Durval Discos, de Anna Muylaert | Sessão Vitrine Petrobrás


Mais de uma década antes de conquistar o país e o mundo com sua deliciosa crônica sobre atrito de classes sociais em Que Horas Ela Volta?, lá no ano de 2002, Anna Muylaert brilhou em sua estreia como diretora de longas com uma obra muito menos convencional. Com o novo milênio batendo à porta e anunciando a estrondosa chegada dos CDs na indústria da Música, o quarentão com jeito de hippie Durval (Ary França) resiste à chegada dos novos tempos mantendo sua loja, a Durval Discos, aberta vendendo exclusivamente vinis. Dividindo-se entre seu negócio e sua vida doméstica, num sobrado antigo cuja fachada é parasitada por sua loja de discos, Durval vive uma rotina sem grandes emoções com sua mãe, Carmita (Etty Fraser). Ao contratarem por um valor irrisório uma empregada para cuidar das tarefas domésticas, inadvertidamente se envolvem numa trama absurda e cheia de reviravoltas.

Durval Discos se inicia num divertido e elaborado plano-sequência que apresenta os arredores do comércio do bairro de Pinheiros antes de levar o público para dentro da loja e da casa onde boa parte das cenas a partir de então se passam. O clima leve e descompromissado de início pode até sugerir tratar-se de uma espécie de Alta Fidelidade brasileiro, povoado por personas excêntricas numa dinâmica que mistura música e cotidiano. Mas o longa logo mostra sua personalidade caótica e revela as armadilhas que seu roteiro dinâmico e imprevisível reserva tanto para os personagens quanto para o público em si.

Muylaert conduz seu filme de estreia com muita segurança. Seus planos que parecem extrair magia da banalidade, combinados com as atuações hilariamente convincentes de seu elenco, trazem muita vida ao universo anacrônico destes personagens, o que acaba sendo decisivo quando a história gira o disco para seu “lado B”, mais sombrio e cheio de ansiedade, beirando o surreal.

                                                                                            Créditos: Vitrine Filmes / Divulgação
Inspirada na ''Edgar Discos'', loja onde a diretora e roteirista Anna Muylaert comprava discos quando era adolescente, Durval Discos vem com gostinhos de muita inspiração na realidade noventista.

Muito da potência de Durval Discos se deve à direção certeira de seu elenco bem escolhido, que faz as guinadas absurdas do roteiro de Muylaert soarem genuinamente orgânicas. Ary França é perfeito como Durval, um bicho-grilo deslocado do tempo, mas que tem um grande coração. E Marisa Orth simplesmente brilha como a enxerida Elizabeth. Contudo, os holofotes dessa história são de ninguém mais além de Etty Fraser, como a matriarca Carmita. Ora adorável, ora insuportável, ela é o potencializador de todo o conflito da trama, com seu inabalável instinto superprotetor, capaz de vencer qualquer discussão pelo cansaço e tomar as atitudes mais inconsequentes e injustificáveis de forma singela e quase infantil. É preciso muita fibra pra passear por todas as camadas contraditórias exigidas pela personagem, e Fraser tira de letra. Que delícia de interpretação!

20 anos depois de sua estreia, Durval Discos volta aos cinemas em versão restaurada em 4K, dentro da programação da renovada Sessão Vitrine Petrobrás, e vem como um belo convite para (re)descobrir essa pérola do Audiovisual brasileiro. Aliás, dá vontade de pôr uma boa música pra tocar. Em vinil, é claro.

Trailer


   
Ficha Técnica
Título Original e ano: Durval Discos, 2002Direção e Roteiro: Anna MuylaertElenco: Ary França, Etty Fraser, Isabela Guasco, Marisa Orth, Letícia Sabate. Gênero: . Nacionalidade: Brasil. Música: André AbujamraDiretor de Fotografia: Jacob SolitrenickDireção de arte: Ana Mara AbreuFigurino: Mariza Guimarães. Produtoras: Dezenove Som e Imagens, África Filmes, Programa de Integração Cinema e TV, TV Cultura, Secretaria de Estado da Cultura, Governo do Estado de São PauloProdução: Sara Silveira, Maria IonescuProdução executiva: Sara Silveira, Maria IonescuDistribuição: Vitrine FilmesDuração: 96 min.

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Escrito por Petterson Costa

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