sexta-feira, 16 de maio de 2025

Detetive Chinatown - O Mistério de 1900, de Chen Sicheng e Dai Mo

 “Se nossos compatriotas forem como vocês, em breve a China será uma grande nação novamente”!

Num contato superficial, são diversos os prismas que podem intimidar o público brasileiro, diante do lançamento deste filme: é o quarto episódio de uma franquia com o personagem titular; requer um mínimo de conhecimento histórico sobre aspectos chineses e norte-americanos do início do Século XX; e adere aos cacoetes de vários subgêneros distintos de longa metragens. Porém, quem superar estas particularidades, deparar-se-á com uma superprodução que tem muito a acrescentar no debate contemporâneo contra as diretrizes xenofóbicas do Governo Trump, para ficar em apenas um discurso imediato.

No cotejo com os demais filmes da cinessérie, esta obra é quase uma preqüência, que nos apresenta a antecessores dos protagonistas. Ainda que os diálogos e situações sejam relevantes naquilo que desejam transmitir, em âmbito político e ideológico, o roteiro é disfarçado de diversão ligeira, servindo-se de clichês tanto das produções de ‘wuxia-pian’ quanto de filmes de ação hollywoodianos. Alguns defeitos saltam aos olhos, como o anacronismo intencional de elementos da narrativa, a montagem videoclipesca e a trilha musical onipresente, com vistas à ênfase de instantes cômicos ou trunfalistas. Mas, para além disso, é um filme que consegue ser regularmente divertido, a longo de suas duas horas e dezoito minutos de duração: a linha do tempo que é desvelada nos créditos finais é interessantíssima, aliás!

Não obstante as interpretações da dupla protagonista investirem nos exageros hipercodificados dos personagens (um atrapalhado mas competente assistente de Sherlock Holmes e um indígena que fala chinês fluentemente), o contraponto actancial ofertado por Chow Yun-Fat, como um benevolente industrial estabelecido em Chinatown, é digno de aplausos e prêmios. Sua caracterização é bastante digna e crível, tornando ainda mais válido o clímax advocatício da obra, quando ele profere, num tribunal, que, “nesta terra, exceto pelos nativos, todos são forasteiros”. 
 
Trailer 

 
Ficha Técnica
 
  • Título Original e Ano: Tang tan 1900, 2025. Direção: Chen Sicheng,e Dai Mo. Roteiro: Chen Sicheng. Elenco: Wang Baoqiang,  Liu Haoran, Chow Yun-Fat, White-K, Zhang Xincheng, Yue Yunpeng, John Cusack, Grant, Tai Bo. Gênero: Drama, Mistério, Comédia, Época. Nacionalidade: China. Fotografia: Du Jie. Montagem: Tang Hongjia. Supervisor de SomSteve Miller. Música: Nathan Wang. Produção: Chen Sicheng. Empresas produtoras: As One Productions, Ruyi Pictures, China Film Co., Ltd., Beijing Yitong Chuanqi Film Culture, China Film Co., Ltd., Tianjin Maoyan Weying Media, WanDa Pictures. Distribuição no Brasil: SATO Company. Duração: 135 minutos.
 
 
Vários dos ‘slogans’ que aparecem no cenário de época, bem como as frases de repúdio contra os imigrantes, possuem semelhanças calculadas com as falas de Donald Trump e seus apoiadores, de modo que o personagem de John Cusack é uma evidente metonímia de tudo o que há de mais reprovável na extrema-direita, sobretudo no que tange à hipocrisia moral e aos preconceitos convertidos em estatuto de probidade empresarial/partidária. Neste sentido, o filme é mui assertivo ao defender a identidade chinesa, em âmbito ‘pop’ e assimilado. Chega a ser estranho quando os sinogramas aparecem na tela, de tão vinculado ao ‘modus operandi’ estadunidense que este filme é!

A despeito das aparências formalmente entreguistas, os dois diretores são conscientes de como funciona a lógica de assimilação capitalista, e expõem um ponto de vista particular sobre a Rebelião anticolonial dos Boxers [1899-1901], além de ousarem humoristicamente , quando utilizam uma versão legendada da canção “Only You” para ilustrar o momento em que os dois protagonistas se conhecem. A revelação sobre a origem familiar de um deles é também bastante relevante, em sua delimitação identitária. Por tudo isso, “Detetive Chinatown: O Mistério de 1900” (2025, de Chen Sicheng & Dai Mo) instiga o espectador a querer conhecer melhor a cultura chinesa, através de curiosidades como as diferenças nas posições de nome e sobrenome no Oriente e no Ocidente e no comentário sobre palavras homófonas, quando o detetive faz uso de uma comunhão de sentidos entre o verbo que significa “roubar” e aquele que significa “sentir”…

 

Crédito de Imagens: As One Productions, Ruyi Pictures, China Film Co., Ltd., Beijing Yitong Chuanqi Film Culture, China Film Co., Ltd., Tianjin Maoyan Weying Media, WanDa Pictures / Sato Company - Divulgação 

Mas vamos ao enredo do filme: depois que um oficial da Manchúria, Fei Yanggu (Yue Yunpeng) é enviado aos EUA, por ordem de sua imperatriz-viúva, para capturar revolucionários chineses fugitivos, ele envolve-se numa série de crimes cometidos por uma imitação norte-americana de Jack, o Estripador: a filha do preconceituoso congressista Grant (John Cusack) aparece morta, em Chinatown, com as suas entranhas removidas, e os imigrantes chineses são considerados suspeitos, o que facilita a votação de medidas restritivas contra eles, com o apoio da comunidade irlandesa. O eminente industrial Xuanling Bai (Chow Yun-Fat) fica preocupado ao ser advertido que o seu filho Zhenbang (Steven Zhang) está envolvido neste crime e, a fim de esclarecer qualquer mal-entendido, depende da investigação levada a cabo pelo detetive Qin Fu (Liu Haoran) e pelo indígena Gui, ou Fantasma (Wang Baoqiang), cujo pai também é assassinado…

No desfecho, ‘flashbacks’ reveladores evocam a tradição dos filmes de mistério, ao demonstrar que as pistas estavam acessíveis desde o começo. A revelação do crime é demoradamente explicativa, por conta das questões discursivas supramencionadas, referentes à detecção de práticas semelhantes de sinofobia na contemporaneidade. Os personagens são mui carismáticos e conseguem angariar a simpatia do espectador, em meio a seqüências de lutas e fugas que são herdeiras diretas das produções típicas de Hong Kong, outrora protagonizadas pelo prolífico Chow Yun-Fat. Boníssima surpresa, que, se devidamente anunciada, tornar-se-á o sucesso de bilheteria que merece. Ficaremos na torcida por isso! 
 
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS 

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