Cine Marrocos, de Ricardo Calil

Os millenials talvez não saibam, mas muito antes dos cinemas chegarem a ocupar os grandes shoppings, eles se localizavam em edifícios comuns beirando calçadas e pistas em ruas do centro de muitas capitais. Um dos mais icônicos e representativos destes foi o ''Cine Marrocos'', com endereço no centro de São Paulo, e, que aos meados dos anos cinquenta, recebeu o primeiro festival de cinema internacional e exibiu grandes filmes como ''Noites de Circo e O Crepúsculo dos Deuses''.

Muitos espaços como o Cine Marrocos foram abandonados e/ou fechados, afinal, não é só aquele que produz os longas no país que sempre foi desmotivado a continuar, mas também o próprio exibidor. Por fim, em 2013, esta ilustre casa voltada para o encontro do público com os mais belos filmes já realizados, virou o teto daqueles que necessitavam de moradia - cerca de quase 2000 pessoas. Entre elas, não só brasileiros e brasileiras, mas refugiados e imigrantes, alguns destes, africanos, outros latino-americanos. Também pessoas de outros grupos de minorias como a comunidade LGBTQ+. 

O documentário de Ricardo Calil (Narciso em Férias e Os Arrependidos) vem então não só contar a trajetória ilustre do lugar como ainda toma tempo para destacar as jornadas de alguns de seus residentes. A equipe do filme ainda faz algo mais acalentador, eles convidam um numero x destes indivíduos a virem para frente da câmera falar de suas realidades. A partir dai, os une e os prepara para encenar algumas das cenas clássicas das películas que ali foram apresentadas anos atrás. Durante essas conversas, vamos conhecendo personagens da vida real que sofrem com a marginalização e o desprezo do governo, já que este não soluciona o problema, mas acusa os moradores do Cine Marrocos de o serem e passa a atormentá-los, os ameaçando de despejo constantemente para que o prédio seja reintegrado e quem sabe reativado.

O filme passou pelo Festival Internacional de Documentários É TUDO VERDADE, no ano de 2019, e saiu ganhador. 

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Cinea Marrocos, 2018. Direção e Roteiro: Ricardo Calil. Elenco: Valter Machado, Tatiane Weskler, Panda Junior, Dulce Tavares, Kuoutou Yamaya e Volusia Gama. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Música original: André Namur. Fotografia: Carol Quintanilha e Loiro Cunha. Montagem: Jordana Berg. Preparação de Elenco: Ivo Müller, Georgina Castro. Figurinista: Ana Paula Mendes. Som Direto: Flávio Guedes, Ricardo Pinta. Desenho de Som e Mixagem: Toco Cerqueira. Produção: Muiraquitã Filmes. Co-produção: Olha Só, Globo Filmes, Globo News, Canal Brasil. Duração: 01h30min.

O Cine Marrocos era considerado um espaço de luxo não só no Brasil, mas na América Latina. Recebeu um grande público, além de cineastas e astros de Hollywood e o mesmo está na memória do audiovisual brasileiro, bem como faz parte da história da cidade de São Paulo. Quando Calil e equipe entram em cena para averiguar a ocupação do lugar, percebem que o cinema dentro do edifício está vazio e que os novos moradores estão se hospedando pelos corredores e outras salas. Assistindo de perto a situação, Calil decide reabrir o teatro e exibir filmes para aquelas pessoas. Com essa oportunidade e todas as conversas que tem, consegue entrevistar um grupo de moradores e realiza então uma oficina teatral com estes. A brincadeira acaba sendo a preparação para que Valter Machado, Tatiane Weskler, Panda Junior, Dulce Tavares, Kuoutou Yamaya e Volusia Gama reinterpretem o que assistiram e joguem na arte toda sua experiência de vida.

Alguns deles já cantam, outros já até trabalharam com iluminação e temos também aqueles que estão ali após terem fugido de seus países para sobreviverem. Temos falantes não só em português, mas em inglês e também em francês. Pessoas que voltam ao passado mágico do cinema, apesar da dor que sofrem nos tempos atuais.


Se o filme tem um colorido usual para documentar a realidade, quando se mete a homenagear o cinema antigo, volta no tempo e perde sua paleta de cores - até mesmo porquê re-imagina cenas que foram filmadas daquela maneira. Realidade e ficção em um encontro único.

As conversas fazem rir em determinados momentos, porém também conseguem causar grande impacto devido ao passado cruel de muitos dos entrevistados. Não deixam também de nos mostrar como esses seres humanos tem uma visão crítica de tudo e de como conseguem agir naturalmente no mundo das artes.

Não temos atores profissionais, mas temos vida e dor transformadas em minutos de poesia e superação. Calil também nos apresenta como algumas das pessoas conseguiram chegar ali. Organizações que cuidam de recolher parcelas ínfimas das pessoas para que consigam morar no espaço até as decisões governamentais saírem. Obviamente, os valores desse ''aluguel do espaço'' vai crescendo e tomando daquelas vidas mais do que elas necessariamente podem pagar, mas ainda assim é o que elas tem em uma capital que os deixou jogados.

Ricardo Calil é diretor e roteirista, tem grande experiência na tevê e Cine Marrocos foi seu terceiro filme. Tecendo ideias humanistas e solidárias, o filme de Calil é  ao mesmo tempo uma homenagem ao cinema e ainda uma crítica ao duro abandono de potencial humano. 

Indicado demais ver mais filmes do diretor. 

EM CARTAZ SOMENTE NOS CINEMAS

Escrito por Bárbara Kruczyński

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