A Sindicalista, de Jean-Paul Salomé | Assista nos Cinemas


Quando duas mulheres trabalham juntas, além de fazerem o seu trabalho, elas se solidarizam entre si?”

A leitura da sinopse de “A Sindicalista” (2022, de Jean-Paul Salomé) imediatamente remete a dois cultuados filmes hollywoodianos, “Norma Rae” (1979, de Martin Ritt) e “Silkwood – O Retrato de uma Coragem” (1983, de Mike Nichols). Tal como esses dois filmes, uma grande estrela protagoniza uma trama relacionada à justiça empregatícia, com intentado pendor feminista. No primeiro caso, Sally Field foi oscarizada; no segundo, Meryl Streep foi bastante elogiada; no terceiro, Isabelle Huppert demonstra, mais uma vez, seu talento e versatilidade.

A despeito das similaridades temáticas, “A Sindicalista” segue um percurso distinto: parte de uma personagem real para um exercício de gênero, o que é prenunciado internamente, visto que, desde o início, a biografada Maureen Kearney é mostrada como uma leitora obsessiva de romances policiais, chegando a destacar com marcadores as suas passagens favoritas. Isso, a posteriori, fará com que, numa investigação, ela passe de vítima a suspeita, permitindo que a extraordinária atriz francesa reaproveite, em chave invertida, alguns recursos expressivos de sua atuação em “Elle” (2016, de Paul Verhoeven).

Especializado em tramas criminais, o diretor Jean-Paul Salomé conduz este filme de maneira um tanto burocrática, fazendo com que, em seu terço inicial, o espectador fique enfadado frente ao ritmo quase telejornalístico. Até então, a protagonista Maureen é mostrada como uma funcionária maquínica, dedicada em tempo integral ao trabalho, visto que foi eleita para o sexto mandato como representante sindical de uma importante indústria nuclear francesa. As informações sobre conspirações reais são tão aceleradas que o interesse fica disperso, sendo difícil extrair alguma dramaticidade legítima de sua rotina exaustiva. Até que, em dezembro de 2012, ela é encontrada encapuzada, amarrada e com uma faca enfiada em sua vagina. E, pasmem, é acusada de ter infligido isso contra si mesma!

                                                                                                Créditos: © 2022 Guy Ferrandis - Le Bureau Films
 Maureen Kear­ney, personagem real no qual o filme é baseado, ao lado da atriz Isabelle Huppert

Quando tenta exortar a sororidade, o diretor – que dedica este filme à sua irmã – soa caricatural, ao mostrar os superiores hierárquicos de Maureen revirando os olhos quando ela reclama da dominação empresarial masculina ou quando uma policial ainda inexperiente (Aloïse Sauvage) encontra os registros que engendrarão a reviravolta do desfecho. Porém, à medida que o cineasta – que já trabalhara anteriormente com essa brilhante atriz – possibilita que Isabelle Huppert complexifique a sua personagem, ele faz com que a agilidade do enredo sirva tanto enquanto entretenimento cinematográfico como enquanto denúncia advocatícia. Sendo assim, a segunda metade do filme tem muito a ver com os méritos genéricos de obras como “Erin Brokovich – Uma Mulher de Talento” (2000, de Steven Soderbergh).

Pouco a pouco, as pistas (verdadeiras ou falsas) despejadas pelo roteiro – escrito pelo próprio realizador, em colaboração com Fadette Drouard, com base em livro-reportagem de Caroline Michel-Aguirre – deixam o espectador tão estupefato quanto desconfiado, seja quando a ex-chefa de Maureen, Anne Lauvergeon (Marina Foïs), declara suspeitosamente que a relação entre elas era “estritamente profissional”, seja quando o estouvado homem de negócios Luc Oursel (Yvan Attal) morre subitamente. Já que os culpados do crime verídico ainda permanecem não desvendados, os roteiristas manipulam com habilidade as ações culposas de seus personagens.

Trailer


Ficha Técnica

Título Original e Ano: La Syndicaliste ,2022. Direção: Jean Paul Salomé. Roteiro: Fadette Drouard e Jean Paul Salomé - baseado no livro de Caroline Michel-Aguirre (veja aqui). Elenco: Isabelle Huppert, Grégory Gadebois, Pierre Deladomchamps, François-Xavier Demaison, Giles Cohen, Alexandra Maria Lara, Aloïse Sauvage, Mara Taquin, Yvan Attal, Marina Foïs. Gênero: Drama, Thriller. Nacionalidade: França e Alemanha. Trilha Sonora Original: Bruno Coulais. Fotografia: Julien Hirsch. Edição: Valérie Deseine e Aïn Varet. Design de Produção: Françoise Dupertuis. Figurino: Marité Coutard. Distribuição: Synapse Distribution .Duração:02h01min.  

Malgrado a sua longa duração (duas horas e dois minutos) e superado o enfado inicial, “A Sindicalista” revela-se um ‘thriller’ investigativo muito interessante que, obviamente, chama a atenção para as injustiças estruturalmente cometidas contra as mulheres, independentemente de elas possuírem cargos sobremaneira remunerados. Por conseguinte, as questões envolvendo a reiteração perturbadora das “condições atenuantes” que fazem com que estupradores sejam inocentados (o comportamento previamente lascivo das estupradas, por exemplo) tornam este filme assaz válido em suas proposições julgamentais. Ao final, desconfiamos que quase todos os agentes legislativos que circundam Maureen – inclusive a implacável juíza interpretada por Andréa Bescond – estão vinculados ao conchavo nuclear chinês denunciado nos letreiros próximos ao desfecho.

                                                                                                      Créditos: © 2022 Guy Ferrandis - Le Bureau Films
''A Sindicalista'' passou pelo Festival de Veneza em 2022 e recebeu indicação na categoria de ''Melhor Filme'' na premiação.

Além da condução eficaz da trilha musical composta por Bruno Coulais, responsável pela manutenção perene da tensão, deve-se destacar as ótimas contribuições interpretativas de Grégory Gadebois, como Gilles Hugo, o esposo benevolente da personagem titular, e de Pierre Deladonchamps, como o investigador que duvida da inocência de Maureen, a ponto de convertê-la em ré. Em mais de um sentido, “A Sindicalista” é um filme equivocado (vide a santificação profissional de Maureen, durante a intervenção solidária às funcionárias demitidas numa usina húngara, numa seqüência exordial), mas, quando adere ostensivamente às convenções de gênero, torna-se um mui recomendado estudo de personagem e um entrecho que merece ser debatido por organizações feministas e de valorização dos direitos sindicais.

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Escrito por Wesley Pereira de Castro

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