Todo Mundo Ama Jeanne, de Céline Devaux | Assista nos Cinemas

 
“Importar-se com a sua bunda, enquanto o mundo ferve, é uma coisa obscena”! 

Ao contrário do que é anunciado no título deste filme, são poucas as pessoas que realmente gostam de Jeanne Mayer (Blanche Gardin). E é compreensível. Não apenas porque ela foi mal-sucedida numa empreitada tecnológica, mas porque reluta em admitir que é depressiva – ou melhor, que está passando por uma crise de ansiedade, quiçá decorrente da possibilidade de sentir-se culpada pelo suicídio da mãe, Claudia (Marthe Keller). Mas tudo pode mudar depois que ela conhece o cleptomaníaco semi-anarquista Jean (Laurent Lafitte)…

O roteiro da própria diretora Céline Devaux – estreante em longas-metragens e também responsável pelas divertidas animações que representam a consciência de Jeanne – não torna as situações mais fáceis para a protagonista: ao invés de aderir aos clichês encontrados em inúmeras comédias românticas, inclusive francesas, prefere construir um percurso anticlimático, que termina tão inconclusivo quanto começou. Mas paradoxalmente simpático, visto que, como qualquer pessoa, Jeanne também tem o direito de encontrar alguma felicidade. 

Conhecemos a mulher de maneira barulhenta: as vozes que vivem em sua cabeça comportam-se de maneira cínica e histriônica, em relação às suas indecisões e conflitos. Responsável pelo dispendioso projeto de uma máquina destinada a recolher fragmentos plásticos no fundo do mar, Jeanne é submetida a um vexame público, quando as ligas de titânio que seguravam esta máquina são rompidas, no dia de sua inauguração funcional. Endividada e preocupada com os rumos de sua carreira como pesquisadora ambiental, ela é aconselhada por sua advogada a vender o apartamento de sua mãe, em Lisboa. E, a fim de viabilizar esse trâmite, viaja para Portugal, onde conhece o supracitado Jean.

Na verdade, tudo indica que Jean e Jeanne estudaram juntos na juventude. Ela não lembra dele, mas queda fascinada, pouco a pouco, com o descaramento com que ele se comporta nos ambientes (em que geralmente furta algo) e pelas frases de efeito que ele dispara. Exemplos: “as dívidas são uma falácia inventada pelo neocapitalismo” ou “sabia que preto era a cor da esperança para os maias?”. Ela apaixonar-se-á por ele, mas não admitirá: está confusa demais em não reconhecer que sente pena de si mesmo!

Créditos: Le Films du Worso e O Som e a Fúria
A produção iniciou sua jornada em maio de 2022, no Festival de Cannes, onde chegou a ser indicada ao prêmio ''Golden Camera''. Também recebeu indicação na categoria de ''Melhor Filme'' no Festival Lumiere, na França, mas foi laureada como ''Melhor Filme Não-Estadounidense'' na Online Film Critics Society de 2023.


Jeanne tem motivos plausíveis para os seus tormentos psíquicos: sua mãe, de origem alemã, tratava a ela e ao irmão Simon (Maxence Tual) com frieza, além de freqüentemente responsabilizá-los por sua infelicidade. Enquanto organiza os pertences da falecida, com o propósito de vender o apartamento, Jeanne mais de uma vez visualiza o fantasma de sua progenitora, parada, observando-a. A imponente presença de Marthe Keller merece ser elogiada, neste sentido, ainda que ela não possua nenhuma seqüência com falas. 

Atraída por Jean, mas incapaz de admitir, Jeanne permite-se flertar com um lusitano casado, Vitor (Nuno Lopes), fazendo com que os dois homens comecem a disputar a atenção dela, movidos pelo ciúme. Tudo isso, entretanto, é abordado de maneira quase monocórdica, sendo que os únicos rompantes efusivos concentram-se nos desenhos que hipertrofiam os pensamentos da personagem titular ou nas visitas frustradas de corretores imobiliários: em dado momento, parece muito difícil que Jeanne consiga vender aquele apartamento! 

Malgrado não sucumbir a fórmulas fáceis de reencontro, há algo de desejosamente previsível no desfecho do filme, quando passamos a nutrir uma inevitável simpatia pela desanimada protagonista. Torcemos para que seu projeto submarino comece a dar certo – o que sói acontecer, em determinado momento – e, lógico, ficamos felizes quando o romance entre ela e Jean tende a engrenar, contribuindo para isso a graciosidade da sobrinha dele, Theodora (Lisa Mirey), ensinada a repetir que “o trabalho advém de uma palavra latina para tortura”. É um filme sem sobressaltos, mas que talvez conquiste quem o confira sem pretensões e/ou expectativas. Aborda o mal-estar contemporâneo de uma maneira plácida e um tanto aburguesada, mas também carinhosa.

Trailer

Título original e ano: Tout Le Monde Aime Jeanne, 2022. Direção e RoteiroCéline Devaux. Elenco: Blanche Gardin, Laurent Lafitte. Gênero: Comédia. Nacionalidade: França, Portugal. Trilha Sonora Original: Flavien Berger. Fotografia: Olivier Boonjing. Direção de Arte: Artur Pinheiro. Figurino: Marine Peyraud. Produção: Sylvie Pialat, Benoit Quainon, Luis Urbano. Distribuição: Imovision. Duração: 95 min. Classificação: 14 anos.
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Escrito por Wesley Pereira de Castro

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