sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Bom Menino, de Ben Leonberg

 
Cachorros são sempre vistos em filmes dramáticos onde estes tem uma vida familiar ativa (Marley & EuDavid Frankel, 2008) e que tenha um tom de comédia e fofura enorme. Ali quase sempre eles se tornam heróis da coisa toda e emocionam tanto que deixam até os mais duros dos homens de coração partido. Há também espaços para o sinônimo do "melhor amigo" em longas animados e vez ou outra eles aparecem em situações atípicas e que fazem o espectador se perguntar sobre como estes pequenos seres também podem ser perigosos, como é abordado na película de 1977, dirigida por Burt Brinckerhoff, "Dogs".  

Tidos como animais que escutam quatro vezes mais, com visão noturna e olfato super mega aguçado, os catyorros são sempre colocados nessa posição enigmática de terem contato com outros mundos, e algumas religiões (hinduísmo e espiritismo) inserem à eles uma conexão sem igual ao universo espiritual, todavia, nada foi ainda comprovado cientificamente e chega a ser um mero simbolismo. Usando desta idéia simbólica, o estreante na direção de longa Ben Leonberg investe em uma proteção além do inimaginável em o "Bom Menino''. No enredo, o cachorro Indi e seu dono, Todd (Shane Jensen), vão passar alguns dias na casa do Avô (Larry Fessenden) deste último e por lá o doguinho começa a ouvir e ver coisas sobrenaturais e que podem estar querendo ferir seu amigo.

O lugar é sempre lembrado por quem conhece como mal-assombrado, pois a morte do patriarca foi cercada de mistério e os vizinhos até chegam a desejar boa sorte ao rapaz, que está bastante doente, e decide ir morar no casarão. Vera (Arielle Friedman) irmã de Todd, é a única que fica no pé do irmão e o contata sempre para saber se o homem está bem, pois acredita que ele não está em boas condições. Todd está bem despreocupado, cansado e tentando apenas não pensar em nada. Enquanto isto, o atento Indi está de olho em tudo e ouvindo mais do que ele mesmo acredita estar. Não demora, e o falecido cachorro do avô de Todd, também aparece e chama Indi para o mostrar que tem algo de errado na casa. O bichano também vê o esqueleto do falecido doguinho no porão da casa, espaço onde o terror todo acontece nos momento finais entre o habitante da casa e quem veio o levar dali.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e Ano: Good Boy. 2025. Direção: Ben Leonberg. Roteiro: Ben Leonberg & Alex Cannon. Elenco: Indy (cão), Arielle Friedman, Larry Fessenden, Anya Krawcheck, Hunter Goetz, Stuart Rudin. Gênero: Suspense/Terror. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Sam Boase-Miller. Fotografia: Ben Leonberg. Edição: Ben Leonberg. Design de Produção: Alison Diviney. Empresa Produdora: What's Wrong With Your Dog?. Distribuição no Brasil: Paris Filmes. Duração: 1h12. Classificação indicativa (Brasil): 12 anos
Rodado por mais de quatrocentos dias, durante três anos, devido ao seu ator principal ser um cachorro real, o filme instaura suspense e terror de um jeito muito excelente visto que em todo tempo se assiste a visão do animal sobre a jornada de seu dono até o seu derradeiro destino. Assim, somente no ato final, sabemos quem realmente é Todd e quem o persegue, a própria morte. Poucas vezes temos a presença real de corpo inteiro de um ser humano, como a exemplo, videos de filmes ou videos do avô que Todd assiste em um tevê velha e que tem a configuração escura são os únicos, o restante dos takes são sempre com os rostos entrecortados. 

O ator Indi, doguinho do diretor na vida real, e que no filme também se chama Indi, reage a tudo. Ao barulho, ao dito "fantasma" que aparece para perseguir seu dono e também ao que a natureza o evidencia. Sabe se movimentar em cena e os takes do cachorro de costa ou de olho nos ambientes e espaços da casa assombrada são certeiros e auxiliam a evidenciar o medo dele pelo que pode acontecer. No ato final, ele ainda que com medo e tentando avisar o dono dos ocorridos, tenta o defender, mas recebe um sinal de que não precisa se desgastar, já que Todd aceitou seu destino.

                                    Crédito de Imagens: What's Wrong With Your Dog? / Paris Filmes - Divulgação
A internet ficou nervosa quando o primeiro trailer do filme foi lançado e uma das perguntas mais buscadas no Google era se "o cachorro do filme morreria".

O roteiro exala boa escrita e o filme é bem rodado. O texto, ao se analisar com profundidade, vem traçar boas reflexões deste momento que todos nós devemos passar na vida, a chegada da morte e quem vem nos buscar. Na situação imposta ao cachorro, ele tenta a todo custo salvar seu dono, mas compreende em certo momento que não há mais nada a fazer e chega também a correr risco. Contudo, seu bom e heroico coração o faz ter salvação. Palmas a edição que trabalha bem a atuação e recorta o necessário para que o espectador se sinta na pele do animal super protetor.

Bom Menino é um filme curto, de menos de uma hora e vinte minutos, mas muito direto na mensagem que quer passar, e esta vai além de seres malignos dando sustos e acorrentando quem se está no encalço. É uma boa fábula sobre o momento da "passagem", sobre o afeto entre cachorros e seus donos e até mesmo sobre famílias que vão se desfazendo para se encontrar em algum lugar. Ótima pedida para o Halloween tupiniquim/dias dos mortos.

Em Exibição nos Cinemas

Folha Seca, de Aleksandre Koberidze | 49ª Mostra SP

 

Perspectiva InternacionaL

Filmes de vanguarda são experimentos técnicos que alargam a gramática do cinema, sua morfologia, sua sintaxe, sua concordância e vocabulário. Essas inovações podem gerar longametragens difíceis de se assistir, mas que se evidenciam extremamente necessários para dar novos rumos à sétima arte, criar caminhos na selva para que os sucessores possam trilhar com segurança. Exemplos de obras assim são "O Homem da Câmera" (1929), de Dziga Vertov, "Meshes of the Afternoon" (1943), de Maya Deren e Alexander Hammid, "Scorpio Rising" (1964) de Kenneth Anger, ou boa parte da fase final do gênio francês Jean-Luc Godard.

O filme Folha Seca, do diretor georgiano Aleksandre Koberidze, pode se dizer que encaixa perfeitamente ou faz parte desta vertente. De três horas e seis minutos, a película, enganosamente simples, é a busca de um pai por sua filha desaparecida pelos campos de futebol dos vilarejos do interior da Geórgia. Até o reencontro no final do seu último ato, as cenas repetitivamente são este pai, representado pelo ator Giorgi Bochorishvili, em seu carro com um companheiro de viagem que propositadamente não aparece, dirigindo de cidade em cidade, falando com os locais e procurando estádios ou campos de pelada.

Em uma fotografia desfocada, de cores estouradas, aparentemente feita com um celular de péssima qualidade, essa busca de mais de cento e oitenta minutos cria um efeito hipnótico no espectador. É como se também quem está assistindo estivesse na viagem em busca de algo, mas que está aproveitando cada segundo dessa imersão em si mesmo e no cenário, em uma jornada íntima ao seu próprio eu. Então, cada animal encontrado, cada córrego ou fonte de água potável, cada personagem entrevistado, fica tão importante, que abarca o mundo todo. É uma visão da aldeia, mas que preenche o conteúdo do mundo inteiro e a alma de quem está procurando.

                                         Crédito de Imagens: New Matter Films/ 49ª Mostra Internacional de Cinema

O filme foi exibido no New York Film Festival, no Toronto International Film Festival, no Busan International Film Festival, e tem sua última exibição no Thessaloniki International Film Festival em 07 de novembro.



Ficha Técnica
Título original e ano: Dry Leaf. 2025 . Direção e Roteiro: Alexandre Koberidze. Elenco: David Koberidze, Otar NijaradzeFotografia: Alexandre Koberidze. Edição: Alexandre Koberidze. SomAlexandre Koberidze. Trilha Sonora Original: Giorgi KoberidzeProdução: Mariam Shatberashvili, Luise Hauschild, Alexandre KoberidzeProduzido por: New Matter Films, world sales e eretic. Duração: 3h06min

Não espere facilidades nessa procura do outro e de si mesmo. Essa condução hipnótica da narrativa é extremamente cansativa, ainda mais pelas técnicas inovadoras apresentadas. Muitos sairão do cinema, outros dormirão nas cadeiras, mas nesse instante percebe-se, a um olhar mais paciente e inquisidor, que a arte de fazer filmes está se alargando, que trilhas estão sendo abertas. Isso é um feito e tanto nesta arte do cinema, que tem mais de cem anos e já trilhou muitos outros caminhos.

No final, a viagem é o mais importante! Encontrar quem se está procurando, nem tanto. Viagem do personagem, do diretor, do espectador e do cinema. Essas jornadas cansativas são importantíssimas para a história do cinema, cada geração tem que ter seus diretores de vanguarda. Aleksandre Koberidze, também realizador de "What do We See When You Look at the Sky?" (2021), agora é um deles. O filme foi reconhecido com o prêmio da crítica e de "Menção Honrosa" do Festival de Locarno 2025. 

Nota: 7/10

Vinheta oficial | 49ª Mostra


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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

49ª Mostra divulga programação da repescagem

 
Sessões extras de filmes exibidos durante o evento ocorrem no Cine Satyros Bijou, CineSesc e no Cultura Artística entre 31 de outubro e 5 de novembro

 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo realiza sessões extras de 53 títulos exibidos no decorrer desta edição do evento. A programação da repescagem começa já nesta sexta-feira, 31 de outubro, e segue até a próxima quarta-feira, 5 de novembro, no CineSesc e no Cine Satyros Bijou — o Cultura Artística abriga exibições em dois dias, 31 de outubro e 1º de novembro.

 
Na seleção estão longas premiados em festivais internacionais como A Sombra do Meu Pai, de Akinola Davies Jr., que recebeu uma menção honrosa do júri da Caméra d’Or do Festival de Cannes, DJ Ahmet, de Georgi M. Unkovski, vencedor do prêmio do público e do grande prêmio do júri da seção World Cinema Dramatic do Festival de Sundance, e The President’s Cake, de Mamlaket Al-Qasab, ganhador do prêmio Caméra d’Or para melhor filme de diretor estreante no Festival de Cannes e do prêmio do público da Quinzena dos Cineastas, também em Cannes.

 
Os ingressos estarão disponíveis para compra na bilheteria dos cinemas no dia da sessão de cada filme. As credenciais seguem válidas para a repescagem, com trocas de ingressos diretamente pelo aplicativo da Mostra.

 
SERVIÇO
Ingressos
Segundas, terças, quartas e quintas: R$ 26 (inteira) | R$ 13 (meia).
Sextas, sábados e domingos: R$ 32 (inteira) | R$ 16 (meia). 
 
Cine Satyros Bijou: praça Franklin Roosevelt, 172, Consolação.
CineSesc: rua Augusta, 2075, Cerqueira César.
Cultura Artística: rua Nestor Pestana, 196, Consolação.

 
PROGRAMAÇÃO: REPESCAGEM DA 49ª MOSTRA
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CINE SATYROS BIJOU

 

Sexta-feira, 31 de outubro
16h: The Bewilderment of Chile, de Lucía Seles 
18h20: Tônica Dominante, de Lina Chamie 
20h: Sholay, de Ramesh Sippy 

 

Sábado, 1º de novembro
16h: Interior. Apartamento – Dia, de Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán 
17h50: Sermão para o Abismo, de Hilal Baydarov 
20h: Diversidade Primitiva, de Alexander Kluge 
21h40: Coração das Trevas, de Rogerio Nunes 

 

Domingo, 2 de novembro
16h: R. Roussil – A Liberdade da Imaginação, de Maxime-Claude L'Écuyer 
17h30: E Mais Alguém, de Vincent Tilanus 
19h15: Um Céu de Estrelas, de Tata Amaral 
21h30: Spirit World: Uma Jornada Espiritual, de Eric Khoo 

 

Segunda-feira, 3 de novembro
16h: Serendipidade à Beira-Mar, de Satoko Yokohama 
18h40: Morte e Vida Madalena, de Guto Parente 
20h20: Subsolo, de Fernando Franco 

 

Terça-feira, 4 de novembro
16h: Riverstone, de Lalith Rathnayake 
18h15: Feliz Aniversário, de Sarah Goher 
20h05: A Incrível Mulher das Neves, de Sébastien Betbeder 

 

Quarta-feira, 5 de novembro
16h: Maturidade, de Jean-Benoît Ugeux 
17h40: Rosemead, de Eric Lin 
19h35: O Segredo do Canto dos Pássaros, de Antoine Lanciaux 
21h10: Comandante Fritz, de Pavel Giroud 

 
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CINESESC

 

Sexta-feira, 31 de outubro
15h: Wolves, de Jonas Ulrich 
17h10: Garota de Ipanema, de Leon Hirszman 
19h10: Quatro Meninas, de Karen Suzane 
21h10: Militantropos, de Yelizaveta Smith, Alina Gorlova e Simon Mozgovyi 

 

Sábado, 1º de novembro
15h: Não Sei Viver Sem Palavras, de André Brandão 
16h50: A Natureza das Coisas Invisíveis, de Rafaela Camelo 
18h50: Depois dos Oitenta, de Zelimir Zilnik
21h20: 100 Sunset, de Kunsang Kyirong 

 

Domingo, 2 de novembro
15h: Yanuni, de Richard Ladkani 
17h20: A Sombra do Meu Pai, de Akinola Davies Jr. 
19h20: Virtuosas, de Cíntia Domit Bittar 
 
Segunda-feira, 3 de novembro
15h: A Luta, de José Alayón 
17h: The President's Cake, de Hasan Hadi 
19h15: Criadas, de Carol Rodrigues 
21h30: A Incrível Eleanor, de Scarlett Johansson 

 

Terça-feira, 4 de novembro
15h: À Paisana, de Carmen Emmi 
17h15: DJ Ahmet, de Georgi Unkovski 
19h30: Cadernos Negros, de Joel Zito Araújo 
21h15: Queerpanorama, de Jun Li 
 
Quarta-feira, 5 de novembro
15h: Rose of Nevada, de Mark Jenkin 
17h30: Jay Kelly, de Noah Baumbach 
20h15: Palestina 36, de Annemarie Jacir 

 
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CULTURA ARTÍSTICA

 

Sexta-feira, 31 de outubro
12h: Yunan, de Ameer Fakher Eldin 
14h30: Galinha, de György Pálfi 
16h40: Lurker, de Alex Russell 
18h50: Cover-Up, de Laura Poitras e Mark Obenhaus 
21h20: Queen Kelly, de Erich von Stroheim 
 
Sábado, 1º de novembro
12h: Nova '78, de Aaron Brookner, Rodrigo Areias 
13h50: Maspalomas, de Aitor Arregi, Jose Mari Goenaga 
16h10: Resurrection, de Bi Gan 
19h20: Nova Paisagem, de Yuiga Danzuka 
21h45: O Desaparecimento de Josef Mengele, de Kirill Serebrennikov 

 
PATROCINADORES DA 49ª MOSTRA
Neste ano, a Mostra conta com o patrocínio master da PETROBRAS, patrocínio do ITAÚ e da SPCINE, a parceria do SESC, a colaboração da ANCINE, da EMBRATUR, da NETFLIX e do INSTITUTO GUIMARÃES ROSA e BRITISH COUNCIL, o apoio do PROJETO PARADISO, a promoção da GLOBOFILMES, do CANAL BRASIL, da FOLHA DE S.PAULO, da TV CULTURA, da ARTE 1, da RÁDIO BAND NEWS e da REVISTA PIAUÍ, o apoio técnico da QUANTA, do CULTURA ARTÍSTICA e da CINEMATECA BRASILEIRA, o transporte oficial do METRÔ e da SECRETARIA DOS TRANSPORTES METROPOLITANOS do Governo do Estado de São Paulo. Realização: MINISTÉRIO DA CULTURA e GOVERNO FEDERAL, através da LEI FEDERAL DE INCENTIVO À CULTURA.

A Própria Carne, de Ian SBF | Assista na Rede Cinemark

 
O diretor, roteirista e produtor Ian SBF possui um extenso currículo no audiovisual, marcado pela direção de séries, curtas e minisséries. Um dos trabalhos mais reconhecidos do artista é o filme de 2015, Entre Abelhas, estrelado por um Fábio Porchat mais sério. Agora, Ian SBF conduz o terror “A Própria Carne”, longa-metragem que conta com Luiz Carlos Persy, Jorge Guerreiro, Pierre Baitelli, George Sauma e Jade Mascarenhas no elenco. A trama se passa durante o período da Guerra entre Brasil e Paraguai, quando três soldados desertam de seu bando, dizimado pela batalha, e, ao encontrarem uma casa isolada nas redondezas, se fazem passar por viajantes enquanto planejam uma forma de escapar e retornar para seu Estado.

Com um roteiro assinado por Deive Pazos, Alexandre Ottoni e o próprio SBF, o filme sustenta o suspense e o mistério em torno da estranha dupla que habita o local: um fazendeiro medonho, de voz imponente (Persy), e uma jovem garota (Mascarenhas). O trio de desertores, formado por Gustavo (Guerreiro), Gabriel (Baitelli) e Anselmo (Sauma), chega ao abrigo tomado pelo medo de ser capturado, afinal, abandonaram o campo de batalha de forma abrupta e feriram gravemente seus companheiros na fuga. Logo, este novo ambiente, que deveria representar refúgio, revela-se um território ainda mais assustador. Gabriel se aproxima da jovem tentando entender se estão seguros, enquanto Anselmo, ao conversar com o fazendeiro, percebe que algo terrível os cerca. Já Gustavo, o homem preto entre eles, é o primeiro a enfrentar (novamente) a luta pela própria sobrevivência, um destino que o persegue tanto dentro quanto fora da guerra.

Com produção da Nonsense Creations e da Neebla, o filme entrega algumas boas cenas de tensão, explorando um universo masculino de guerra e caos que, paradoxalmente, dá à única atriz em cena espaço para brilhar. A personagem de Jade Mascarenhas, em poucas aparições, consegue lembrar o espectador do que significa ser mulher em meio à guerra, vulnerável à violência, ao estupro e ao abuso. A presença do tom sobrenatural reforça a sensação de que ela já precisou entregar algo íntimo de si diversas vezes, talvez aquilo que o título sugere: a própria carne.

Trailer



Ficha Técnica
  • Título Original e Ano: A Própria Carne, 2024. Diretor: Ian SBF. Roteiro: Ian SBF, Alexandre Ottoni e Deive Pazos. Colaboração de roteiro: Leonel Caldela. Elenco: Luiz Carlos PersyJorge GuerreiroJade MascarenhasGeorge SaumaPierri Baitelli. Gênero: Terror. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Vinicius Brum. Direção de Arte: Martino Piccinini. Produção: Nonsense Creations, Neebla. Produção Executiva: Maria Monteiro e Glauco Urbim. Distribuição: Jovem Nerd, Cinemark. Duração: 1h30min. Classificação 18 anos.
Embasados por um pano de fundo histórico que bebe da fonte de diversos livros sobre a tenebrosa Guerra do Paraguai, os produtores, roteiristas e o diretor conseguem imprimir às cenas uma coerência visual e narrativa notável. Fotografia, cenários, figurino e as próprias atuações do elenco se destacam. No entanto, o ato final da película entrega mais experimentação do que um encerramento propriamente “redondo”. Como complemento, a produção e o circuito de pré-estreias do filme foram bancados pelos seguidores do grupo Jovem Nerd, que ganharam regalias para assistir ao longa em sessões exclusivas ao redor do país e brindes diversos. Nessas exibições, o público pôde encontrar os realizadores e sugerir alterações para uma possível versão final. A estratégia é um auxilio, uma forma direta de engajamento com os fãs, mas também levanta desconforto ao revelar que um filme que chega exclusivamente a uma Rede de Cinemas (Cinemark) foi direcionado a um grupo seleto, e não exatamente ao grande público brasileiro.

Durante a exibição em Brasília, inclusive, Deive Pazos e Ian SBF atenderam à imprensa local (que não recebeu brindes) e participaram de um Q&A após a sessão. Na ocasião, o diretor questionou aos fãs do JN e dos podcasts do grupo se o "áudio estava bom" para a voz do “dito vilão” e se o "desfecho do filme parecia consistente"A plateia respondeu com entusiasmo, elogiou o trabalho e fez inúmeras perguntas. Em uma delas, surgiu o questionamento sobre o motivo dos realizadores não buscarem recursos públicos de leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991) ou a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022). A resposta, que também circundou a questão de tempo de produção, foi reta e direta: “Não quero ter que explicar para o público do filme sobre isso”. Uma posição legítima, mas que também evidencia uma limitação de visão: o grupo parece preferir falar aos seus, evitando dialogar com o cinema de guerrilha, aquele que se sustenta por editais e patrocínios regulamentados, frequentemente alvo de desinformação e fake news que buscam deslegitimar o trabalho do Ministério da Cultura e de sua Secretaria do Audiovisual.

Crédito de Imagens: Nonsense Creations, Neebla,  Vinicius Brum - DivulgaçãoA produção contou com premiere à meia noite no Festival do Rio, evento que lembra bastante as "Midnight Sessions" dedicadas ao terror do Festival de Sundance
Certamente, regular o áudio de um personagem para que ele ganhe mais destaque, em função de sua vilania, é uma escolha criativa e perspicaz. No entanto, tais decisões estéticas podem gerar desequilíbrios na entrega do “produto” final. O dito fazendeiro, ao chegar ao desfecho, ganha uma virada de chama que pode levar o público a se questionar: será ele realmente o vilão ou o defensor do povo de sua terra?

Contudo, é difícil aceitar que alguém capaz de expor, de forma tão explícita, o racismo latente que o povo do sul carrega, possa ser considerado herói de qualquer coisa. Preconceitos não redimem personagens, apenas os revelam. Ademais, é incrível que o mesmo roteiro que provoca tal desconforto consiga, ainda assim, traçar com precisão a jornada de um homem preto em um período histórico em que sobreviver já era um ato de resistência.

A narrativa ainda mostra Gabriel e Anselmo como personagens fragmentados, perdidos em meio ao caos, deixando evidente que não possuem verdadeira força, nem mesmo são páreos para a intensidade e a loucura daquela jovem mulher já tão atormentada por tudo que viu ao lado do fazendeiro. Na certa, a figura mais enigmática e poderosa em cena.

HOJE NOS CINEMAS

Springsteen: Salve-me do Desconhecido | Assista nos Cinemas


Bruce Frederick Joseph Springsteen, detentor de uma carreira consolidada, iniciada em 1969, é um dos maiores nomes da música mundial. Com cento e vinte milhões de discos vendidos, vinte prêmios Grammy, quatro American Music Awards e um Oscar, sua trajetória é marcada por sucesso e reconhecimento. Seu álbum mais famoso, “Born To Run”, integra o Rock and Roll Hall of Fame e é celebrado por suas canções que abordam o patriotismo e defendem a classe trabalhadora, temas que se tornaram marcas registradas do artista.

O músico tem material suficiente para uma extensa cinebiografia sobre sua carreira. Entretanto, o público que for assistir o longa que chega aos cinemas nesta quinta-feira (30/10), esperando por uma narrativa convencional, sairá decepcionado.

Um dos melhores filmes da temporada aborda um recorte pouco conhecido da vida do cantor, compositor, violonista e guitarrista. Segundo o próprio artista “o filme não é sobre o ícone, mas sobre o homem e seus dilemas”. Prepare-se para presenciar uma fatia agridoce de sua vida, seu lado mais humano, frágil e deprimido. Aqueles mais sensíveis a tais temas poderão se sentir tocados e incomodados, pois a narrativa é forte.

Nascido em Long Branch, Nova Jersey, o pequeno Bruce passou a infância e juventude em Freehold Borough. Seu pai, Douglas (Stephen Graham), um trabalhador assalariado de origem holandesa e irlandesa, não era, por assim dizer, um exemplo de pai presente e amoroso. Já a mãe, Adele (Gaby Hoffman) vivia uma relação conturbada e abusiva. Neste cenário, seria estranho se Bruce não tivesse questões psicológicas e a película foca nesta relação disfuncional entre pai e filho e em como isto se refletiu na personalidade e nas canções do artista.

A fotografia, inteligentemente, alterna o colorido e a ausência de cores nas lembranças sofridas de uma alma marcada pela depressão. Em uma época em que admitir a necessidade de ajuda profissional era visto como uma demonstração de fraqueza, Bruce tentou com todas suas forças dar conta da dualidade fama/depressão. Enquanto sua carreira deslanchava e o sucesso batia à porta, o compositor lutava internamente com o fato de aceitar-se merecedor de tudo aquilo.

Crédito de Imagens: © 2025 20th Century Studios. All Rights Reserved.
Scott Cooper dirigiu o excelente e super no tom "Coração Louco", em 2009, estrelado por Jeff Bridges e Colin Farrell e que chegou a ser indicado a várias categorias no Oscar.


No final dos anos 60, Bruce fazia shows em bares locais e ganhou o apelido de “The Boss”, apelido este que o acompanhou pela vida toda. Já nos anos 70, Jon Landau (Jeremy Strong) tornou-se seu empresário, produtor e amigo pessoal, justamente quando o artista compunha as músicas do álbum “Born To Run”, um dos períodos mais conturbados de sua carreira.

Libertando seus demônios internos, Bruce se fecha em casa e começa a compor as músicas que dariam origem ao álbum "Nebraska", gravado em formato acústico com um simples e antiquado gravador. O resultado é uma obra rústica e melancólica.


Trailer



Ficha Técnica
Título Original e Ano: Deliver Me from Nowhere, 2025. Direção: Scott Cooper. Roteiro:  - adaptação da obra Deliver Me from Nowhere", de Warren Zanes. Elenco: Jeremy Allen WhIte, Jeremy Strong, Paul Walter Hauser, Stephen Graham, Odessa Young, Gaby Hoffmann, Harrison Sloan Gilbertson, Grace Gummer, Marc Maron, Matthew Anthony Pellican. Gênero: Biografia, Drama, Música. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Jeremiah Fraites. Fotografia: Masanobu Takayanagi. Edição: Pamela Martin. Design de Produção: Stefania Cella. Figurino: Kasia Walicka Maimone e Brittany Loar. Direção de Arte: Christopher J. Morris. Empresas Produtoras: Bluegrass Films, Gotham Group. Distribuidora: 20th Century Studios Brasil. Duração: 01h59min.

O longa-metragem apresenta o processo criativo de uma das fases mais intensas do compositor e o apoio de Jon Landau ao exigente artista, que enfrentava o produtor Chuck Plotkin (Marc Maron) e Al Teller (David Krumholtz), executivo da Columbia Records que exigia canções de maior apelo comercial.

Inspirado no livro "Deliver Me from Nowhere", de Warren Zanes, o drama dirigido por Scott Cooper apresenta a crise existencial do artista, e não uma cinebiografia musical convencional. Isso não significa que os números musicais não sejam o ponto forte da narrativa. A intensidade das letras e das apresentações de Springsteen é sentida em toda a projeção.

Jeremy Allen White foi escolhido pelo próprio Bruce para o papel e, após o astro da série "O Urso" (Christopher Storer,2022-atual) hesitar em aceitar, entregou-se de corpo e alma ao trabalho. Aprendeu a tocar guitarra e gaita, além de cantar e gravou as músicas ao vivo durante as filmagens. Não há uma representação das namoradas/mulheres da vida real de Springsteen, logo, a atriz Odessa Young interpreta "Faye Romano", uma mera ilustração de parceiras que passaram pela vida do rockstar.

Prepare-se para se emocionar já nos primeiros instantes do filme. Jeremy está perfeito. Certamente, os fãs irão captar o espírito da obra e compreender seu propósito. The Boss continua surpreendendo!

HOJE NOS CINEMAS