O diretor, roteirista e produtor Ethan Coen já escreveu mais de trinta produções, tendo dirigido vinte e sete delas. A maior parte de sua filmografia foi realizada em parceria com o irmão, Joel Coen, mas, nos últimos anos, Ethan vem trilhando caminhos próprios. Seus três trabalhos mais recentes, o documentário Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind (2022) e os longas de ficção Garotas em Fuga (2024) e Honey, Não! (2025), marcaram essa nova fase solo, em que o cineasta se mostra livre para conduzir suas próprias ideias.
Nos longas, a atriz Margaret Qualley tem sido presença constante, interpretando mulheres fortes, determinadas e donas de seus próprios destinos. Em Honey, Não!, ela vive Honey O'Donahue, uma detetive que atua em um cenário pós-pandêmico, obstinada em arrancar, com um jeitinho de quem não quer nada, tudo o que precisa do delegado Marty (interpretado por Charlie Day) para montar o quebra-cabeça de assassinatos e desaparecimentos que assolam a pacata cidade do interior. O filme começa com um suposto acidente de carro, no qual uma mulher loira perde a vida. Ao espectador, porém, o evento se revela claramente forjado, já que uma criminosa é vista no local se desfazendo das provas. Marty surge logo depois e, em seguida, Honey aparece para tentar desvendar o que está acontecendo. O delegado, não tão esperto quanto ela, enxerga o caso como algo simples, enquanto a detetive percebe detalhes que prefere guardar para si.
Honey é solteira e sem filhos. Já sua irmã, Heidi (Kristen Connolly), tem uma penca de crianças e um marido que nunca é visto ajudando em nada, se é que ele existe para além de procriar. A primogênita, Corinne (Talia Ryder), é rebelde, exibe cabelos coloridos, piercings e um temperamento inquieto. Vive entre o namorado encrenqueiro Mickie (Alexander Carstoiou) e o trabalho em uma rede de fast food, enquanto os irmãos pequenos causam uma baita dor de cabeça à mãe. No escritório, Honey conta com a ajuda de sua assistente Spider (Gabby Beans). Apesar das cantadas que recebe por onde passa, é uma mulher apaixonada pelo universo feminino e assumidamente lésbica. Mesmo tendo o acidente em mente, segue sua rotina atendendo clientes. Um deles, Siegfried (Billy Eichner), a procura acreditando que o namorado, Colligan (Christian Antidormi), o está traindo. Honey tenta dissuadi-lo, mas ele insiste em reunir provas para confrontar o parceiro.
Não muito longe dali, o Reverendo Drew Devlin (Chris Evans) leva uma vida de excessos, sexo e selvageria quando não está pregando. Envolvido explicitamente com o tráfico de drogas, o religioso bonitão é o típico pastor que corrompe suas próprias ovelhas. Além das cenas em que transa com mulheres de sua congregação, também é mostrado incentivando e induzindo jovens a matar, vender drogas e cobrar dívidas. Nada disso ocorre com grande discrição, e, conforme as coisas fogem do controle, quem banca as loucuras do pastor começa a se irritar com o volume de sujeira a ser encoberta. Essa função recai sobre a bela Chére (Lera Abova). Enquanto uma avalanche de acontecimentos toma conta da tela, Honey e a policial Mg Falcone (Aubrey Plaza) acabam se envolvendo em uma relação tórrida, que deixa ambas desconcertadas.
Não há mocinhos nem mocinhas em Honey, Não!, apenas personagens com força motivadora o suficiente para não ficarem parados. Quando situações estranhas começam a cercar o vilarejo e a apontar para o pastor Drew, Honey se mostra mais afiada que a própria polícia local e, inevitavelmente, chega mais rápido ao fim do arco-íris. Ainda assim, não escapa de enfrentar os mesmos perigos que ameaçam todos os demais.
O longa garantiu sua estréia nas famosas sessões de meia noite do Festival de Cannes, em maio deste ano
O texto do filme é cheio de excentricidades. Temos personagens diversos e verossímeis vivendo situações cotidianas, mas também absolutamente inacreditáveis, como o momento em que o pastor simplesmente ordena a seus jovens capangas que eliminem “X” e “Y” por vacilos no tráfico de drogas, ou ainda as cenas em que o mesmo personagem participa de encontros sexuais com garotas de sua igreja. Ele representa o estereótipo clássico do religioso hipócrita, e Chris Evans entrega uma atuação precisa, irônica e até divertida nesse papel de quase vilão.
A protagonista nos conduz pelas confusões da trama. Embora o público já saiba o que está acontecendo, é Honey quem se intromete em tudo até encontrar as respostas. Charmosa e dona de um estilo digno de passarelas e revistas, ela acaba se metendo em uma enrascada sem precedentes, confiando em quem não devia. Só percebe o erro quando ocorre o desaparecimento de sua sobrinha. Em determinado momento, a investigadora também reencontra o pai, e, apesar da construção frágil dessa subtrama, é fácil compreender que não há figuras masculinas que ela realmente admire naquele universo. Já de mulheres, há muitas, fortes, complexas e cheias de personalidade.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Honey Don’t!, 2025. Direção: Ethan Coen. Roteiro: Ethan Coen e Tricia Cooke. Elenco: Margaret Qualley, Aubrey Plaza, Chris Evans, Charlie Day,. Gênero: Comédia escura, Neo-noir, Mistério. Nacionalidade: Estados Unidos, Reino Unido. Trilha Sonora Original: Carter Burwell. Fotografia: Ari Wegner. Design de Produção: Stefan Dechant. Figurino: Peggy Schnitzer. Produção: Focus Features; Working Title Films. Distribuição: Universal Pictures Brasil e Cinesystem. Duração: 89 minutos.
O tom cômico circula o filme muito bem. Há um quê de "Tarantino" em certas escolhas, mas a violência e a estética só trazem mera lembrança a corrente fílmica que este último é dono. As atuações não vacilam e por ser a segunda vez sendo conduzida pelo diretor, Margaret consegue mostrar que o mesmo confia bastante nela. A atriz tem escolhas bem diversas em seu currículo e seu ser esguio, andar descontraído e o estilo em construção denotam a personagem que ela cria e brinca como ninguém.
Se prepare para um bom filme em uma hora e trinta minutos, mas com tons e nuances que talvez necessitem maior reflexão.

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