O Acampamento


O cinema australiano independente nunca decepcionou em entregar thrillers sujos e violentos que, a sua própria maneira, exploravam a condição humana das pessoas, muitas vezes do homem -o "bruto"- moldado à partir do mundo no qual vive. E o mundo visto em O Acampamento é cínico e cruel, numa narrativa imprevisível de suspense e tensão que nunca falha, também, em instalar uma constante sensação de angústia, enquanto nos choca com suas fortes imagens. Se estas escolhas são eficazes na maior parte do tempo, é inegável também a facilidade de provocar o choque com as cenas violentas.

No filme, que é escrito e dirigido por Damien PowerIan (Ian Meadows) e Samantha (Harriet Dyer viajam para relaxar alguns dias num parque natural. O casal encontra um acampamento isolado com apenas um carro e uma barraca vazia. À medida que anoitece e ninguém retorna, os dois passam a se preocupar. E quando descobrem uma criança vagando pela floresta, eles mergulham numa terrível cadeia de acontecimentos, que vai levá-los até o seu limite.




O filme por vezes parece tentar ecoar Violência Gratuita de Michael Haneke, mas, enquanto aquela obra era uma discussão metalinguística sobre o nosso próprio sadismo - e uma desconstrução do thriller de sequestro, onde a esperança lentamente se esvairia e frustrava constantemente não só as tentativas de escapar de seus protagonistas como também as expectativas do espectador, aqui, o sadismo, ou o simples cinismo de seu diretor em relação à humanidade acaba soando meio gratuito, já que nunca parece haver uma real proposta temática por trás disto.

Ainda assim, onde filme tem êxito, ele o tem com maestria. As cenas de suspense, filmadas por Damien e fotografadas por Simon Chapman são responsáveis por manter o espectador aflito na maior parte do tempo, e demonstram um estremo talento de Power, um "novato" em longas metragens. 
O Acampamento tem sucesso em não escancarar de início a natureza vil de seus "antagonistas", como ao incluir, na segunda cena daqueles personagens, um momento de descontração, onde eles fazem piadas entre si e brincam com um cachorro, numa espécie de humanização dos mesmos. Não tarda, porém, para que a inquietação se instale, conforme os eventos não-lineares se desenrolam.




E por falar em não linear, a editora Katie Flaxman merece grandes aplausos, já que os eventos que ocorrem em tempos diferentes aqui são tão eficientes que acabam por evidenciar apenas a falta de eficácia no mesmo recurso utilizado em Dunkirk de Christopher Nolan. Enquanto aquela obra insistia no didatismo (Nolan literalmente escreve as informações em relação ao tempo na tela), aqui elas são feitas sem alardes, e enquanto a trama e seus horríveis eventos se desdobram, mais tenso fica o espectador. Com transições inesperadas que vão revelando eventos que estão fadados a dar errado e são angustiantes por brincar com essas antecipações, elas deixam o espectador envolto  num mal-estar continuo até que toda a esperança se perca (e o sadismo do diretor se evidencia aí).

Porém, o filme acaba sendo um pouco mais complicado, com suas imprevisibilidades. A relação que O Acampamento tem com a violência quase se resolve de forma espetacular, numa ironia cíclica de "dente por dente", da violência começando e terminando em si mesma que elevaria o filme. Porém, numa atitude até pretensiosa, o diretor estica essa "tortura", deixando o filme uns 20 minutos mais longo e essa tortura se torna até fantasiosa, incluindo um aspecto moral logo em seguida que nunca soa realmente sincero, e sim uma inclusão de última hora para atribuir alguma mensagem ao final. O diretor não sabe onde parar.




Ironicamente, se o filme se contentasse com a violência pela violência, à brutalidade primal e selvagem que ganha voz num interessante plano onde um bebê divide o quadro com um cachorro O Acampamento seria mais fácil de se engolir.. Seus personagens, verossímeis e com ótimas atuações, são todos punidos. Se isto é algo deste cinema de gênero, e até mesmo dos thrillers dos anos 70, aqui se sente um certo pretensiosismo, uma perversão e crueldade gratuita. O que Powers quer provar? Que a humanidade é horrível e não merece salvação? Que existe a maldade e pessoas más no mundo e não há moralidade ou heroísmo que o salve?

Alguns filmes não precisam exatamente de uma mensagem, é claro. Mas, se O Acampamento pretende beber no niilismo já visto com filmes melhores de diretores melhores, ele ao menos poderia ser mais claro em relação às suas intenções, que se perdem em tom e falso moralismo nos derradeiros 30 minutos finais.

FichaTécnica
Título Original: Killing Ground, 2016. Direção: Damien Power Roteiro: Damien Power. Elenco Aaron Pedersen, Ian Meadows, Harriet Dyer, Aaron Glenane Trilha Sonora Original: Leah CurtisFotografia:Simon Chapman .Nacionalidade: Austrália. Gênero: Thriller. Distribuidora:  Cineart Filmes. Duração: 88 min. 

Nota: 3,5 de 5 

Escrito por Cauê Petito

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