Sob Total Controle | É Tudo Verdade


O título do documentário Sob Total Controle faz referência à declaração do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após a confirmação do primeiro caso de COVID-19 no país: “É só uma pessoa vindo da China. Nós temos a situação sob total controle. Vai ficar tudo bem”. Caso não tenha ficado claro, a escolha do nome é uma ironia descarada e isso é enfatizado em cada um dos mais de 120 minutos do longa. Nele, epidemiologistas, profissionais de Medicina, jornalistas, gestores e até estagiários dão depoimentos que elucidam como a negligência da resposta de Trump e sua equipe à maior crise sanitária da História moderna foi responsável por transformar uma tragédia anunciada em algo ainda pior do que o esperado.

Não, não é muito cedo pra documentários sobre a COVID, é a pandemia que está durando mais do que deveria, mesmo. E boa parte da culpa por esta realidade é de ideologias negacionistas e discursos anticientíficos que vêm pautando políticas públicas e sendo considerados fatos incontestáveis pelas autoridades responsáveis. Pelo menos é esta a mensagem do documentário de Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger. Devido a isto, a obra pode ser taxada por algumas pessoas como fatalista, exagerada ou “enviesada”. E isso apenas reforça um outro argumento levantado pelo filme: o de que uma questão de saúde foi convenientemente transformada em arma política. São chocantes, as cenas que mostram apoiadores de Trump protestando contra o uso de máscaras de proteção, tossindo no rosto de transeuntes e até mesmo lambendo produtos em prateleiras de supermercado, a fim de provar que o novo coronavírus trata-se de uma farsa. Livremente. Com o aval do próprio presidente e sem nenhuma reprimenda de forças de segurança. Talvez os Estados Unidos realmente sejam o país mais livre do mundo, afinal de contas.


A estrutura e estética de Sob Total Controle se assemelham às de um thriller cheio de suspense e reviravoltas chocantes (ou deprimentes, nesse caso): uma ameaça é descoberta, cientistas alertam o mundo do perigo iminente, políticos minimizam a gravidade da situação, a população permanece alheia ao risco até ser tarde demais. Quanto ao final feliz da história, bom, esse infelizmente ainda não aconteceu. A montagem ágil intercala entre o crescente e frenético clima de tensão e momentos mais contemplativos, traduzindo-se numa empolgante atmosfera cinematográfica. É desta forma que o longa consegue manter a atenção do público por duas horas sem que ninguém se perca entre todos os relatos revoltantes e situações absurdas dos bastidores da pandemia no governo estadunidense. Por vezes, beira a sensação de claustrofobia e paranoia, lembrando ficções que lidam com o mesmo tema, como os inquietantes Epidemia e Contágio. Porém, trata-se da nossa realidade. E isso mais assustador do que qualquer filme de Terror.

Ficha Técnica

Título original e ano: Totally Under Control, 2020. Direção: Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan, Suzanne Hillinger. Nacionalidade: EUA. Duração: 123 min. Idioma: inglês. Classificação indicativa: 14 anos.
É particularmente desesperador assistir Sob Total Controle sendo brasileiro e relembrar como a reação de Trump à crise foi reproduzida fielmente por aqui, desde o desmantelamento de órgãos de saúde e o descrédito pela Ciência até o uso da Cloroquina como uma espécie de Santo Graal, uma muleta ideológica para desobrigar o governo de tomar ações de enfrentamento efetivas. A ironia do título do documentário soa quase que satírica em países que já começam a retomar suas atividades normais, como os Estados Unidos. Para o Brasil, que assiste o filme na 26º edição do Festival ''É Tudo Verdade'' durante o auge da pandemia no país, é profundamente doloroso. Porque, agora, nós somos a piada.

Serviço:
Veja a programação completa disponível aqui.
Serviço
19hrs - Sob Total Controle
Dir. Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger / EUA, 2020, 123’ .
Competição Internacional de Longas

Escrito por Petterson Costa

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