quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A Própria Carne, de Ian SBF | Assista na Rede Cinemark

 
O diretor, roteirista e produtor Ian SBF possui um extenso currículo no audiovisual, marcado pela direção de séries, curtas e minisséries. Um dos trabalhos mais reconhecidos do artista é o filme de 2015, Entre Abelhas, estrelado por um Fábio Porchat mais sério. Agora, Ian SBF conduz o terror “A Própria Carne”, longa-metragem que conta com Luiz Carlos Persy, Jorge Guerreiro, Pierre Baitelli, George Sauma e Jade Mascarenhas no elenco. A trama se passa durante o período da Guerra entre Brasil e Paraguai, quando três soldados desertam de seu bando, dizimado pela batalha, e, ao encontrarem uma casa isolada nas redondezas, se fazem passar por viajantes enquanto planejam uma forma de escapar e retornar para seu Estado.

Com um roteiro assinado por Deive Pazos, Alexandre Ottoni e o próprio SBF, o filme sustenta o suspense e o mistério em torno da estranha dupla que habita o local: um fazendeiro medonho, de voz imponente (Persy), e uma jovem garota (Mascarenhas). O trio de desertores, formado por Gustavo (Guerreiro), Gabriel (Baitelli) e Anselmo (Sauma), chega ao abrigo tomado pelo medo de ser capturado, afinal, abandonaram o campo de batalha de forma abrupta e feriram gravemente seus companheiros na fuga. Logo, este novo ambiente, que deveria representar refúgio, revela-se um território ainda mais assustador. Gabriel se aproxima da jovem tentando entender se estão seguros, enquanto Anselmo, ao conversar com o fazendeiro, percebe que algo terrível os cerca. Já Gustavo, o homem preto entre eles, é o primeiro a enfrentar (novamente) a luta pela própria sobrevivência, um destino que o persegue tanto dentro quanto fora da guerra.

Com produção da Nonsense Creations e da Neebla, o filme entrega algumas boas cenas de tensão, explorando um universo masculino de guerra e caos que, paradoxalmente, dá à única atriz em cena espaço para brilhar. A personagem de Jade Mascarenhas, em poucas aparições, consegue lembrar o espectador do que significa ser mulher em meio à guerra, vulnerável à violência, ao estupro e ao abuso. A presença do tom sobrenatural reforça a sensação de que ela já precisou entregar algo íntimo de si diversas vezes, talvez aquilo que o título sugere: a própria carne.

Trailer



Ficha Técnica
  • Título Original e Ano: A Própria Carne, 2024. Diretor: Ian SBF. Roteiro: Ian SBF, Alexandre Ottoni e Deive Pazos. Colaboração de roteiro: Leonel Caldela. Elenco: Luiz Carlos PersyJorge GuerreiroJade MascarenhasGeorge SaumaPierri Baitelli. Gênero: Terror. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Vinicius Brum. Direção de Arte: Martino Piccinini. Produção: Nonsense Creations, Neebla. Produção Executiva: Maria Monteiro e Glauco Urbim. Distribuição: Jovem Nerd, Cinemark. Duração: 1h30min. Classificação 18 anos.
Embasados por um pano de fundo histórico que bebe da fonte de diversos livros sobre a tenebrosa Guerra do Paraguai, os produtores, roteiristas e o diretor conseguem imprimir às cenas uma coerência visual e narrativa notável. Fotografia, cenários, figurino e as próprias atuações do elenco se destacam. No entanto, o ato final da película entrega mais experimentação do que um encerramento propriamente “redondo”. Como complemento, a produção e o circuito de pré-estreias do filme foram bancados pelos seguidores do grupo Jovem Nerd, que ganharam regalias para assistir ao longa em sessões exclusivas ao redor do país e brindes diversos. Nessas exibições, o público pôde encontrar os realizadores e sugerir alterações para uma possível versão final. A estratégia é um auxilio, uma forma direta de engajamento com os fãs, mas também levanta desconforto ao revelar que um filme que chega exclusivamente a uma Rede de Cinemas (Cinemark) foi direcionado a um grupo seleto, e não exatamente ao grande público brasileiro.

Durante a exibição em Brasília, inclusive, Deive Pazos e Ian SBF atenderam à imprensa local (que não recebeu brindes) e participaram de um Q&A após a sessão. Na ocasião, o diretor questionou aos fãs do JN e dos podcasts do grupo se o "áudio estava bom" para a voz do “dito vilão” e se o "desfecho do filme parecia consistente"A plateia respondeu com entusiasmo, elogiou o trabalho e fez inúmeras perguntas. Em uma delas, surgiu o questionamento sobre o motivo dos realizadores não buscarem recursos públicos de leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991) ou a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022). A resposta, que também circundou a questão de tempo de produção, foi reta e direta: “Não quero ter que explicar para o público do filme sobre isso”. Uma posição legítima, mas que também evidencia uma limitação de visão: o grupo parece preferir falar aos seus, evitando dialogar com o cinema de guerrilha, aquele que se sustenta por editais e patrocínios regulamentados, frequentemente alvo de desinformação e fake news que buscam deslegitimar o trabalho do Ministério da Cultura e de sua Secretaria do Audiovisual.

Crédito de Imagens: Nonsense Creations, Neebla,  Vinicius Brum - DivulgaçãoA produção contou com premiere à meia noite no Festival do Rio, evento que lembra bastante as "Midnight Sessions" dedicadas ao terror do Festival de Sundance
Certamente, regular o áudio de um personagem para que ele ganhe mais destaque, em função de sua vilania, é uma escolha criativa e perspicaz. No entanto, tais decisões estéticas podem gerar desequilíbrios na entrega do “produto” final. O dito fazendeiro, ao chegar ao desfecho, ganha uma virada de chama que pode levar o público a se questionar: será ele realmente o vilão ou o defensor do povo de sua terra?

Contudo, é difícil aceitar que alguém capaz de expor, de forma tão explícita, o racismo latente que o povo do sul carrega, possa ser considerado herói de qualquer coisa. Preconceitos não redimem personagens, apenas os revelam. Ademais, é incrível que o mesmo roteiro que provoca tal desconforto consiga, ainda assim, traçar com precisão a jornada de um homem preto em um período histórico em que sobreviver já era um ato de resistência.

A narrativa ainda mostra Gabriel e Anselmo como personagens fragmentados, perdidos em meio ao caos, deixando evidente que não possuem verdadeira força, nem mesmo são páreos para a intensidade e a loucura daquela jovem mulher já tão atormentada por tudo que viu ao lado do fazendeiro. Na certa, a figura mais enigmática e poderosa em cena.

HOJE NOS CINEMAS

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