Atravessa a Vida | Assista nos cinemas

No momento em que o Brasil debate se deveria ou não haver uma edição do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, em meio à pandemia de COVID-19, chega aos cinemas uma obra que aborda justamente este tema, porém por um ponto de vista bem mais intimista e quase nostálgico, uma vez que as discussões levantadas por ele refletem as preocupações e demandas da sociedade brasileira em 2018, ano que atualmente parece tão longínquo.

O longa documental do carioca João Jardim analisa a pressão que o vestibular exerce sobre estudantes do Ensino Médio no Brasil, ao mesmo tempo que procura desconstruir a irreal obrigatoriedade idealizada de se chegar à faculdade num país com tantas desigualdades. A obra é certeira ao dar o devido protagonismo justamente a quem está no olho deste furacão: estudantes do Ensino Médio que nem sempre têm suas vozes escutadas. O filme acompanha jovens de uma escola de Sergipe em seu cotidiano no último ano do colégio antes do ENEM e das inevitáveis consequências que a prova trará para suas trajetórias. Apesar da proximidade do vestibular durante as cenas retratadas, a indecisão quanto à carreira a ser seguida é palpável nos depoimentos de estudantes que falam para as lentes de Jardim. Aliás, muitas das pessoas ouvidas durante as discussões em sala de aula apresentadas no longa têm opiniões bastante fortes sobre como o peso dado ao ENEM é desproporcional ao contexto de suas vidas e prejudicial à saúde emocional de quem sofre com tamanha expectativa de desempenho e resultado. 

É ao dar destaque às vozes destes personagens reais que a obra ganha muitas cores através de suas falas sinceras (ainda que, por vezes, hesitantes e inseguras) que dissertam sobre temas controversos como ditadura militar, pena de morte, aborto, depressão e suicídio. Registradas justamente durante o período da eleição presidencial de 2018, quando discursos ideológicos polarizados e acalorados ganhavam cada vez mais espaço na mídia e na vida das pessoas, é revigorante ver jovens em idade de formação opinando com tanta propriedade sobre tais assuntos, mas ainda sem aderirem totalmente às certezas delirantes de quem não tem coragem de dizer “eu não sei”. Talvez este seja um dos grandes trunfos da produção: a ternura quase infantil e vulnerabilidade de seus personagens, que confidenciam para o público, por exemplo, como a ausência paterna, comum a tantos deles, afeta seu senso de construção de identidade ou mesmo seu desempenho escolar, entre outras fragilidades que provavelmente não dividem nem mesmo com suas próprias famílias. Apesar de ecoar tópicos já tratados em outro longa documental seu, Pro Dia Nascer Feliz, de 2005, Jardim não se propõem a abordar em Atravessa a Vida questões como criminalidade ou diferenças sociais, focando na dúvida sentida por seus protagonistas neste agridoce rito de passagem para uma vida adulta para a qual temem não estar preparados. 

Neste sentido, o que o novo filme do cineasta parece perder em escala e impacto em comparação a outros de seus trabalhos, ganha em sensibilidade e profundidade com sua contemplação. É esta visão mais minimalista que permite uma história que poderia soar tão regional funcionar de modo universal dentro de suas peculiaridades. Além disso, é bastante significativo que esta comunidade nordestina seja usada para representar esta fase da juventude tão atribulada da juventude, geralmente sempre retratada na cultura através de uma perspectiva elitista e higienizada dos grandes centros metropolitanos. Há muitos Brasis a serem mostrados e Atravessa a Vida é muito bem-sucedido em nos lembrar disso.

Trailer

Ficha Técnica:

Título original e ano: Atravessa a vida, 2020. Diretor e Produtor: João Jardim. Personagens: Daniela Silva (diretora da escola), David Andrade, Flávia de Jesus, Lívia Costa , Vitoria Mirelle , Ramon dos Santos , Rayssa Rodrigues e Isolda Laís.  Diretora de Produção e Produtora Executiva: Gabriela Weeks. Assistente de produção: Fernanda Curi, Érika Saldanha. Estagiária de Produção Executiva: Thayná Ivo. Pesquisadora e Assistente de Direção: Carol Gonçalves. Diretor de Fotografia: Dudu Miranda, João Atala. Fotógrafo adicional: Rafael Mazza. Assistente de câmera: Isadora Relvas. Técnico de Som: Marcos Cantanhede. Técnica de Som adicional Brasília: Olívia Hernadéz. Montadora: Fernanda Rondon. Assistente de edição: Liana Riente. Controller: Alcione Koritzky. Logger: Gabriel Lima. Still: Sora Maia, Fabio Seixo. Estagiária de Edição: Vivian Vecchi. Composição de trilha sonora: Dado Villa-Lobos. Produção e distribuição: Copacabana Filmes e Fogo Azul Filmes. Coprodução: Globo Filmes, GloboNews e Canal Curta!. Produtores Associados: Renée Castelo Branco Dot e EliteCam. Duração: 82min.

  

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Escrito por Petterson Costa

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