“Agora, vamos assistir a algo de adulto?”
Os curtas e longas-metragens produzidos pela Filmes de Plástico chamam a atenção pela extrema simpatia com que acolhem os seus protagonistas, mesmo quando estes estão envolvidos em atividades criminais. Isso advém do fato de os roteiros assimilarem caracteres autobiográficos e/ou aspectos laudatórios das periferias dos municípios mineiros de onde os diretores provêm. É o que percebemos, mais uma vez, nos créditos finais de “O Último Episódio” (2025, de Maurílio Martins): um agradecimento especial aos fotógrafos e videografistas que eternizaram imagens daquela região (bairro Jardim Laguna, em Contagem) e das interações entre vizinhos, que servem como pano de fundo para os dilemas emocionais do protagonista Erik (interpretado pelo simpático Matheus Sampaio).
Órfão de pai e um tanto sentido por conviver pouco com a sua mãe (Camila Morena), já que ela trabalha bastante, por ser remarcadora de preços numa rede de supermercados – e, por conta da inflação freqüente, precisa fazer muitas horas extras –, Erik consola-se ouvindo as fitas antigas de ‘rock’ de seu pai, e desenvolve grande afeição por bandas como Guns N’Roses e R.E.M., além de ser obcecado pela série animada “Caverna do Dragão”. Confirmando uma dentre várias coincidências, ele apaixona-se por uma aluna recém-chegada à escola onde estuda, chamada Sheila (Lara Silva), que, como ele, também possui um nome associado a personagens do desenho. Sobremaneira tímido, Erik tenta aproximar-se dela convidando-a para assistir a uma fita VHS com a gravação do episódio derradeiro da referida telessérie, que nunca chegou a ser lançado, mas um conjunto de situações tornará este simples intento – baseado num mentira –, um tanto dificultoso, atrasando o seu desejo de dar o primeiro beijo, ensaiado diversas vezes no espelho de seu quarto.
Ao lado de seus melhores amigos Cassinho (Daniel Victor) e Cristiane (Tatiana Costa), que todos conhecem como Cristão, Erik se esforça para gravar uma versão improvisada do episódio faltante, mas variegadas atribulações ocorrerão, fazendo com que o espectador, junto ao protagonista, preste atenção a detalhes fascinantes do cotidiano, ao invés de apenas ser conduzido pelo mote narrativo induzido pelo título do filme, que, convenhamos, revela um problema elementar da obra, que é adesão nostálgica e não problematizadora a aspectos da colonização cultural norte-americana. Não por acaso, um dos adultos ao qual Erik e seus amigos mais se afeiçoam é o professor de inglês Juarez, interpretado pelo também cineasta Gabriel Martins (Marte Um, 2022).
Crédito de Imagens: Filmes de Plástico - Divulgação
A produção estreou em 09 de outubro nas cidades de Afogados de Ingazeira, Belo Horizonte, Contagem, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Guaxupé, João Pessoa, Leme, Poços de Caldas, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória e esta semana chega aos cinemas cariocas.
Apesar dos propósitos afetivos do enredo, o filme incorre numa visão deslumbrada da época retratada – o ano de 1991 –, associando-se, enquanto perspectiva, aos anseios pessoais de Erik, que, por ser um adolescente, age de maneira caprichosa na maior parte do tempo, até optar por decisões tão solidárias quanto inusitadas, depois que descobre, numa conversa mui emocionada com a sua mãe, as condições do falecimento de seu pai, acometido por uma grave depressão. É neste sentido que, no afã por erigir um clímax musical, embasado na canção “Doce Mel” – composta por Cláudio Rabello e Renato Corrêa, e popularizada na abertura do programa infantil “Xou da Xuxa” –, favorita de Cristão, o diretor escancara as fragilidades de seu roteiro, visto que, no momento em pauta, a diretora do colégio (Babi Amaral) não queria deixar Erik e seus amigos se apresentarem numa gincana, pois não havia como encaixar mais nenhum aluno, visto que o tempo era exíguo. Um estudante que estava se preparando para recitar uma poesia declina de sua apresentação, em favor de Erik, e, de imediato, a diretora anuncia que a banda dos adolescentes apresentar-se-ia dali a quinze minutos. Essa é apenas uma das inconsistências internas verificadas neste roteiro, co-escrito pelo diretor e pelo produtor Thiago Macêdo Correia.
Outra situação que se demonstra vexatória, na maneira como é convertida em pretensa reviravolta enredística, é o instante em que a câmera de Erik é roubada por dois motoqueiros e, após a intervenção do pai de Cassinho, eles descobrem que o objeto está prestes a ser revendido por alguns bandidos de “quebrada”. O trio de amigos vai a este local perigoso, à noite, e, graças a um estratagema ludibrioso de Cristão, conseguem recuperar a câmera, de uma maneira não apenas pouco verossímil como desinteressante em termos de apelo emocional, sendo quase irrelevante para os personagens o risco que eles correram. O mesmo pode ser dito sobre a seqüência em que os adolescentes ingerem uma dose considerável da bebida alcoólica eventualmente ingerida pela mãe de Erik, em sua casa: eles sequer são mostrados bêbados, como se aquela decisão perigosa fosse irrelevante…
Ainda que os atores adolescentes sejam bastante competentes – reservamos um elogio à evangélica Cassiane (Lois Martins), irmã de Cassinho – e que as participações especiais sejam ótimas (o extraordinário diretor André Novais Oliveira, num papel pequeno, bem como o multifacetado Léo Pyrata), o roteiro pouco inspirado deste filme – muito dependente das emulações saudosistas de cunho geracional – atrapalha a conexão com o personagem principal, já que as suas motivações nem sempre são bem justificadas: além de não engatar, o romance com Sheila é logo ignorado e a frustração do primeiro beijo, que não acontece, é superada de maneira absolutamente trivial. Para piorar, as dificuldades de classe, reiteradas pela supracitada informação da inflação galopante no Brasil daquele período, então governado pelo corrupto Fernando Collor de Mello, são incondizentes com os diversos benefícios materiais gozados por Erik, que possui bicicleta, ‘walkman’, violão, várias camisetas com seus personagens animados favoritos e uma câmera cinematográfica, herdada de seu pai. Há um descompasso entre aquilo que sua mãe reclama e o que é efetivamente mostrado.
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: O Último Episódio, 2025. Direção: Maurilio Martins. Roteiro: Maurilio Martins e Thiago Macêdo Correia. Elenco: Matheus Sampaio, Daniel Victor, Tatiana Costa, Camila Morena, Rejane Faria, Maria Leite, Gabriel Martins, André Novais Oliveira, Babí Amaral, Daniel Jaber , Leonardo De Jesus, Robert Frank, Eid Ribeiro, Lara Silva, Lois Martins, Leo Pyrata, Matheus Ferreira. Gênero: Aventura, drama. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Leonardo Feliciano. Montagem: Gabriel Martins, Marco Antônio Pereira e Yasmin Guimarães. Direção de Arte: Mariana Souto. Figurino: Caroleta Maurício. Caracterização: Marina Sandin. Música: John Ulhoa e Richard Neves. Animações: Wesley Rodrigues. Créditos Iniciais: Froiid. Som Direto: Gustavo Fioravante. Desenho de Som e Mixagem: Tiago Bello. Efeitos Visuais: Zenner Henriques. Direção de Produção: Luna Gomides. Produtora: Filmes de Plástico. Coprodução: Canal Brasil, Cine Film. Estúdio de Finalização: Quanta. Produção: Maurilio Martins, Thiago Macêdo Correia, André Novais Oliveira e Gabriel Martins. Produção Executiva: Thiago Macêdo Correia. Distribuição: Malute Filmes e Embaúba Filmes. Duração: 112 min. Classificação indicativa: 12 anos
Por fim, ainda que seja demonstrativa dos cacoetes estilísticos daquele início de década de 1990, a trilha musical de John Ulhoa e Richard Neves soa um tanto enjoativa, exceto para quem sente saudades do período retratado, não sendo a nostalgia um elemento suficiente para garantir a adesão espectatorial. É graciosa a reinterpretação de Fernanda Takai para “Qualquer Jeito”, canção romântica que ficou famosa na interpretação emocionada da cantora Kátia, e há algo de valoroso no elogio à amizade que coroa a cena final, quando Erik e sua mãe precisam deixar a casa onde estão as lembranças do pai falecido e mudar para o final da mesma rua onde residem. Porém, até mesmo o caráter de despedida induzido nesta seqüência é forçado, como também ocorre na descrição das intransigências da diretora do colégio, no alcoolismo do pai de Cassinho e nas restrições religiosas levadas a cabo por sua mãe. É um filme repleto de boas intenções individuais, mas que requer um compartilhamento equânime de memórias felizes de adolescência, a fim de que possa funcionar coletivamente. Definitivamente, não foi o nosso caso!
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS
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