sexta-feira, 31 de março de 2023

Noites Alienígenas, de Sergio de Carvalho | Assista nos Cinemas


             
  “Você quer ser o quê? Pai de nóia?”
 
Nas primeiras imagens de “Noites Alienígenas” (2022, de Sérgio de Carvalho), os detalhes móveis das escamas de uma enorme cobra enchem a tela. Logo saberemos que isso corresponde a um delírio do jovem Paulo (Adanilo), viciado em ‘crack’, que vive numa progressiva dependência em relação à droga, não hesitando em roubar os objetos da própria mãe, a fim de tentar obter mais substâncias alucinógenas. Um detalhe interessante é que Paulo é um rapaz indígena que teria fácil acesso aos rituais místicos de seu povo, mas sua mãe Marta (Chica Arara) converte-se a uma igreja pentecostal e, como tal, reprime o acesso à comunhão com a natureza. Estamos em Rio Branco, capital do Acre, e esse é apenas um dos vários núcleos interligados no ótimo roteiro desse filme.

Adaptado livremente do romance homônimo escrito pelo próprio diretor, a estrutura narrativa dessa produção é a de filme-painel, em que vários enredos paralelos se entrecruzam. A figura central, que intersecciona os diversos personagens, é um jovem de dezessete anos, chamado Rivelino (Gabriel Knoxx), filho de Beatriz (Joana Gatis), namorado de Sandra (Gleici Damasceno) e apegado a um traficante hiponga, Alê (Chico Diaz), que ele considera muito indulgente em relação aos compradores inadimplentes. Poderosamente vivificado por um intérprete estreante – o prêmio que o ator recebeu no Festival de Gramado foi merecidíssimo! –, Rivelino gosta de compor ‘raps’ e participa da movimentação cultural da cidade, como grafiteiro, mas sucumbe gradualmente à violência relacionada ao tráfico de entorpecentes. Segundo um letreiro no desfecho do filme, os indicativos de mortalidade entre as jovens cresceu quase duzentos por cento na região metropolitana acreana, após a instalação de traficantes provenientes do Sudeste… 

A ótima montagem do filme, a cargo de André Sampaio, concede suficiente participação aos mais diversificados personagens, de modo que alguns deles conseguem transmitir suas reivindicações identitárias através de uma expressividade actancial que não depende apenas dos diálogos: a presença física dos atores faz com que cada componente fisionômico seja eloqüentemente aproveitado, conforme ocorre com Kika (Kika Sena), a colega transexual no restaurante em que Sandra trabalha. Pouco a pouco, descobrimos que esta última também foi envolvida romanticamente com Paulo, o que complexifica ainda mais as relações entre os personagens. Quando está em cena, Paulo implora por dinheiro, a fim de conseguir inebriar-se, mas, por motivos óbvios, tornar-se-á alvo de traficantes rivais de Alê, longe de serem tão benevolentes quanto ele. A estatística de homicídios que antecede os créditos finais não aparece por acaso!

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Noites Alienígenas, 2022. Direção: Sérgio de Carvalho. Roteiristas: Camilo Cavalcante, Rodolfo Minari e Sérgio de Carvalho. Elenco: Gabriel Knoxx, Adanilo, Gleici Damasceno, Chico Diaz, Joana Gatis, Chica Arara, Bimi Huni Kuin, Duace. Gênero: . Nacionalidade: Brasil.  Som Direto: Pedro Sá Earp. Diretor de Fotografia e Câmera: Pedro von Krüger, ABC. Montador: André Sampaio. Diretor de Arte: Alonso Pafyeze. Figurinistas: Mariana Braga, Maria Esther de Albuquerque. Produção: Saci Filmes. Coprodução: Com Domínio Filmes. Produtores: Karla Martins, Pedro von Krüger e Sérgio de Carvalho. Produtora Executiva: Karla Martins. Diretor de Produção: Clemilson Farias. Produção: Saci Filmes. Coprodução: Com Domínio Filmes. Distribuição: Vitrine Filmes. Duração: 01h31min.
Funcionando como uma espécie de pai adotivo para Rivelino, Alê insiste para que ele aperfeiçoe as suas capacidades artísticas, seja na composição de canções de ‘rap’, seja nas pinturas em que discos voadores aparecem como elementos recorrentes. Rivelino parece envergonhado das libações de sua mãe, ainda jovem, e irrita-se por causa dos inconvenientes trazidos à tona pelas aparições de Paulo. Idealista – num flagrante contraste com as suas atividades enquanto comerciante ilegal de substâncias –, Alê evoca os versos misteriosos da canção “Cachorro-Urubu”, composta por Raul Seixas e Paulo Coelho: “É hora de acordar/ Pra ver o galo cantar/ Pro mundo inteiro escutar”. A realidade é mais inclemente: ele será confrontado, da pior maneira, com “o crime por trás do progresso”. Entorpecida, Beatriz dança com ele, ao som de “Porto Solidão”, de Jessé. Ambos são arremessados contra o cais quase onipresente das más notícias… 

A extraordinária direção de fotografia do também produtor Pedro von Krüger combina o esvaziamento soturno das paisagens urbanas com a restauração xamânica da harmonia florestal. O desnudamento desesperado de Paulo, numa aflição que lhe permite reencontrar as suas tradições originárias, surge como uma abdução não permitida aos demais personagens, engolidos pelas trevas balísticas das noites regidas pelo crime. As interpretações do elenco são amplamente merecedoras de elogios, numa concatenação de anseios sobrevivenciais que evoca os melhores trabalhos de John Sayles. O título enigmático faz jus à maestria do filme, portanto.

Créditos: Divulgação
O filme vencedor de inúmeros prêmios no Festival de Gramado ano passado contou com estréia antecipada no Acre e chega esta semana aos cinemas de todo o país. 

Um traço comum aos jovens personagens é a urgência por pertencimento ao lugar em que habitam: por causa da supressão periférica de possibilidades, eles pensam em evadir-se de Rio Branco, em busca de condições sustentaculares que lhes assegurem as manifestações artísticas que os caracterizam. Resistir é importante, mas é algo que também extenua quem precisa dedicar várias horas do dia à sobrevivência no interior da luta de classes e das competições atávicas do Capitalismo. Rivelino será bem-sucedido ao buscar refúgio numa “família” violenta de traficantes? Carente, Beatriz implora a Alê, depois de lhe pedir dinheiro e de dizer que não quer que ele continue amigo de seu filho: “eu preciso de um baseado”!

Ao final, “Noites Alienígenas” confirma o estranhamento prometido em seus jargões publicitários, justamente por abordar algo tão corriqueiro nos espaços urbanos contemporâneos. Em seu enfrentamento frontal a um subcolonialismo mortífero, representado pela naturalização das intoxicações, o filme demonstra-se tão poderoso quanto a metáfora ofídica que aparece inúmeras vezes ao longo da projeção. Enquanto propositor dialético, ele oferece-nos a peçonha intrínseca como força-motriz de autorreconhecimento comunitário. Ao enfrentar a facção rival, Alê diz que viu todos aqueles rapazes crescerem. Num momento de intimidade com Kika, Sandra estranha os rumos distintos que ela e os seus amigos de infância tomaram. Em sua singularidade, a película diz muito sobre um Brasil abafado pelos recentes estupros da extrema-direita, que esteve no poder quando o longa foi realizado. Que possamos, agora, comungar com a nossa tribo nacional: o cinema feito no Acre demonstra-se, através deste longa-metragem pioneiro, sumamente relevante!

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS!

quinta-feira, 30 de março de 2023

O Urso do Pó Branco, de Elizabeth Banks | Assista nos Cinemas

 
Este texto pode conter spoilers

Em 1985, algo extremamente inusitado ocorreu em uma floresta dos Estados Unidos, especificamente, na Georgia. O ex-policial e traficante de drogas Andrew Thornton foi encontrado morto após saltar de um avião carregando quilos e mais quilos de cocaína. A perícia afirmou que o paraquedas não aguentou o peso. Não só isto, mas a investigação sobre o caso levou a policia a entender que mais pacotes da droga deveriam estar por perto e depois de meses atrás do rastro do alucinógeno, foram encontradas 40 unidades abertas na mata próxima ao local e, para surpresa de todos, um urso de pelugem preta já desfalecido também e por overdose. O mesmo havia ingerido cocaína e, de algum modo, cerca de três a quatro gramas adentraram o sistema sanguíneo do animal (leia matéria do NY Times sobre a história aqui). Esta anetoda excêntrica, que também tem inspiração nos dados levantados pelo livro ''The Bluegrass Conspiracy: An Inside Story of Power, Greed, Drugs & Murder, de Sally Denton, inspirou o filme ''Cocaine Bear'', com direção de Elizabeth Banks. No tio Sam, a produção que conta com Keri Russel, O'shea Jackson Jr., Ray Liotta, Alden Ehrenreich, Jesse Tyler Ferguson, Isiah Whitlock Jr., Margo Martindale, Brooklynn Prince, Christian Convery, Ayoola Smart, Scott Seiss e muitos outros, ganhou estreia em fevereiro e só agora chega ao Brasil com o titulo de ''O Urso do Pó Branco''. 

Ao que se tem notícia, o urso real não matou ninguém, todavia, a ficção propõem o contrário. Assim, muitas mortes hilárias passam em sequência pelos olhos de quem assiste. Não há o que temer e o longa acaba não ganhando um aspecto de terror, mas sim comédia e aventura. Ademais, a trilha sonora, o design da produção e toda a sua ambientação usa e abusa do fato do ocorrido ter se dado nos anos 80 e a trama tem grande verossimilhança com os filmes que se assistia na sessão da tarde há trinta anos atrás. Com roteiro assinado por Jimmy Warden (The Babysitter: Killer Queen), o texto mistura histórias de pessoas diversas que entram em contato com ''o animal drogado''. Desde casais fazendo trilha pela floresta, a crianças matando aula ou grupos de jovens que assaltam desavisados pelas redondezas. Policiais, traficantes e pais preocupados também dão as caras.

Caso um dia você visite a cidade de Lexinton, Kentucky, não deixe de procurar pelo urso real e empalhado que está exposto por lá. No filme, o bicho é, na verdade, uma fêmea e os filhotes aparecem totalmente cocaínados. A distribuição brasileira é da Universal Pictures Brasil. 

Trailer

Ficha Técnica
  • Título original e ano: Cocaine Bear, 2023. Direção: Elizabeth Banks. Roteiro: Jimmy Warden. Elenco: Keri Russell, O'shea Jackson Jr., Ray Liotta, Alden Ehrenreich, Jesse Tyler Ferguson, Isiah Whitlock Jr., Margo Martindale, Brooklynn Prince, Christian Convery, Ayoola Smart, Scott Seiss, Kristofer Hivju, Matthew Rhys, Hannah Hoekstra. Gênero: Comédia, Suspense. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Mark Mothersbaugh. Fotografia: John Guleserian. Edição: Joel Negron.  Supervisor de Direção de Arte: Conor Dennison. Figurino: Tiziana Corvisieri. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 01h38min.

Explicativo, o filme se inicia com a cena que remonta a queda de Andrew Thornton (Matthew Rhys) para a morte e o inicio da investigação policial, porém na dramatização esta vem como um acidente e não como no original. Pelas montanhas, um casal chamado Olaf (Kristofer Hivju) e Elsa (Hannah Hoekstra) se refresca, conversa sobre o reino animal e percorre a mata. Por alguns instantes avistam mais abaixo e assistem um urso se debater em uma árvore. Olaf acha estranho e começa a orientar a companheira, mas já é tarde demais. O urso já os está perseguindo e ele pouco a pouco vê Elsa sendo puxada para longe. Dali em diante, vamos conhecendo cada um dos personagens que veremos pelo filme tentando fugir do urso. A pequena Dee Dee (Brooklynn Price) e sua mãe Sari (Keri Russell discutem sobre uma passeio a Nashville ou a cachoeira para pintar, Daveed (O'Shea Jackson Jr.), Syd (Ray Liotta) e Eddie (Elden Ehrenreich) aparecem falando de ''negócios'', a policial florestal Liz (Margo Martindale) é vista fumando e esconde o ato do amigo e caipira Peter (Jesse Tyler Ferguson), enquanto Bob (Isiah Whitlock Jr.) decide ir averiguar de perto as redondezas e tentar por a mão em traficantes que tem relação ao incidente com o paraquedista morto. E as aventuras sangrentas na floresta tem start com a ida de Henry (Christian Convery) e Dee Dee a cachoeira, após decidirem faltar a aula. Claro, Sari descobre que a menina desapareceu e vai em busca dela pelas montanhas. Não demora muito e as crianças dão de cara com a ursa cheia de pó. Keri, que solicita ajuda de Peter e Liz também. O mais hilário é que os donos e gestores da droga perdida também vem a cidade para resgatá-la, mas a história toda vira uma maluquice só e não exatamente se consegue por as mãos nos objetos de desejo. 

                           Créditos: Universal Pictures 
Não saia da sala sem assistir as cenas pós créditos.

Apesar da produção idealizar que um animal sob o efeito de um alucinógeno vire ainda mais agressivo e letal ela não quer dizer que é pro-drogas. Aliás, é antes mesmo dos acontecimentos todos se darem que ela joga luz a propagandas anti-drogas e combate qualquer crítica que venha dizer o contrário por sua boa intenção em apenas ser uma dramatização com claro exagero cinematográfico. Os personagens com seus exageros e estereótipos combinam muito com a história e ainda que o filme traga crianças nesse contexto tão surreal as deixa livre de qualquer julgamento bobo e as posiciona falando de algo que sequer sabem o que é, mas que por vontade de ''serem as super espertas e modernas'', dizem que conhecem ou que já experimentaram com a supervisão de um adulto''. 

Elizabeth Banks, atriz, produtora e diretora, dirige seu quarto longa e se mostra cada vez mais sagaz e dinâmica, ainda que tenha trabalhado novamente em solo conhecido, que é o gênero da comédia. Aqui consegue sublinarmente nos fazer pensar em como o homem é prejudicial a natureza e pode provocar os maiores desastres sem tomar culpabilidade por suas ações. Traz atores muito entregues a proposta e os deixa livre para explorarem os exageros das caricaturas que interpretam e tudo sai melhor do que se podia imaginar. Alden Ehrenreich, que interpreta Eddie, tem um destaque fabuloso ao aparecer como um viúvo apaixonado e filho do dono da cocaína, Keri Russell e os atores mirins Brooklynn Price e Christian Convery também acrescentam muito a aventura e comicidade das situações sem realmente serem comediantes.

A tosquice politicamente-incorreta que ''O Urso do Pó Branco'' atinge é validada por sua surrealidade ainda que baseada em fatos. É o puro suco da comédia e não chega a ser um besteirol, mas sim um filme divertidaço e que merece ser visto, respeitando sua classificação: 18 anos. 

HOJE NOS CINEMAS

A Primeira Comunhão, de Víctor García | Assista nos Cinemas


“No amor e na guerra é uma coisa; na balada e na diversão é outra”!

Uma das características que tornam o gênero terror político por excelência está na maneira como estes enredos apresentam os personagens em situações limítrofes, em que a experiência do medo faz com que eles repensem as relações que desenvolvem com outras pessoas. Infelizmente, o oportunismo comercial atrelado a esse mesmo gênero faz com que, anualmente, dezenas de filmes arregimentados por sustos e clichês sejam exibidos de maneira espalhafatosa nas salas de cinema. O diretor espanhol Víctor Garcia é acostumado a esta segunda categoria, tendo realizado fracas continuações de algumas cinesséries. Como tal, recai em vícios sobremaneira preguiçosos nesta sua mais recente produção...

Situado em meados da década de 1980, numa cidade interiorana e pouco povoada, “A Primeira Comunhão” (2022) apresenta-nos à família de Sara (Carla Campra), uma jovem recém-chegada a um local demarcado pelas tradições religiosas e, por conseguinte, pelas maldições atreladas a elas. Seus pais mudaram-se para esta cidade pois precisavam de trabalho, e encontram emprego apenas no matadouro gerenciado por sua arrogante tia Teresa (Mercé Llorens). Este seria um ótimo ponto de partida para uma abordagem política do terror, caso o diretor desenvolvesse com seriedade o contexto social de seu argumento…

Ao invés disso, ele prefere investir nos sustos programados e automatizados: na primeira seqüência, a irmã pequena de Sara, Judit (Olimpia Roch), participa da cerimônia católica de primeira comunhão, mas constatamos que ela está chateada, pois seus pais não puderam lhe presentear com uma boneca, como é costume na região. Ao invés disso, ela recebe um terço, e apressa-se em jogá-lo numa lata de lixo, até ser flagrada por sua irmã mais velha, que a repreende. Percebemos que a relação entre elas é atravessada por muitas mentiras e chantagens emocionais!

Trailer

Ficha Técnica

Titulo original e ano: La Niña de La Comunión, 2022. Direção: Victor Garcia. Roteiro: Guillem Cua, Victor Garcia e Alberto Marini. Elenco: carla Campra, Aina Quiçnones, Marc Soler, Carlos Oviedo, Olimpia Roch, Maria Molins, Xavi Lite, Anna Alarcón, Victor Solé, Sara Roch, Daniel Rived, Jacob Torres, Manel Barceló, Mercé Llorens, ClaudiaRiera, Mariona Lucas, Andrea Carrión, María Fontcuberta. Gênero: Terror. Nacionaldiade: Espanha. Trilha Sonora Original: Marc Timón. Fotografia: José Luis Bernal. Edição: Clara Martínez Malagelada. Direção de Arte: Clara Álvarez. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 0138mmin.

Depois de assegurar aos seus pais que chegaria em casa num determinado momento da madrugada, Sara encontra a sua amiga Rebeca (Aina Quiñones), considerada pária por seus vizinhos, por causa de seu visual ‘punk’. Ambas conseguem uma carona, a fim de dançarem numa boate afastada, mas, ao ingerirem meio comprimido de ‘ecstasy’, cada uma, passam a delirar e a serem perseguidas por paranóias. É quando uma menina fantasmagórica aparece, requerendo uma boneca que ficou abandonada numa floresta.

De maneira pouco inspirada, Sara, Rebeca e mais dois rapazes que as acompanham passam a ser perseguidos por visões violentas desta menina, que já aparecera no prólogo do filme, ocasionando o suicídio de uma moça. A partir daí, o enredo começa a explicar (de maneira precária) quem é essa garotinha e preparar o terreno para alucinações e assassinatos mal elaborados em suas conseqüências. Afinal, mesmo habitando numa cidade pequena, em que todos se conhecem, os moradores não ficam alarmados quando um padre aparece decapitado, quando um jovem traficante de drogas é empalado num carro ou quando um bêbado é esfaqueado por sua filha. E pior: a maldição que atormenta aquele lugar, por mais de cinco anos, só começa a repercutir efetivamente depois que Sara começa a pesquisar sobre ela!

                                                                                                                               Créditos: Divulgação
O filme estreou na Espanha em Fevereiro deste ano

Depois que o delinqüente Chivo (Carlos Oviedo) é morto, o gracioso Pedro (Marc Soler) une-se às duas jovens, para descobrir o porquê de a garotinha fantasmagórica estar perseguindo-as, através de pesadelos induzidos, em que elas se imaginam presas no fundo de um poço cheio d’água. Tudo leva a crer que isso tem a ver com o desparecimento da filha de Remédios (Anna Alarcón), uma mulher que vive afastada e é considerada louca pelos habitantes da cidadela. Como os demais personagens, ela é interpretada de maneia caricata e exagerada. Nada parece funcionar neste filme, cujo roteiro parece escrito de maneira randômica, visto que os eventos não se concatenam entre si, exceto quando visam aos chavões de suspense, parcamente orquestrados.

A despeito de suas falhas abundantes e da ausência de novidades em seu desenvolvimento, “A Primeira Comunhão” talvez encontre um público cativo, em razão de ele manipular, de maneira perniciosa, as associações imediatistas entre religiosidade e sobrenaturalidade, não obstante a obsessão pelos pormenores do fato traumático que engendrou aquela maldição desperdiçar até mesmo este aspecto. A conclusão absurda do filme – em sua acepção literal, a de não fazer nenhum sentido – encerra de maneira tétrica um filme que poderia tecer interessantes elucubrações secundárias sobre a hostilidade de alguns ambientes ermos e sobre a crise econômica na Espanha, mas que desencadeia pouco mais que ruídos dissonantes, com vistas à perturbação somática dos espectadores. É difícil defender algo aqui, mas, como toda e qualquer obra, este filme merece ser visto. Nem que seja enquanto diagnóstico renitente da decadência contemporânea de um tipo de produção, lançada aos borbotões, que se beneficia da própria indução tramática ao esquecimento. Urgh!

Hoje Nos Cinemas

sexta-feira, 24 de março de 2023

Chuva Negra | Assista no Canal Brasil


O canal de TV fechada "Canal Brasil" é um sólido parceiro do cinema nacional há anos e anos. Com produções originais e programas diversos que enaltecem o teatro, a música e o cinema no país, eles agora lançam a série “Chuva Negra”, título que remete a um fenômeno meteorológico conhecido na cidade onde se passa a trama e servirá como prenúncio dos acontecimentos marcantes na história.

A produção contará com dez episódios em sua primeira temporada e é baseada em uma ideia original de Rafael Primot, diretor e roteirista. Otávio Pacheco também está na direção e Franz Kepple, Carol Rainatto e Flávia Fontes colaboram no roteiroDurante o pressday de lançamento da série, o diretor revelou que desde que assistiu ao filme “O Oitavo Dia”, que tem um personagem com Síndrome de Down, escreveu um roteiro de um curta que não foi produzido por falta de financiamento. Agora, em parceria com o Canal Brasil, a ideia antiga foi tirada da gaveta e, enfim, veio a oportunidade de escrever a série e viabilizá-la sob a produção de Daniel Gaggini, que destacou o fato da série ser resultado de políticas de incentivo à Cultura. Segundo ele, "essas políticas são de vital importância, pois permitem ao pequeno e médio produtor independente realizar sua obra e contar sua história."

No primeiro episódio o público será apresentado ao casal Nancy (Julia Lemmertz) e Geraldo (Zé Carlos Machado). Em um casamento tradicional, passaram juntos pelas atribulações da vida a dois e, agora levam uma vida confortável com filhos adultos e criados. São pais de Zeca (Marcos Pitombo), que ainda vive sob o teto dos pais e não assume as responsabilidades da vida adulta, Vitor (Rafael Primot) que arrasta um casamento sem sal com Julie (Vanessa Giácomo) e tem uma bebê recém nascida, e também de um terceiro filho adolescente chamado Lucas (João Simões). O garoto é portador da Trissomia do Cromossomo 21. Naturalmente, ele requer maiores cuidados, e para isso a dedicada mãe conta com o auxílio Micha (Leona Jhvs), uma mulher trans que terá papel importante na vida dos irmãos. 

Trailer 

Ficha Técnica
Título original e ano: Chuva Negra, 2023. Direção: Rafael Primot e Otávio Pacheco. Roteiro: Rafael Primot, Franz Keppler, Carol Rainato e Flávia Pontes. Elenco: Julia Lemmertz, Vanessa Giácomo, Rafael Primot, Marcos Pitombo, João Simões, Leona Jhovs, Zécarlos Machado, Dudu de Oliveira, Kiko Pissolato, Giovana Zotti, Carol Cezar, Michel Joaquim, Raul Barreto, Rodrigo Frampton, Mara Carvalho. Participação Especial: Denise Del Vecchio. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Cesar Ishikawa. Direção de Arte: Daniela Morato. Música Original: Adriano Nascimento. Montagem: Caroline Leone, Pedro Jorge, Fernanda Pacheco e Mari Baker. Uma produção: MUK. Produtora Associada: Vanessa Giácomo. Produção de Elenco: Juliana Brandão. Preparação de Elenco: Rodrigo Frampton. Assistentes de Direção: Lídia Oyo e Breno Ferreira. Figurinos: Anne Cerutti e Cláudia Bezerra. Maquiagem e Cabelo: Gabi Schenbeck e Renata Rodrigues. Técnica de Som: Marina Bruno. Desenho de Som e Mixagem: Adriano Nascimento. Coordenação de Pós e Finalização: Luiz Bicudo Junior. Direção de Produção: Flávia Tonalezi. Produção: Daniel Gaggini. Assista no Canal Brasil / Globoplay.

Como recompensa por tantos anos de dedicação exclusiva à família, o casal decide se dar de presente uma viagem “dos sonhos”. O destino escolhido, Jerusalém, é um sonho antigo do marido, que prepara o roteiro de forma organizada e metódica. Nancy acata tudo, mas seu olhar transpassa toda angústia de uma mãe que irá se afastar da segurança do ninho, que, apesar de imperfeito e cheio de segredos, é sua zona de conforto. O papel de mãe cordata e invisível será colocado à prova. Entre a correria dos preparativos para a ida ao aeroporto, as personagens vão se delineando. A narrativa dinâmica, com uma trilha sonora envolvente, vai ganhando a atenção dos espectadores e despertando seu interesse. Mas, a viagem perfeita se transforma em um terrível pesadelo, que marcará profundamente cada elemento envolvido na trama.

Abordando temas atuais, Chuva Negra se propõe a desafiar o público a refletir sobre as novas famílias não convencionais, as dificuldades das mudanças e a quebra de paradigmas e preconceitos arraigados em uma educação pautada em antigos conceitos de certo e errado.

                                                 Créditos: Divulgação 
A nova série do canal Brasil foi rodada em São Paulo e São Bernardo do Campo e tem como um dos protagonistas João Simões, um ator com síndrome de down. 

A diversidade é trazida com afeto e sensibilidade, mostrando que sim, as mudanças são possíveis. O trabalho real e inclusivo permitiu ao ator João Simões entregar seu papel com segurança e dedicação sem igual. Foram três meses de preparo, respeitando seus ritmos e especificidades. Aliás, o jovem ator mostrou todo seu carisma e desenvoltura respondendo as perguntas na coletiva que aconteceu justamente na data (21/3) que representa a triplicação (trissomia) do 21° cromossomo que causa a síndrome.

O leque de temáticas que o espectador encontrará na série é amplo e importante. Novos personagens irão surgir no decorrer dos episódios, como a Tia Yara (Denise Del Vecchio) que chega para “ajudar” a família a se reestruturar, trazendo antigos preconceitos na bagagem, Orlando (Dudu de Oliveira), professor de natação de Lucas, que tem um relacionamento homoafetivo com o policial civil Rocha (Kiko Pissolato) e estão se planejando para uma futura adoção.

O primeiro episódio é apenas um pequeno aperitivo do que ainda virá! Histórias de drama, suspense, conflitos familiares, grandes desafios, passando pelas naturais transformações nos núcleos familiares, saindo do tradicional modelo “margarina” para a formação de relações mais reais, humanizadas, inclusivas e diversas. Podemos esperar por uma série que será um marco histórico ao abordar assuntos urgentes sobre visibilidade e representatividade.

Chuva Negra chega à grade do Canal Brasil nesta sexta (24) às 22h30, e nos horários alternativos: Segunda às 2h00, terça às 00h30 e quinta às 4h45. Assinantes Globoplay terão acesso à série, com sinal aberto nos 2 primeiros episódios.

Imperdível !

quinta-feira, 23 de março de 2023

La Situación, de Tomás Portella | Assista nos Cinemas

Ana (Natalia Lage) é uma mulher com a qual muitas espectadoras podem se identificar. Solteira há algum tempo, sua vida não exatamente tem tido muitos acontecimentos. Mesmo com a amiga/prima fajuta Yovanka (Thati Lopes) que se instalou em sua casa por alguns dias e nunca mais foi embora. Sua amiga Letícia (Julia Rabello) por outro lado vive tentando alimentar o casamento, mas os filhos sempre voltam pra casa nos momentos mais impróprios. É quando uma notícia traz ânimos novos a Ana, ela tem uma herança a receber na Argentina de uma avó falecida. Aparentemente, ela herdou um terreno por lá e é após ter conhecimento dos documentos que decide viajar até o lugar. Chama então Yovanka e Letícia para acompanhá-la e juntas irem tirar alguns dias de folga das vidas normais que levam. 

O que parecia ser algo simples, uma viagem para receber uma herança, se torna um caso de polícia e internacional. As três se envolvem em mil tipos de confusões e acabam sendo procuradas por bandidos e pela polícia brasileira e argentina, já que o terreno herdado por Ana está no meio de uma investigação policial que envolve tráfico, assassinatos e mafiosos argentinos e até uruguaios. 

A produção da Migdal Filmes, em Associação com a Caravela Filmes, tem lançamento da Star Distributions e é uma verdadeira integração regional entre Brasil e Argentina com uma leve passadinha pelo Uruguai. A direção é de Tomás Portella (4x100: Correndo Por Um Sonho e Impuros: O Filme) e além do trio Natália Lage, Thati Lopes e Julia Rabello, tem no elenco, Dudu Azevedo, Soledad Pelayo, Marcelo Gonçalvez e Roberto Suarez

Trailer 


Ficha Técnica
Título original e ano: Lá Situacion, 2023. Direção: Tomás Portell. Roteiro: Carolina Castro e Natália Klein. Elenco: Natália Lage, Júlia Rabello, Thati Lopes, Dudu Azevedo, Marcelo Gonçalvez, Roberto Suarez, Soledad Pelayo. Gênero: Road Movie, Comedia. Supervisor de Som: Tomas Além e Rodrigo de Noronha. Produção: Iafa Britz, Carolina Castro e Rômulo Marinho. Produção: Migdal Filmes em associação com Caravela Filmes. Coprodução: Star Original Productions. Distribuição: Star Distributions. Duração: 01h24min.
Apesar das mil confusões que o filme apresenta, sua leveza é transparente. É daquelas produções para curtir com as amigas e não se preocupar muito com reflexões e mensagens que a obra pode ou não trazer. O trio de protagonistas é irreverente e tem química. Conquistam e convencem a plateia muito fácil, aliás. A bola de neve com que "as situações" que estas três mulheres vivem na tela as levam a lugares inimagináveis, mas muito hilários. Não só isso, fala de um ou outro dilema feminino sem soar corriqueiro.

Ana é a solteira certinha do grupo, Yovanka a hippie malucona e Letícia a super mulher, mãe e amiga. Os estereótipos perfeitos e que engajam bem o público em dilemas muito simples, mas reais. Uma quer um amor, outra é livre e feliz e a outra pronta pra um tudo. O final dessa jornada, só assistindo para saber, mas não espere nada convencional.
        
                                                                                                                         Créditos: Divulgação 
"La Situación" traz o famoso estilo de roadmovie com cara e carga feminina para conquistar o público no "mês da mulher."

Bem produzida, dirigida e atuada, a comédia lembra outro roadmovie brasileiro-argentino que é sensacional, "La Vingança", de Fernando Fraiha (leia texto aqui). Talvez ele não atinja o mesmo lugar equilibrado que o filme de Fraiha, mas é uma boa iniciativa e propõe um bom intercâmbio cultural entre Brasil e suas fronteiras. Mais que isso coloca mulheres na tela para serem protagonistas de suas próprias aventuras e desventuras. 

                                                                                         Créditos: Divulgação 

Natália Lage e Dudu Azevedo são um quase casal no filme de Portella.

O longa ganhou inúmeras Pré Estreias e Exibições de Imprensa em Estados Brasileiros, desde o início de março, e sua falta de pretensão conquistou o público durante os eventos. 

Avaliação: Dois tickets só de ida e meia volta na América Latina  (2,5/5).

Hoje nos Cinemas

John Wick 4: Baba Yaga | Assista nos Cinemas

 
Nosso Baba Yaga, está de volta! 

A saga de John Wick nos cinemas se iniciou lá em 2014 e encantou os fãs de ação e os não fãs de ação por todo o mundo. Sua sequência (leia texto aqui), ''John Wick: De Volta Ao Jogo'', chegou a telona em 2017 e seu terceiro, e o que pareceria ser o último filme, ''John Wick Parabellum'' (leia texto aqui) foi lançado em 2019. Com o tremendo sucesso, os produtores olharam para suas contas bancárias e se perguntaram ''porquê não mais um filme com nosso amado Keanu Reeves quebrando tudo?''. Bem e aqui estamos, o quarto filme da agora ''franquia'' John Wick vem com muito tiro, porrada e bomba, no estilo que gostamos de ver nosso querido John! Desta vez, com o preço por sua cabeça cada vez maior, o lendário assassino de aluguel leva sua luta contra a Alta Cúpula a nível global enquanto procura os jogadores mais poderosos do submundo de Nova York a Paris, do Japão a Berlim. 

O enredo procura então trazer as consequências das ações de John, logo, a sua longa jornada de vingança acaba ferindo as memórias tão preciosas interligadas a sua amada esposa, que acabou falecendo no primeiro filme. Partimos então para mais uma vez tentar entender como funciona o universo de John Wick. Por fim, vemos como as regras que devem ser obedecidas religiosamente entre os membros da cúpula, e seus subordinados, afetam todo o caminhar da história. Toda essa hierarquia e normas que ditam como cada um deve ou não se portar ficam ainda mais claras neste novo filme, um que apresenta um John Wick ainda mais potente e habilidoso.

Se no primeiro longa, aliás, John desejava apenas vingança pela morte de seu cachorro (sim, teremos um doguinho nesta produção também, haha!), neste ele procura lutar por sua liberdade, para que não precise mais ser um assassino que serve à cúpula. Vontade que já se aproximava da superfície nas outras aventuras do matador. Há a apresentação de um novo vilão, intitulado Marquês de Gramont, o novo chefão da cúpula, personagem vivido por Bill Skarsgård, além de um verdadeiro jogo de cores e luzes que marcam as cenas de forma peculiar, conforme o estado de espírito de John.

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: John Wick 4 - Baba Yaga. Direção: Chad Stahelski. Roteiro: Shay Hatten e Michael Finch - Baseado nos personagens criados por Derek Kolstad. Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, George Georgiou, Lance Reddick, Clancy Brown, Ian McShane, Marko Zaror, Bill Skarsgård, Donnie Yen, Aimée Kwan, Hiroyuki Sanada. Gênero: Ação, Crime, Policial. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Tyler Bates e Joel J. Richard. Fotografia: Dan Laustsen. Edição: Nathan Orloff. Design de Produção: Kevin Kavanaugh. Supervisor de Direção de Arte: Andreas Olshausen. Figurino: Paco Delgado. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 2hrs49min.
John Wick 4 também explora novas temáticas como camaradagem, relações entre pai e filha e etc. Um filme que se preenche e é permeado de camadas, mas que também vende um enorme arsenal de cenas de ação que entregam um ensaio aprimorado a ponto de parecer um ''ballet'' na telona. Keanu Reeves ganha inúmeras ferramentas para deixar Wick cada vez mais fodão e tudo que já fora visto anteriormente retorna com força total e melhor - cenas a cavalo, em carros velozes e muitas sequências fenomenais de luta. Em uma delas, feita com a câmera acima dos atores, os movimentos são captados de forma espetacular e o espectador se sente em um labirinto

As cenas gravadas no hotel de Osaka, também não deixam por menos, visto que mostram toda a beleza da cultura japonesa de forma sublime. Para os curiosos e que gostam de um pequeno spoiler, o aclamado ator japonês Hiroyuki Sanada retorna aqui, aliás. Assim, com a participação dele, a cultura .oriental ganha seu destaque merecido. na trama. Laurence Fishburne, Ian McShane e Lance Reddick são alguns dos atores que também retornam aos papéis que viveram nos filmes anteriores. Lance, falecido na última semana, aparece pela última vez na telona e os fãs de seu trabalho poderão o ver por uma última vez com muita classe e objetividade, algumas de suas características na franquia. 

                                                                                                  Créditos:  © 2022 Lionsgate / Murray Close
Rodado durante o mês de junho de 2021, ainda durante a pandemia, John Wick 4 Baba Yaga teve palco em diversos países, entre eles, Alemanha, França, Japão e Jordânia.
 
Durante a última CCXP, evento voltado para o entretenimento e a cultura Pop, o ator Keanu Reeves esteve no Brasil para divulgar o filme e disse que estava ansioso para retornar a pele de Wick a muitos jornais e entrevistadores. Keanu tem fama de ser uma pessoa super ética e gente boa e seus passos no mundo da indústria cinematográfica quase sempre foram muito bem articulados. O ator não só protagonista John Wick 4 como é um dos produtores.

Com distribuição da Paris Filmes, Baba Yaga é um dos melhores da franquia, com quase três horas de duração (169 minutos ao total), com certeza vai agradar aos fãs e embasar! Então corra para conferir nos cinemas! Na maior tela que você encontrar na sua cidade.

HOJE NOS CINEMAS

quinta-feira, 16 de março de 2023

Segundo Tempo, Rubens Rewald

 
“Pergunta para ele: ‘tu foste nazista?’”
 
Em colaboração com outros cineastas [Rossana Foglia em “Corpo” (2007) e Jean-Claude Bernardet em “#eagoraoque” (2020), para ficar em dois bons exemplos], o paulistano Rubens Rewald demonstra afeição pelas narrativas que bifurcam-se através das memórias e interpretações. Em âmbito dramatúrgico, ele prefere que o espectador preencha as lacunas das situações apresentadas enredisticamente, cujos pontos de partida geralmente são políticos. Trabalhando sozinho na direção, ele realiza o seu trabalho mais acessível, também permeado por algumas soluções simplistas… 

Ainda que “Segundo Tempo” (2022) seja convencional na maneira como expõe os seus personagens, torna-se progressivamente interessante, à medida que o casal de irmãos interpretado por Kauê Tellolli e Priscila Steinman começa a descobrir mais sobre a própria genealogia familiar, depois que viajam para a Alemanha. Ele chama-se Carl, mas seus amigos o conhecem como “Alemão”. É obcecado por futebol e consegue dinheiro realizando programas sexuais com homens; ela chama-se Ana, trabalha como bibliotecária e parece continuamente deprimida. Aproximar-se-ão forçosamente depois da morte do pai deles, Helmut, vivido por Michael Hanemann

Sobremaneira irresponsável, Carl esquece que seu pai tinha um exame agendado e ignora os seus clamores, no afã por desempatar uma partida em que está jogando. Helmut passa mal repentinamente e seu filho fica preso num congestionamento. Tudo isso faz com que a sua relação com Ana seja demarcada por muitas reclamações, visto que ela é bastante ocupada, além de não conseguir sequer assumir um relacionamento amoroso com um colega de trabalho. Ela gosta bastante do pai, o que aumenta os ciúmes de Carl em relação a ela. 

                                                                                                                                             Créditos: Divulgação
Rodado no Brasil e na Alemanha, o filme  de Rubens Rewald chega as salas de cinema em São Paulo, Brasilia, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Recife e Aracaju.


Ao encontrar alguns pertences antigos no guarda-roupa do pai, Carl compra algumas passagens para a Alemanha, de maneira impulsiva, e carrega a irmã consigo, a despeito do desânimo dela. Em Frankfurt, eles interagem com outras pessoas e visitam uma cidade interiorana, na qual o pai viveu na juventude. É quando descobrem o que aconteceu com a sua família durante o período nazista, e passam a refletir sobre o automatismo com que eles encaram as suas vidas: enquanto Carl procura por clientes locais, a fim de conseguir algum dinheiro, Ana passeia pelas cidades e interage com o simpático dono de um restaurante (Joachen Stern), com quem aprende bastante sobre as dolorosas lições do passado. 

Sem sobressaltos ou revelações chocantes, o roteiro deste filme concentra-se na aproximação gradual dos dois irmãos, que são bem interpretados, ainda que os diálogos incomodem um pouco por causa das obviedades e incongruências, sobretudo no que diz respeito aos comportamentos desleixados de Carl. Afinal, ele viaja para a Alemanha sem sequer falar inglês e perambula pelos lugares como se fosse algo não dificultoso. Chega mesmo a folhear vários livros em alemão, numa biblioteca, com o intuito de pesquisar um enigma envolvendo o desenho de um pentagrama, encontrado entre os objetos de seu pai, numa pista transversal, envolvendo as habilidades matemáticas do mesmo. 

Trailer

Ficha Técnica
  • Título original e ano: Segundo Tempo, 2022. Direção e Roteiro: Rubens Rewald. Elenco: Priscila Steinman, Kaue Telloli, Michael Hanemann, Laura Landauer e Jochen Stern. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Humberto Bassanelli e Sergio Roizenblit. Som: Eduardo Santos Mendes. Montagem: Willem Dias. Direção de Arte: Ana Rita Bueno. Música: Claudio Faria. Produção: Miração Filmes & Confeitaria de Cinema. Produção Executiva: Marina Puech Leão e Julia Walker. Distribuidora: Pandora Filmes. Duração: 107 minutos
No elenco, um destaque positivo vai para a participação da simpática Laura Landauer, que interpreta a filha do dono do restaurante, que não sabia que ele participara da Juventude Hitlerista, até que Ana ouse lhe perguntar isso. Em sua disponibilidade imediata, ela leva a nova amiga brasileira até mesmo para um cemitério judaico. Tal qual acontece com os demais personagens, é como se os problemas cotidianos ou as rotinas empregatícias não importassem, e fosse possível caminhar despreocupadamente a qualquer momento do dia. No que diz respeito às intenções emocionais do roteiro, pedir para jogar futebol ao lado de alguns garotos árabes é algo corriqueiro. Se o Atestado Médico – que permitiu que Ana fosse afastada de suas atividades profissionais por algum tempo – ainda está válido, entretanto...

Por mais irritante que seja Carl e a despeito de algumas eventuais incoesões tramáticas, a despretensão com que o diretor conduz as situações do roteiro, escrito por ele próprio, faz com que “Segundo Tempo” proporcione válidas reflexões aos espectadores, no que tange ao questionamento de nossas identidades comunitárias. Não é tão propositivo quanto as obras anteriores do cineasta, mas entretém e nos estimula a conversamos com quem nos rodeia.

HOJE NOS CINEMAS

Shazam! Fúria dos Deuses, David F. Sandberg | Assista nos Cinemas


Este texto pode conter spoilers
 
A sequência para Shazam!, de 2019 (leia texto aqui), ''Fúria dos Deuses'' debuta esta semana nos cinemas. Com poucas alterações na equipe técnica e seguindo com a direção de David F. Sandberg, a produção pousa em terreno seguro e consegue engajar sua plateia com ainda mais força e escracho do que a primeira iniciativa. Zachary Levi, apesar de ter se envolvido em polêmicas nos últimos anos se dizendo antivacina, retorna ao papel do ''menino que vira herói'' e divide a tela, conforme os desenvolvimentos da primeira aventura, com uma leva de atores que foram chamados para interpretar a ''Familia Shazam'', entre eles, Adam Brody, Grace Caroline Currey, Meagan Good, Ross Butler e D.J. Cotrona. A turminha de atores mirins também retornam - Asher Angel e Jack Dylan Grazer que vivem respectivamente Billy Batson/Shazam e Freddy Freeman ganham novas subtramas e os personagens de seus irmãos, vividos por Ian Chen, Faithe Herman, Jovan Dudley e de Grace Caroline Currey, também. Afinal, todos se tornaram heróis e agora são o time do ''ou todos ou nada''. Assim, neste novo capítulo, o grupo tem de reunir forças para duelar com três irmãs poderosas vindas direto da Grécia Antiga, são elas: Hespera, Kalypso e Anthea, interpretadas pelo super power trio Helen Mirren, Lucy Liu e Rachel Zegler. Elas vivem as filhas do titã  Atlas.

Se agora Shazam se sente perdido em como liderar os irmãos e Freddy acredita que pode duelar sozinho contra o crime, mal sabem eles que todo o poder que eles têm foi roubado do deus Atlas. O filme conta então ao espectador como tudo aconteceu e logo conhecemos a ira das três filhas de Atlas que vão a Filadélfia em busca de vingança, após terem seu lar isolado do resto do mundo por muito tempo. Não só isso, elas não poderiam usar magia por lá.
 
      Cortesia da Warner Bros. Pictures - © 2021 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved. TM & © DC
A super família Shazam! enfrenta dilemas de liderança e união nesta sequência
 

Anthea, que na mitologia original é conhecida por ser a deusa dos pantanos, das flores, dos jardins e do amor entre os humanos, é a chave para algumas das resoluções na trama, pois se torna o "interesse amoroso" de Freddy. Kalypso, tem o poder de causar o caos na mente dos humanos, pois é uma feiticeira. Já Hespera, tem um força descomunal e é a mais velha das três. O arco das personagens não está nas HQ's e foi desenvolvido exclusivamente para o filme. E, sem sombra de dúvidas, funciona muito bem.

O trio de anti-heroinas chega na história e basicamente deixa a família de heróis sem super poderes. Ademais, aprisiona alguns deles e trás o caos para a cidade. Muito cedo na trama, o espectador também descobre que o Mago que fez de Shazam! um campeão está vivo e precisando de toda a ajuda possível.

Cortesia da Warner Bros. Pictures - © 2021 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved. TM & © DC
O vigéssimo filme do Universo DC tem um baita elenco e entrega muita diversão aos fãs das adaptações de quadrinho.
 
Como no primeiro, o texto é altamente pop e cheio de referências ao mundo cinematográfico (espere ouvir Shazam! citar frases de personagens famosos da franquia "Velozes e Furiosos" ou chamar uma das vilãs de "Khalesse", nome da rainha dos sete reinos em Game of Thrones). Há tempo para desconstruir os personagens, Freedy se demonstra mais vulnerável aqui,  bem como um dos irmãos que em certo momento revela sua sexualidade. Também vemos menos Billy e mais Shazam em cena e a temática do abandono familiar volta a  assumir um papel forte na jornada do protagonista. Mas sim tudo acaba bem e com duas cenas pós créditos que já jogam a bola para um futuro com mais retornos de vilões que perseguem o herói.

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Shazam! Fury of Gods, 2023. Direção: David F. Sandberg. Roteiro: Henry Gayden e Darren Lemke - baseado nos personagens criados por Bill Parker e C.C Beck. Elenco: Zachary Levi, Grace Caroline Currey, Helen Mirren, Rachel Zegler, Lucy Liu, Meagan Good, Asher Angel, Jack Dylan Glazer, Marta Milans, Adam Brody, Mark Strong, Ian Chen, Djimon Hounsou, Diedrich Bader, Ross Butler, D.J. Cotrona, Cooper Andrews, P.J. Byrne, Faithe Herman, Ian Chen, Jovan Armand. Gênero: Aventura, Ação, Comédia. Nacionalidade: Eua. Fotografia: Gyula Pados. Trilha Sonora: Christophe Beck. Edição: Michel Aller. Figurino: Louise Mingenbach. Design de Produção: Paul Kirby. Distribuição: Warner Bros Pictures. Duração: 02h10min.

Enfática e modernista, a trilha sonora joga até uma versão fofinha da canção "This Must Be The Place", da banda norte-americana Talking Heads, em uma das cenas que destacam a vontade do personagem em manter os laços com a família. Além de empregar um tom dinâmico ao filme com a maestria de Christophe Beck

O elenco desta vez traz a Dama Helen Mirren como grande destaque. Lucy Liu, atriz que ficou famosa por seu trabalho em As Panteras e na série ''Sherlock'', toma as rédeas do vilanismo e a atriz Rachel Zegler, que foi vista nos últimos anos na remontagem de West Side Story (leia texto aqui) chega para integrar o núcleo mais jovem.

Com uma direção mais centrada, David F. Sandberg surpreende novamente na condução da história do personagem que uma vez se chamou Capitão Marvel. E os roteirista enfatizam como a identidade do mesmo é procurada a todo momento quando Shazam! ainda não sabe como se chama.

Imperdível!

Avaliação: Três aulas de mitologia grega com muita diversão! (3/5)

SOMENTE NOS CINEMAS