplo] e de incorrer em algumas inevitabilidades formulaicas – afinal, esse tipo de documentário musical é um subgênero com muitas convenções pré-estabelecidas –, o filme destaca-se pelo carinho com que menciona o cantor e pelo aproveitamento de seu carisma sobressalente. Mas, sobretudo, é uma produção que investiga de maneira arguta as transmutações estilísticas do intérprete.

Inicialmente consagrado como sambista, o que fez com que algumas pessoas suspeitassem que ele era carioca, Jair Rodrigues de Oliveira nasceu na cidade de Igarapava, no interior de São Paulo. A sua criação como homem do campo permitiu-lhe habilidades insignes na execução de músicas sertanejas, de modo que ele surpreendeu o público brasileiro ao entoar o clássico “Disparada”, de Geraldo Vandré, que empatou com “A Banda”, de Chico Buarque de Hollanda, no Festival da TV Record, em 1966, numa disputa que empolgou todo o Brasil. E essa é apenas uma das várias facetas musicais registradas por este documentário!

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Jair Rodrigus - Deixa Que Digam, 2020. Direção: Rubens Rewald. Roteiro: Rubens Rewald e Rodolfo C Moreno. Entrevistados: Armando Pittigliani, Bruno Baronetti, Carlinhos Creck, Claudine Rodrigues, Cristiane Paoli Quito, Giba Favery, Hermeto Pascoal, Jair Oliveira, Jairo Rodrigues, Luciana Mello, Marcelo Maita, Mister Sam, Moisés Da Rocha, Paulinho Daflin, Pedro Mello, Rappin’ Hood, Raul Gil, Roberta Miranda, Salloma Salomão, Solano Ribeiro, Théo De Barros, Wilson Simoninha, Zuza Homem De Mello. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Sergio Roizenblit. Montagem: Alexandre Lima, Guta Pacheco e Willem Dias. Edição de Som: João Godoy. Mixagem: Toco Cerqueira. Finalização: Beto Bassi. Programação de Visual: Sato do Brasil. Animação: Átila Fragoso. Elenco: Jair Oliveira. Direção de Arte: Carla Caffé. Preparadora de Elenco: Cristiane Paoli Quito. Figurinista: Nina Maria. Cenotécnico: Hugo Lefort. Produção: Fernanda Lomba, Rodolfo C Moreno e Rubens Rewald. Realização: Confeitaria de Cinema. Distribuição: Elo Studios. Duração: 01h38min.
Ainda que não tenha se posicionado politicamente nem tenha conseguido protestar explicitamente em prol dos direitos dos homens negros, o pesquisador Salloma Salomão explica o quão eloqüente foi Jair Rodrigues, em termos de militância, a partir do que era exortado nas canções que ele escolhia para gravar. Pioneiro nas apresentações internacionais pela África, Jair oferecia um potente contraponto ao que o pesquisador caracteriza como “filtro estético do branqueamento no samba” – no caso, a Bossa Nova. A versatilidade do cantor é tanta que o ativista Rappin’ Hood o considera o primeiro ‘rapper’ brasileiro, por causa do que ele fez em “Deixe Isso Pra Lá”, gravado originalmente em 1964 e marcado por versos rápidos e por uma gesticulação icônica nas apresentações ao vivo.

Nos instantes iniciais, vários artistas aparecem cantarolando os versos que subtitulam o documentário, instaurando uma breve desconfiança acerca da abordagem temática deste filme, frontalmente elogiosa em relação ao biografado. Em defesa dessa abordagem, sabemos que o cantor não se envolveu em nenhum escândalo e, como único defeito digno de nota, era excessivamente namorador. “Mas, naquela época, quem não era?”, comenta a sua viúva, Claudine Mello, compreensivamente emocionada, em suas aparições. Jair Rodrigues é sempre mencionado de maneira simpática e extrovertida, mesmo quando ele é obrigado a enfrentar pesares intensos, como a tristeza que sentiu perante o falecimento de uma filha pequena e após a morte de sua mãe, sendo que, nesse segundo caso, ele não cancelou um concerto que estava agendado para a noite do funeral. “É o que ela queria”, pontua sua filha Luciana Mello, que também é cantora.

Créditos: Divulgação
Jair Rodrigues com o filho Jairzinho, já despecando ao estrelato como astro mirim, e também em momento de cantoria.

Entre um e outro depoimento, o diretor insere fotografias em preto-e-branco, com destaques monocromáticos em determinados pontos. Os maiores sucessos do intérprete aparecem em momentos-chave, de modo que o filme agradará tanto aos seus fãs quanto às novas gerações, que ficarão entusiasmadas ao conhecerem a euforia marcante do artista, corroborada pelos músicos que o acompanharam em suas intervenções ‘jazzísticas’ diante do público. O legado de Jair Rodrigues ainda é muito vigoroso, conforme se percebe através do fulgor emocional de suas interpretações, tal qual ocorre em “A Majestade, o Sabiá”, composta por Roberta Miranda. No palco e com um microfone em mãos, Jair Rodrigues era um artista absoluto!
Créditos: Divulgação
Jair Rodrigues, contou seu filho Jairzinho durante a coletiva de imprensa, tinha um apego muito grande com a família e, sem dúvidas, escolheria o filho e o neto para o interpretar em obras que falem de sua vida.

No rico material de arquivo que compõe a montagem deste filme, aparecem algumas imagens do longa-metragem “Super Nada” (2012), também dirigido por Rubens Rewald, no qual Jair Rodrigues comparece como ator. Mesmo sendo convencional em sua exposição de eventos e compartilhamento de causos familiares e profissionais, este filme entretém e fascina, graças à pujança e à desenvoltura do personagem cativante cuja trajetória é narrada através de pessoas que conviveram diretamente consigo, como o irmão Jairo Rodrigues, com quem formou uma dupla caipira na juventude, sem muita repercussão. Para quem se interessa por música, por História do Brasil e pela envergadura humanista de algumas celebridades, este filme é obrigatório, além de incitar-nos a querer saber ainda mais sobre este exemplar legitimamente brasileiro de homem feliz (segundo o apotegma maiakovskiano que aparece nos créditos finais), que não queria ir tão cedo para o Céu – onde já estava sua querida Elis Regina – mas foi fulminado por um infarto. Aproveitou muito bem a sua passagem pela Terra, o que é demonstrado pelas imagens efusivas aqui compartilhadas. “E deixe que pensem, que falem”… Contrariando a própria letra de sua canção mais famosa, ele fez muitíssimo em vida!

''Jair Rodrigues - Deixa Que Digam'' venceu na categoria de ''Melhor Filme'' pelo Voto do Público na Mostra XIII Brazilian Film Festival, de Chicago (EUA), em 2022. Em 2020, participou da ''Competição Brasileira de Longas e Médias-Metragens'' do Festival É Tudo Verdade, 25ª edição - 2020.

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Renfield - Dando O Sangue Pelo Chefe | Assista nos Cinemas


O conhecido servo do vampiro Conde Drácula, Renfield, é um personagem que aparece em cerca de mais de dezesseis produções televisivas ou cinematográficas e estas são voltadas para contar a jornada sangrenta de seu chefe. Sempre visto como um maníaco que recobra a consciência em alguns momentos e volta a luz, R. M. Renfield ganha agora uma adaptação com muita comédia, mortes espetaculares e um tantinho assim de romance que o traz com um arco mais auto-suficiente. No novo lançamento da Universal Pictures Brasil, o ator britânico Nicholas Hoult vive o protagonista e, saindo do lugar em que negava papéis coadjuvantes, Nicolas Cage dá a vida a Drácula, cumprindo então uma meta conhecida por seus fãs e realizando um sonho, pois ele sempre quis ser nas telas o príncipe da morte.

Com direção de Chris Mckay (Lego Batman), roteiro de Ryan Ridley e argumento original de Robert Kirkman, a trama é moderna, mas não deixa de trazer os personagens criados por Bram Stoker (veja aqui) de forma altamente criativa. Divide a cena com Hoult a atriz sensação Awkfina. A moça vive a policial Rebecca Quincy e se torna em certo momento do filme interesse amoroso de Renfield. Um easter egg muito fácil de pegar sobre a personagem, aliás, é que seu nome é referência para um outro personagem no livro publicado em 1897, Quincey P. Morris.

Mas além das conexões que são feitas a obra literária, Mckay deixa seu filme mais conectado ao clássico longa de 1931, dirigido por Tod Browning, do que exatamente aos longas vampirescos que surgiram depois como ''Dracula de Bram Stoker'', realizado pelo tio de Nick Cage, Francis Ford Coppola. E Renfield consegue ir além do que se propõe como clássico, pois investiga as camadas da relação trabalhista e/ou escravagista (será?) entre Drácula e Renfield. Assim, a vitima narra sua vida e como se ''tocou'' de que talvez estivesse vivendo uma relação tóxica e prisioneira com o chefe sangue-suga literalmente. Também sobem a superfície temáticas sobre corrupção e impunidade.

                                                                                                                                        Créditos: Divulgação

Nicholas Hoult e Nicholas Cage trabalham juntos pela segunda vez. Na primeira, em ''The Weather Man'',  de 2005, foram pai e filho.

Renfield está acostumado a fazer de um tudo para Dracula. O alimentar, claramente, é uma das principais tarefas. E certo dia perseguindo uma possível vítima, adentra um grupo de auto-ajuda e senta ali para tentar entender o que está rolando. Os relatos dos presentes, contudo, fazem o rapaz cair em si e se identificar com o aprisionamento que vive em sua relação de trabalho. Como o chefe está fraco, aproveita para pensar melhor no que fazer de sua vida, mas o traz vitimas que não vão o deixar extremamente forte. Isto porquê ele procura uma saída e é quando se depara com criminosos que roubaram drogas da família mafiosa Lobo que tudo muda. Os ladrões são todos mortos e levados ao chefe como alimento, que mesmo insatisfeito, consome a vitalidade que vem da corrente sanguínea dos homens. 

No mesmo dia, a policial Rebecca Quincy está fazendo seu trabalho pelas ruas da cidade quando Tedward Lobo (Ben Schwartz), chega atordoado e cheio de drogas no carro. É preso, mas solto na sequência, o que deixa ainda mais indignada a moça justiceira que sabe que a família Lobo é perigosa. É muito sequencial que Renfield acabe por acidente defendendo a mesma quando alguns malucos adentram um bar para vingar os ocorridos dos últmos dias. Tedward Lobo, usando dos artifícios mais tecnológicos possíveis, consegue reconhecer Renfield como quem foi o causador de vários problemas e o perseguindo chega até Dracula. Não demora e o herdeiro do império do mal e sua mãe, Bellafranscesca Lobo (Shohreh Aghdashloo), unem forças ao conde.

Dracula fica sabendo que Renfield não tem feito seu trabalho e, não só isso, se desvinculou do mesmo indo atrás de uma vida nova. Algo que o vampirão estiloso não vai deixar rolar facilmente e que movimenta os atos finalísticos do filme de forma comicamente maravilhosa.

                                                                                                                    Créditos: Divulgação
Na ordem de aparição, Bella Lugosi em ''Dracula'', de Tod Browning, Carlos Villaria em ''Dracula'', de George Melford e Nick Cage em ''Renfield'', de Chris Mckay. 

O filme usa cenas originais do Dracula clássico lançado pelo estúdio nos anos 30 e insere nas cenas os atores Nick Cage e Nicholas Hoult usando técnicas avançadas de edição. Consegue envolver o espectador que leu o livro com seus inúmeros easter eggs que conecta a trama ao livro, bem como dar as mãos com os fãs da sétima arte e do gênero dual de 'comédia com terror'. 

Tem um texto que insere falas que remetem tanto ao longa de Tod Browning como ao de Coppola e trabalha o visual gótico/emo elucidativamente bem. Este último, é percebido ainda mais quando é entregue a mudança de Renfield de um figurino e cabelos desarrumados para um colorido por completo. Não apresenta zoeira com as técnicas de autoajuda para livrar as pessoas de uma vida de abusos, mas soa engraçadíssimo como tudo é montado nas cenas. Repare nos detalhes e vai ser ainda mais ''mindblowing'' do que pode imaginar.

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Renfield, 2023. Direção: Chris Mckay. Roteiro: Ryan Ridley - argumento original por Robert Kirkman, baseado nos personagens criados por Bram Stoker. Elenco: Nicolas Cage, Nicholas Hoult, Awkwafina, Ben Schwartz, Shohreh Aghdashloo, Brandon Scott Jones, Adrian Martinez, Camille Chen, Bess Rous, James Moses Black. Gênero: Comédia, Terror. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Marco Beltrami. FotografiaMitchell Amundsen. EdiçãoZene BakerRyan Folsey e Giancarlo Gianziano. Direção de ArteChris Craine. Figurino: Lisa Loovas. Distribuidora: Universal Pictures Brasil. Duração: 01h33min. 
Há uma brincadeira jocosa com gêneros musicais. Critica-se o ''Ska'', ritmo sempre feliz e permeado de instrumentos de sopro que surgiu ao fim dos anos 50 e teve um grande boom nos anos 90 (a banda ''No Doubt'' mesmo misturava muito o rock pop deles com o Ska, por exemplo). E se a película sonorizada por Marco Beltrami entrega blues, rock e até opera, se prepare para ter ótimos momentos por conta da trilha.

Maquiagem, figurino, ambientação e todo o design são emblemáticos e fazem o conjunto da obra ser alinhado. O estilo de Cage para o filme o faz lembrar bastante Bella Lugosi, mas também traz um certo exagero de cor em ternos que remetem o Drácula de Gary Oldman. É ainda maravilhoso em sua performance irônica e vilanesca. Convencendo muito que nasceu para interpretar Dracula. Aliás porquê demorou tanto?
 
         Créditos:Divulgação  
Nick Cage é considerado um vampiro na internet por ter verosimillhança fisica com pessoas do passado. O ator também possui inúmeros castelos.

Se Nicolas Hoult foi um namorado zumbi (leia texto aqui) cheio de confiança, um rei russo sem escrúpulos, um maluco suicida em Mad Max: Estrada Para Fúria (texto disponível aqui) e tem se ligado a projetos fodastikos, aqui nos entrega um Renfield muito consciente de si, como vitima, ou culpado de seus crimes, que se atem aos detalhes do personagem original e que se fortalece ao ingerir insetos e depende do sangue de Dracula para se curar. Aliás, na psicologia, a idolatria real do personagem por seu chefe fez a área estudar o vampirismo e estabelecer que a ''síndrome de Renfield'' fala da obsessão por sangue. Algo que o personagem demonstra ter mais no livro que neste filme.

Fechando a roda de conversa sobre o glorioso lançamento, vale lembrar que Mckay extrai o melhor dos personagens e ironiza o que pode na tela. Não é atoa estamos ansiosos por seu segundo Batman Lego.

Avaliação: Cinco bolsas de sangue O+ (5/5)


See Ya!
B-

quinta-feira, 27 de abril de 2023

O Chamado 4 - Samara Resurge, de Hishashi Kimura | Assista nos Cinemas

 

“Há coisas que não podem ser explicadas pela ciência. Elas simplesmente existem”!


A abertura de “O Chamado 4: Samara Ressurge” (2022, de Hisashi Kimura) delimita o ritmo do filme, ofertando-nos uma enxurrada de informações e uma indistinção entre as propulsões do terror sobrenatural e da comédia de absurdos, com montagem acelerada e sustos tão rasteiros quanto eventuais. Indiretamente relacionado à cinessérie nipônica que se iniciou com “Ringu – O Chamado” (1998, de Hideo Nakata), mas efetivamente associado a uma franquia subseqüente, inaugurada com “A Invocação” (2012, de Tsutomu Hanabusa) – ambas baseadas nos livros de Koji Suzuki –, este novo capítulo não possui continuidade em relação às tramas anteriores. Apenas apropria-se da personagem fantasmagórica Sadako, sendo que o título brasileiro revela-se oportunista na associação com motes advindos da regravação estadunidense da cinessérie supracitada. Expliquemos isso, através da própria análise da trama…

Ao sair de sua casa, a jovem Ayaka Ichijo (Fuka Koshiba) atualiza-se quanto às manchetes sensacionalistas dos telejornais, que instauram pânico ao mencionarem um surto de mortes misteriosas e súbitas. Segundo os jornalistas, essas mortes estariam relacionadas à audiência compulsiva a uma estranha fita VHS, amplamente anunciada na ‘Deep Web’, a despeito de seu conteúdo assustador. Ayaka posiciona-se de maneira cética em relação a eventos supostamente paranormais, de modo que, por ser bastante inteligente (possui QI 200, conforme insistem em repetir), é convidada a participar de um programa de TV, onde conhece um excêntrico mentor espiritual, de nome Kenshin (Hiroyuki Ikeuchi). Ambos posicionar-se-ão de lados opostos num debate: ela defende a racionalidade; ele conclama o misticismo.
                                                                                                                    
                                                                                                                                              Créditos: Divulgação
A produtora responsável pelo filme é a japonesa Kadokawa Pictures. A empresa lança animes, mangás, jogos e outros materiais culturais diversos no Japão.

Enquanto esse debate é acompanhado com estardalhaço pelos seguidores do Twitter, tanto de Ayaka quanto de Kenhsin, percebemos que um rapaz de nome Oji Maeda (Kazuma Kawamura) está filmando o que parece ser os derradeiros minutos de uma garota que assistiu à tal fita e que, por causa disso, está condenada a uma maldição letal, conforme descobrimos em produções antecedentes. De fato, a garota falece misteriosamente, e Oji pensa que será o próximo a morrer, pois também cometeu o infortúnio de assistir à gravação, que mostra Sadako saindo de um poço. É quando ele conhecerá Ayaka, e ambos tentarão dirimir a maldição em pauta.

De maneira tão pitoresca como ostensivamente paródica, Ayaka descobre que há alguns paralelismos entre a maldição de Sadako e o vírus da varíola (!) e, a partir daí, tenta neutralizar cientificamente os efeitos sobrenaturais da indução à morte. Se, por um lado, esse ponto de partida roteirístico é interessante no cotejo com a guerra de narrativas relacionada ao enfrentamento da Covid-19, por outro, deixa claro que a potência terrorífica da cinessérie está esgotada: do meio para o final, a tendência à comédia instaura-se ainda mais que os toques de horror, manifestos sobretudo através de trombalhões e de efeitos gráficos que beiram a comicidade (como os cabelos exageradamente crescidos das pessoas em que Sadako se transforma, provisoriamente). Algumas seqüências são hilárias, sendo muitas delas protagonizadas por Roido Kanden (Mario Kuroba), um rapaz que conversa com Ayaka utilizando um filtro virtual de gatinho.

                                                                                                                Créditos: Divulgação
O filme foi lançado no Japão em Outubro de 2022

Caracterizado como uma espécie de assistente misterioso de Ayaka, Roido chama a atenção para o fenômeno asiático dos ‘hikikomoris’, que são pessoas que ficam confinadas em casa por muito tempo, após algum evento traumático. Roido, no caso, assume-se como germofóbico e, quando é obrigado a sair de seu quarto, após muito tempo, aparece mascarado e utilizando uma peruca exagerada. E sua ajuda é essencial para que Ayaka desvende o código genético da maldição – sim, isso acontece! –, além de descobrir uma fórmula essencial de sobrevivência para o espectador, visto que acontece algo brilhante nos créditos finais, direcionado a todos nós.

Em suas convenções específicas de gênero, o filme pode causar estranhamento em quem está acostumado aos filmes de terror hollywoodianos, mas, para quem aceita a falta de lógica do roteiro escrito por Yuya Takahashi, que apela justamente para a aplicação genérica da lógica científica, o filme revelará inteligentes pontos de observação, mais ou menos como a análise das mensagens sublimares do vídeo de Sadako, feita por Ayaka. Uma conclusão interessante da narrativa é que a melhor estratégia para superar as ameaças provocadas/desencadeadas pelo cinema de terror é o consumo progressivo desse tipo de filme, no sentido de que isso permite o reconhecimento gnoseológico dos males e uma possibilidade palpável de desvendamento das ameaças malévolas, tal qual reiteradamente debatido por Ayaka e Roido. O que, sub-repticiamente, tem a ver com a proliferação de charlatões místicos, metonimizados pelas aparições do Mestre Kenshin.

                                                                                                                     Créditos: Divulgação
O longa não é uma continuidade para a trilogia norte-americana e é falado em japonês

Ah, quase esquecíamos de falar sobre uma subtrama envolvendo Chieko (Naomi Nishida) e Futaba (Yuki Yagi), respectivamente, a mãe e a irmã mais nova de Ayaka, pois, além de elas lidarem com o luto recente – envolvendo a morte do patriarca da família Ichijo –, Futaba insiste em conferir o vídeo amaldiçoado, mesmo sabendo que ele provoca seqüelas persecutórias. Algo fascinante nesse procedimento é que, como a audiência à fita implica a utilização de um videocassete, aparelho já obsoleto, isso emula uma ponderação bem-vinda sobre a renovação constante das tecnologias. Em âmbito formal, explica-se, assim, a estrutura narrativa do filme, que se assemelha à abertura e à navegação de um antigo CD-ROM. Trata-se, mais uma vez, de um anacronismo proposital, que proporciona acertos involuntários: “O Chamado 4: Samara Ressurge” é uma esculhambação consciente, à guisa de paródia, e, como tal, entretém e provoca válidas reflexões!

Trailer


Ficha Técnica

Título original e ano: Sadako DX, 2023. Direção: Hisashi Kimura. Roteiro: Yuya Takahashi baseado na obra de Kôji Suzuki. Elenco: Fuka Koshiba, Kazuma Kawamura, Mario Kuroba, Hiroyuki Ikeuchi, Yuki Yagi, Naomi Nishida, Hiroyuki Watanabe. Gênero: Terror. Nacionalidade: Japão. Trilha Sonora Original: Kôji Endô. Fotografia: Kasai Takahito. Produtora de Elenco: Kei Kawamura. Distribuidora: Paris Filmes. Duração: 01h40min.
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Beau Tem Medo, de Ari Aster | Assista nos Cinemas

 

Ari Aster é o famoso diretor americano de terror de Hereditário (2018) e Midsommar (2019). Sempre descobrindo novas vertentes do gênero, mais uma vez ele não decepciona e nos revela o petardo genial que é Beau Tem Medo, um inquietante filme de três horas de duração e estrelado pelo maravilhoso e premiado ator Joaquin Phoenix.

O terror agora não é um mascarado portando uma faca ou um livro amaldiçoado que conjura demônios. Os pesadelos, agora mostrados na tela grande do cinema, são as fobias e medos mais íntimos, aqueles que não deixam dormir à noite e que causam crises de ansiedade e paranoia. O diretor e também roteirista Ari Aster faz do personagem principal Beau (Joaquin Phoenix) um poço de neuroses e viver na pele dele por três horas é uma descida ao infernos, mesmo que com uma pitada de humor, surrealismo e nonsense.

Esta mistura de gêneros é o diferencial desse filme. Vê-se aqui um Fellini fazendo horror. As situações absurdas e angustiantes vão se sucedendo; o pavor escalando notas dramáticas e cômicas ao mesmo tempo; o pesadelo de ser Beau afligindo cada vez mais, até o final horripilante, de desespero total.


Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Beau is Afraid, 2023. Direção e Roteiro: Ari Aster. Elenco: Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Nathan Lane, Denis Ménochet, Kylie Rogers, Parker Posey, Zoe-Lister Jones, Bill Hader. Gênero: Terror, Comédia e Drama. Trilha Sonora Original: The Haxan Cloak. Fotografia: Pawel Pogorzelski. Edição: Lucian Johnston.  Design de Produção: Fiona Crombie. Distribuidora: Diamond Films Brasil. Duração: 175mn.

Beau é um cinquentão solitário e cheio de paranoias que vai visitar a mãe nos próximos dias. Corroído pela culpa e pelo medo, precisa da ajuda constante de um psicólogo e de remédios controlados para se manter são. Para confortá-lo, o médico receita uma droga farmacêutica, recém chegada ao mercado. Nessa noite em que começa a tomar o novo remédio, Beau não consegue dormir incomodado pelo vizinho, que reclama de um barulho inexistente. Acordando apressado e prestes a perder o voo, o filho pródigo que retorna à casa tem a chave do apartamento e a mala roubadas na porta do seu apartamento. Angustiadíssimo, avisa à mãe que não poderá ir, notícia que não é bem recebida pela matriarca Mona (Patti LuPone).

A partir daí, o pesadelo que é a vida desse paranoico piora numa escala épica. Sem chave, precisa sair para comprar água para tomar o remédio e deixa a porta do prédio encostada, convite para os moradores de rua invadirem sua habitação e destroçarem seu apartamento. De volta para casa, ligando para sua mãe, descobre que ela faleceu num acidente horrível. Fugindo de um invasor que estava no teto do seu banheiro, é esfaqueado por um louco e atropelado por um casal simpático e estranho Grace (Amy Ryan) e Roger (Nathan Lane). Fugindo do casal, após o suicídio da única filha adolescente e também esquizofrênica Toni (Kylie Rogers) acaba encontrando na floresta uma mágica trupe itinerante de teatro, onde tem uma viagem lisérgica e animada digitalmente, em que se casa, tem filhos, perde tudo e acaba reencontrando os filhos após muitas décadas perdido num país estrangeiro. Finalmente voltando para casa, encontra uma namoradinha de sua adolescência, a mãe morta e ressuscitada, o pai (um pênis gigantesco e monstruoso) e um julgamento em praça pública, numa enorme arena, onde é condenado à morte.

Créditos: Divulgação
Ari Aster exibiu o filme ao seus fãs  com uma pegadinha em 01 de abril deste ano. O publico que comprou ingressos para ver a versão de corte de diretor de Midsommar (2019) e viu no lugar, e um mês prévio ao seu lançamento, Beau Tem Medo.


Não entendeu nada? Não precisa. A jornada de Beau é uma viagem às neuroses, fobias e paranoias da vida cotidiana. Mães e pais, vida sexual, violência nas cidades, vizinhos, estranhos encontrados na rua, tudo é fonte de medo e angústia, até o final, que é a morte. Beau é você, sou eu, somos nós. O medo permeia as vidas contemporâneas, esse é o verdadeiro horror.

Com personagens maravilhosos, como num filme de Fellini, as três horas que duram o filme passam rápido. A sucessão de cenas surreais deixa o espectador inquieto e angustiado, o riso frouxo em algumas cenas é acompanhado também pelo esgar do pavor. Excelente filme, calcado na ousadia e no inusitado, é uma excelente pedida para se assistir nos cinemas. Hollywood criativa nem sempre acontece, aproveitem! Que novos filmes do Ari Aster apareçam, é um dos grandes diretores contemporâneos! Assistam!

Nota: 9/10
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

domingo, 23 de abril de 2023

Pacifiction, de Albert Serra | Assista nos Cinemas


O novo longa do cineasta catalão Albert Serra pode ser considerado um tour de force. Tanto por parte do próprio diretor, que realiza sublimes proezas técnicas e narrativas com o sucessor do polêmico Liberté, quanto por parte do público, que dificilmente terá Pacifiction como uma unanimidade. Isto porque o thriller político de Serra é cozido em temperatura tão baixa que por vezes é fácil passarem despercebidos elementos narrativos que constroem o quadro principal da trama.

Numa ilha da Polinésia Francesa, o comissário De Roller (Benoît Magimel), autodenominado representante de Estado, administra as facetas de diplomata e bom vivant. Simpático, intermedia tensões entre a França e a população local. Entre apresentações de danças folclóricas e reuniões acerca da segregação sofrida pelos povos originários, rumores da retomada de testes nucleares na região pela França trazem uma camada de paranoia à vida aparentemente idílica do paraíso polinésio.

Filmado durante a pandemia de COVID-19, Pacifiction é um exercício de contemplação. A construção da imersão se dá através de longos planos estáticos que permitem o público analisar à vontade os quadros onde se passa a história. Como consequência, belíssimos registros da paisagem polinésia e um olhar íntimo para o cotidiano dos personagens retratados pelas lentes atentas do diretor de fotografia Artur Tort. A trama se desenrola quase que imperceptivelmente em imagens de aspecto leitoso e cores sublimes que causam uma sensação de lembrança nostálgica. A sensação de conforto destoa diretamente da inquietação que é lentamente construída em segundo plano, uma angústia sutil que cresce por trás das cortinas diplomáticas. Abusando da praticidade e maleabilidade proporcionada por filmar em digital, Serra e sua equipe chegaram a usar simultaneamente até 3 câmeras para tirar o máximo de proveito da atuação (e eventual improvisação) de seu elenco. O resultado foram cerca de 500 horas de filmagens captadas embebidas num estilo naturalista e espontâneo que dá a obra um senso de realidade, ao mesmo tempo que as escolhas técnicas conferem às cenas uma aura de sonho distante. São estas contradições que elevam o nível de Pacifiction e possibilitam a imersão por parte do público, dando margem a reflexões sociais acerca de temas como colonização, intimidação bélica e exotização turística.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Pacifiction, 2022. Direção: Albert Serra. Roteiro: Baptiste Pinteaux e Albert Serra. Elenco: Benoît Magimel, Pahoa Mahagafanau, Marc Susini, Matahi Pambrun, Alexandre Melo, Sergi López, Montse Triola, Michael Vautor, Cécile Guilbert, Lluís Serrat, Mike Landscape, Cyrus Arai. Gênero: . Nacionalidade:   Trilha Sonora Original: Marc Verdaguer e Joe Robinson. Fotografia: Artur Tort.  Edição: Ariadna Ribas, Albert Serra e Artur Tort. Figurino: Praxedes de Vilallonga. Distribuidora: Fênix Filmes. Duração: 02h45min.

Os personagens que habitam este universo conferem um grande charme a este anti-épico. O comissário De Roller de Benoît Magimel, um estrangeiro adorável sempre de paletó branco e óculos escuros, como se estivesse num remake francês de Miami Vice, encanta. Sua capacidade de conquistar a confiança da população local é admirável, o que apenas aumenta a sensação de desconfiança em relação a seus reais interesses por trás de tamanha boa-vontade. Seu aparente interesse amoroso, Shannah (Pahoa Mahagafanau), inicia o filme apenas como recepcionista do hotel onde se passa parte da trama. Mas logo se torna uma espécie de confidente de De Roller, sempre encantadora, sempre enigmática. A relação ambígua da dupla potencializa o grau de mistério familiar construída por Serra, enquanto os demais personagens enriquecem o universo paradisíaco.

Contudo, os mesmos aspectos de excelência que banham o longa de Serra em elogios também podem ser um revés. A exigência de tanto comprometimento para se embarcar na tensão da narrativa pode tornar a película um tanto quanto proibitiva para públicos menos atentos ou que simplesmente não estejam em plena sintonia com o ritmo por vezes dolorosamente lento da obra. Ainda que seja bem-sucedido em estabelecer a atmosfera de suspense velado e apresentar uma trama coesa, com personagens verossímeis e críveis, a longa duração combinada com a cadência aborrecida de sua construção fazem este thriller político soar por boa parte de suas quase 3 horas qualquer coisa menos um thriller político. Este pacto de sugestão permanente, a crescente ansiedade, é uma escolha arriscada do diretor. A catártica cena final do longa certamente tem potencial de surpreender plateias, eletrizando as pessoas que conseguiram embarcar na valsa comedida de Serra e acordando com um susto as outras que pegaram no sono.

A edição final de ''Pacifiction'' conta com 02h45 minutos, mas o diretor realizou cerca de 500 horas de filmagem que incluem preparação e as cenas roteirizadas.

Se destacando por suas qualidades e a relevância dos temas que trata, Pacifiction é uma experiência grandiosa e ousada esperando ser descoberta, uma reflexão sobre os conflitos diplomáticos não-declarados que reverberam pelo tempo e convidam a História a se repetir.

O longa recebeu cerca de 13 prêmios em diversos festivais, entre eles, o Oscar Francês (César Awards) nas categorias de ''Melhor Ator'' e ''Melhor Fotografia''. Além de 34 nomeações em outros diversos festivais. No Festival de Cannes foi indicado ao prêmio principal, a Palma de Ouro, e também ao ''Queer Palm''.

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Uma Nova Paixão | Festival Filmerlier no Cinema



Timothy John Winton, conhecido como Tim Winton, é um romancista e escritor em tempo integral com uma longa lista de livros, peças, contos e obras infantis, aclamado pelo público australiano e publicado 18 idiomas diferentes. Seu romance “Dirt Music”, publicado em 2002, foi adaptado para o cinema em 2019, dirigido por Gregor Jordan, com roteiro co- assinado pelo colaborador de longa data Jack Thorne.

Uma das características nos livros de Winton é sua inspiração nas belas paisagens da costa oeste da Austrália. Ele tem um forte sentimento pela estranha beleza do cenário local por estar intimamente ligado ao movimento ambiental australiano em suas campanhas de conscientização e consumo sustentável. Afirma que, para ele o lugar vem “em primeiro lugar”. É exatamente isso que o público irá sentir neste romance morno, porém com um cenário espetacular.

Em ''Uma Nova Paixão'' temos a ex-enfermeira Georgie Jutlang (Kelly Macdonald) que inexplicavelmente arrasta um relacionamento de aparências com o mal-humorado pescador Jin Buckridge (David Wenhan). Jin é um homem violento e sua empresa domina a pesca local de lagostins.

A mulher diz não ser casada com ele, mas vivem na mesma casa, na cidade litorânea de White Point, e ela o ajuda na criação dos dois filhos pré-adolescentes. Uma família disfuncional que aparentemente se mantém unida por puro comodismo. Uma péssima companhia ainda é melhor que companhia alguma.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Dirt Music, 2019. Direção: Gregor Jordan. Roteiro: Jack Torne - baseado no livro homônimo de Tim Winton. Elenco: Kelly Macdonald, Garrett Hedlund, Badger, Jacob Clayton, Kohen Mills, David Wenham, Andy King, Fern Nicholson, Aaron Pedersen, George Mason e Julia Stone. Gênero: Drama, romance. Trilha Sonora Original: Craig Armstrong. Fotografia: Sam Chiplin. Edição: Pia Di Ciaula. Produtora de Elenco: Lucy Bevan e Kirsty McGregor. Figurino: Anna Borghesi. Duração: 01h45min. 
Uma noite, Georgia conhece na praia um pescador que rouba as armadilhas de Jim. Ela ainda não sabe seu nome e nada a seu respeito, mas se sente fortemente atraída por ele. A relação com o atual companheiro se torna insustentável e a moça decide dar um tempo indo para um hotel. Em sua fuga mal planejada encontra na estrada o enigmático, porém charmoso, Lu Fox (Garret Hedlung) e seu cão sem nome.

Lu Fox é um ex-músico que tinha uma banda com o irmão e Sal (Julia Stone – cantora e compositora australiana), a vocalista do grupo. Carência, necessidade ou simplesmente obra do acaso, mas os dois já partem para um tórrido romance. As relações não se justificam, a narrativa é superficial. Personagens pouco aprofundados e sem emoção que não conseguem ganhar a empatia do público.

A partir daí será uma sucessão de fatos em flashbacks para tentar explicar a crise existencial de Fox e o passado sombrio relacionado com a sobrinha Bird e Jin Buckridge. Toda essa problemática impede Fox de encarar a vida presente e avançar nas relações futuras. Perdido, Fox foge para as inóspitas paisagens australianas.

                                                                                                                          Créditos: Divulgação
A obra literária na qual o filme é baseado foi lançada em 2001 e prévio a esta produção, outro ator estava previsto para protagonizar a trama, o falecido Heath Ledger. No fim, Garrett Hedlund ficou com o papel.

O amor de Georgia será suficiente para salvá-lo de si mesmo?? Os cenários são magníficos com cenas panorâmicas de tirar o fôlego. As canções, interpretadas por Julia Stone e pelo próprio Garret Hedlung, dão o clima ao romance.

Ideal para aqueles que amam romance água com açúcar acompanhado de um belo balde de pipocas! Divirta-se!!

A produção está disponível no catálogo do Festival Filmelier em 30 cidades brasileiras de 19 de abril a 20 de maio. 

Visite: www.festivalfilmelier.com.br e confira a programação. 

sábado, 22 de abril de 2023

Sem Ursos | Festival Filmelier nos Cinemas


“O senhor filma o tempo inteiro: não paras de filmar, pois desejas conseguir o teu final feliz”

Nas primeiras cenas deste filme, acompanhamos o que logo percebemos que se tratam de filmagens realizadas à distância. O cineasta Jafar Panahi aparece interpretando a si mesmo, confinado num vilarejo que faz fronteira com a Turquia. Sabemos, na dita “vida real”, que ele está impedido de realizar suas produções, pelo Governo iraniano, há algum tempo, o que não faz com que ele deixe de realizar ótimos longas-metragens, como o auto-elucidativo “Isto Não é um Filme” (2011, co-dirigido por Mojtaba Mirtahmasb). Como tal, em seus filmes há um flerte recorrente com o estilo documental, ainda que a decupagem minuciosa não deixe dúvidas quanto ao caráter ficcional das realizações…

Voltemos à mais recente produção, portanto: conforme dito, no início de “Sem Ursos” (2022), descobrimos que o diretor Jafar Panahi está dirigindo uma trama sobre refugiados, à distância. Uma mulher de nome Zara (Mina Kavani) consegue um passaporte falso, em nome de uma turista francesa, mas recusa-se em fugir do Irã sem a companhia de seu parceiro Bakhtiar (Bakhtiar Pnjeei). Quando o cineasta direciona algumas orientações para os atores, através de seu assistente Reza (Reza Heydari – que trabalhou como técnico de som, em colaborações prévias com o realizador), a conexão de internet cai. Panahi precisará da intervenção de seu senhorio, Ghanbar (Vahid Mobasheri), no afã por encontrar um local onde o sinal esteja ativo. É quando outra história passa a ser contada…

Ao perceber que Ghanbar está arrumado para sair para um evento, Panahi empresta-lhe uma câmera portátil, pedindo que ele filme a cerimônia de noivado da qual participará. Trata-se uma tradição local, na qual dois prometidos em casamento lavam os seus pés num rio. Ao voltar desse evento, Ghanbar descobre que Panahi está sendo procurado pelos anciões do vilarejo, pois, supostamente, fotografou um namoro não autorizado pelos mantenedores de outra tradição local, que determina que o umbigo de uma recém-nascida seja oferecido ao seu marido futuro, escolhido no momento de seu batismo. Obviamente, as tramas interconectadas ficarão ainda mais intricadas…

Trailer


Ficha Técnica

Título original e ano: Khers nist, 2022. Direção e Roteiro: Jafar Panahi. Elenco: Jafar Panahi, Naser Hasheimi, Vahid Mobasheri, Bakhtiyar Panjeei, Mina Kavani, Narges Delaram, Reza Heydari, Javad Siyahi, Yousef Soleymani, Amir Davari, Darya Alei. Gênero: Drama. Nacionalidade: Irã. Fotografia: Amin Jafari. Edição: Amir Etminan. Departamento de Arte: Federico Mazza. Figurino: Leyla Siyahi, Ülker Çetinkaya e Hasibe Seçil Kapar. Distribuidora: Imovision. Duração: 01h46min.      
No filme dentro do filme, que é descrito como uma reconstituição de eventos vividos pelos próprios intérpretes, estes demonstram insatisfação em relação ao diretor, pelo modo como são conduzidas as filmagens; no filme que é o próprio filme, Jafar Panahi é ameaçado por alguns moradores, no sentido de que ele possuiria provas imagéticas que poderiam corroborar uma acusação. O diretor-personagem faz com que o espectador mergulhe num cabedal de situações em que as tentativas de acordo dialogístico não parecem suficientes para resolver os problemas causados pelos desentendimentos humanos.

Como o lugar no qual Jafar Panahi está alojado fica próximo de uma fronteira nacional vigiada por contrabandistas, há uma permanente tensão criminal, que é multiplicada nas visitas freqüentes dos anciões e nas discussões que ocorrem nas filmagens urbanas, acompanhadas através do computador do cineasta. Orquestrando mais um roteiro que corresponde a um subgênero particular do cinema persa – o docudrama panahiano –, este diretor demonstra-se um tanto formulaico no modo como alinhava as suas subtramas, mas não imerecedor de láureas ou de atenção redobrada. Sabemos apenas o que o protagonista sabe, de modo que, no desfecho em aberto, a única certeza de que temos é que, de fato, o título corresponde a algo implantado pelos mais velhos ou poderosos, a fim de que os seus seguidores continuem temerosos, no que tange à pujança controladora das tradições. Quando as pessoas não chegam a bons acordos, a violência e o medo instauram-se definitivamente!

                                                                                                                      Créditos: Divulgação
A película começou sua jornada de exibições no Festival de Veneza de 2022 e até agora já ganhou quatro prêmios. Entre eles, o ''Prêmio do Juri'' no Venice Festival, ''Melhor Filme'' no Trieste Film Festival e no ''Oslo Films From The South Festival'' e também um prêmio de 'honra' ao diretor no Chicago International Film com o título de ''Cinematic Bravery''.

Demonstrando-se um tanto amargo em seu realismo habitual – que, para alguns, tende ao pessimismo –, Jafar Panahi abusa de recursos técnicos que, a despeito da aparência, desmistificam o tom documental do filme. Vide a edição em campo/contracampo nas conversas dentro de automóveis e os enquadramentos ensaiados quando o diretor-personagem interage com outras pessoas, principalmente, na sala reservada a juramentos, onde ele insiste em efetuar mais uma de suas filmagens intrafílmicas. Ficamos apreensivos ao longo de toda a projeção, sobretudo porque os dissabores prisionais do realizador são internacionalmente conhecidos. Seus filmes incomodam negativamente os governantes de seu país, já que ele é audaciosamente denuncista quanto aos problemas engendrados pela implantação de uma fé religiosa convertida em constituição federal, que não permite quaisquer questionamentos.

Não obstante o diretor ser um hábil condutor de atuações expressivas, obtidas através de intérpretes não profissionais, alguns partícipes deste filme titubeiam em seus gritos reclamantes e/ou persecutórios (destacamos o instante em que Bakhtiar revela que Zara já tentara suicídio ou a seqüência em que o amante supostamente fotografado por Panahi o procura), fazendo com que “Sem Ursos”, às vezes, não seja tão definido em sua proposta metaperturbadora, quanto o foram outros petardos do realizador. Mas é um compêndio de enredos espelhados que faz jus ao título: a quem serve o nosso silêncio, induzido pelo receio de ultrapassar fronteiras? Esse questionamento é expandido às convenções pretensamente rígidas de alguns gêneros cinematográficos. Jafar Panahi é um gênio!

A produção está disponível no catálogo do Festival Filmelier em 30 cidades brasileiras. 

Visite: www.festivalfilmelier.com.br e confira a programação. 

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Querida Zoe | Festival Filmelier no Cinema


Querida Zoe, filme dirigido por Gren Wells, que também dirigiu A Estrada Interior (2014) é um drama típico de sessão da tarde. A chavinha que gira aqui é a transformação dos personagens e o espectador poderá estabelecer o desenvolvimento dos protagonistas a partir do "antes e depois" de cada um.

A produção norteamericana não tem grandes intenções de mudar a fórmula e apresentar um drama com outras camadas, mas em quesito de atuação, ela se sai muito bem com seu ótimo time. O elenco, aliás, traz a queridísima Sadie Sink (A Baleia, Stranger Things). E a obra é uma carta de amor à irmã mais nova de Tessa, personagem de Sadie. Narrado através da carta escrita para Zoe, que representa os estágios de luto pelo qual Tessa está passando, após a perda da irmã, o filme vai se construindo.

Tessa descreve tudo como o "before and after" da fatalidade. Zoe era uma criança de pouco mais de dois anos, que morreu no trágico dia 11 de setembro. Mas não faleceu por causa do atentado que mudou o rumo de vida estadounidenses para sempre. A pequena foi atropelada e Tessa se culpa por sua morte, todavia, carrega essa frustração até que o sentimento se transforma em raiva, uma raiva que se direciona aos familiares e é também dos familiares. Afinal, o trágico ocorrido mudou a família e fez esta virar um grupo de pessoa que não sabiam lidar mais umas com as outras. Desta forma, o antes e o depois se fazem presentes para destacar como esta família faz para lidar com o luto. Evidencia como uma perda tão prematura de uma criança pode afetar a todos. 

Trailer



Ficha Técnica
Título original e ano: Dear Zoe, 2022. Direção: Green Wels. Roteiro: Philip Beard, Marc Lhormer e Melissa Martin. Elenco: Sadie Sink, Jessica Capshaw, Theo Rossi, Justin Bartha, Kweku Collins,  Vivien Lyra Blair, Tanyell Waivers, McKenzie Noel Rusiewics. Gênero: Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Michael Yezerski. Fotografia Joel Schwartz. Edição: Julian Smirke. Design de Produçao: Carmen Navis. FigurinoMelinda Eshelman.  Duração: 01h34.

Previo a esta produção, o público já obteve amostras de que Sadie Sink e muitos dos atores aqui, eram convincentes em seu trabalho, mas depois de se assistir ao longa, fica mais que comprovado que mesmo com um roteiro que não oferece muito, eles conseguem entregar um bom resultado e se destacar. Jessica Capshaw (Blind Trust, Holidate, Greys Anatomy) interpreta Elly Gladstone, mãe de Tessa. A personagem de Jessica não se movimenta muito em cena, mas certamente consegue transparecer a dor que uma mãe sente ao enterrar seu filho. A atriz faz um trabalho excelente ao  delinear como a personagem está perdida e não consegue dar atenção ao marido e as duas filhas. Ou não consegue encontrar felicidade em nada mais, nem em si mesma. Fazendo com que um muro seja construído entre ela e a primogênita, Tessa, que foge para a casa do pai, Nick, interpretado por Theo Rossi (Luke Cage, CloverField, Army of Dead).

Nick é cozinheiro, mas nunca consegue segurar um emprego, por achar que merece mais. Ele tem um negócio um tanto quanto questionável, enquanto não consegue colocar para frente seu Food Truck. O homem, na verdade, vende drogas com o vizinho Jimmy (Kweku Collins). Este que se envolve com Tessa, assim que ela se muda para a casa do pai, a procura de se distanciar de todo o luto em sua casa. Para ela, é mais fácil esquecer até de Zoe e tentar seguir em frente. A garota foge até não conseguir mais, e todo o luto a encontra na casa onde procurou refúgio.

       Créditos: Divulgação 
O longa foi premiado no Woods Hole Film Festival (2022) nas categoria de "escolha do diretor" para melhor performance juvenil (Sadie Sink) e "Prêmio do Júri" par a"Melhor Narrativa" dado ao diretor Gren Wells

Existe um Tessa antes e depois de fugir para a casa do pai. E existe um Nick que acaba se modificando por conta da chegada da filha que nunca quis nada com ele. Todos os personagens apresentam essa construção e se transformam depois dos acontecimentos tomarem forma. Algo que pode soar cliche, obvio demais para qualquer obra, porém é o que Tessa vai descrevendo, ao aprender a lidar com os sentimentos dela, depois que perde a irmã. O antes e o depois é o que faz a diferença. 

A produção está disponível no catálogo do Festival Filmelier em 30 cidades brasileiras. 

Visite: www.festivalfilmelier.com.br e confira a programação.