Ela Disse, de Maria Schrader | Assista nos Cinemas


Ela Disse: a reportagem que ajudou a dar voz a um movimento

Na tentativa de dar voz a diversas mulheres que foram silenciadas a vida toda em seus trabalhos, surgiu em 2017, com o apoio de grandes nomes da indústria de Hollywood, e do mundo inteiro, contra o assédio sexual e a agressão, um movimento de forte teor crítico. Em Ela Disse, da diretora Maria Schrader, vemos o impulsionamento disso, com a jornada de duas repórteres do The New York Times, para produzir um artigo revelando casos verídicos de assédio, este que acabou sendo vencedor de vários prêmios. A produção é baseada no livro ''Ela Disse: Os Bastidores da Reportagem que Impulsionou o Movimento #MeToo'', escrito pelas jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey.

Quando o cinéfilo mais assíduo se dá conta da existência deste filme e lê a sinopse, é muito provável que vá pensar em Spotlight - Segredos Revelados (Tom McCarthy, 2015, texto aquiou ainda em Todos Os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976). E, sem qualquer julgamento prévio, afinal, esses longas foram realmente muito relevantes em suas propostas. Mas incomoda a narrativa romantizada que muitas destas produções sobre jornalismo investigativo, ainda mais sobre um assunto que parece nunca se esgotar, onde os problemas vão sempre o tornando cada vez mais extensos. Contudo, ‘Ela Disse’ não romantiza o trabalho destes profissionais, muito pelo contrário.

Na trama, vemos Megan e Jodi esgotadas com o peso das pautas que perseguiram. Sugadas pelo trabalho e pelo dia a dia. E mesmo que, às vezes, soe forçado, em algumas cenas, o filme trata de mostrar que aquelas jornalistas também eram diretamente afetadas pela investigação. Não só por ser perigoso abordar o assunto, e os homens em questão serem figuras de poder, mas por serem mulheres, terem dupla jornada, sentirem que mesmo que consigam publicar a matéria, nada concreto vai se resolver.

Créditos: Universal Studios    
Carey Mulligan e Zoe Kazan, interpretes de Megan e Jodi, são amigas há 14 anos. Zoe, inclusive, foi madrinha de casamento de Carey.

Megan Twohey, interpretada pela brilhante atriz Carey Mulligan (Bela Vingança, As Sufragistas, O Grande Gatsby) - que sempre está em projetos ligados a pautas feministas - é uma jornalista responsável pela difícil reportagem sobre os assédios ligados ao ex-presidente Donald Trump. Na época, Twohey estava grávida, e chegou a ser ameaçada não só de morte, como também de ser estuprada, através de uma ligação. Quando ela dá a luz, passa a ter depressão pós-parto. Já Jodi Kantor, representada pela atriz Zoe Kazan (Doentes de Amor e Será Quê?), é uma repórter e mãe de duas meninas, que fica encarregada de investigar o caso Harvey Weinstein. Ela acaba se envolvendo emocionalmente, pensando no impacto da cultura machista em suas filhas. O que acontece com a cética Megan, que em sua depressão, sente que tudo implodiu. 

Com o roteiro de Rebecca Lenkiewicz, o filme se baseia em fatos reais, para entregar um produto que pretende mostrar que as vidas dessas repórteres se mistura com a produção da reportagem. O elenco de peso, com Patricia Clarkson (A Mentira) e Andre Braugher (Brooklyn 99), como os editores do jornal, Rebecca Corbett e Dean Baquet. Adicionando ainda Samantha Morton, Angela Yeoh e Jennifer Ehle como algumas das antigas assistentes de Weinstein. O longa consegue dizer a que veio, mas não convence o suficiente, ainda que em certos momentos, conquiste o público.

O problema está em adaptar uma história que ainda é muito recente. Ou em abordar um tópico que envolve muitas atrizes de Hollywood, e quando mencionadas no longa, ou quando aparecem, distraem como se estivessem fazendo cameos divertidos. Quando na realidade, o filme não é sobre algo de tom alegre. Há um momento específico, em que a produção resolve assumir um certo mistério se Gwyneth Paltrow irá ou não aparecer em cena. Mas assim como a possível presença de Harvey, a diretora escolhe mostrar somente as costas das atrizes assediadas. E fica o sentimento de que mesmo que a participação de famosas, como Ashley Judd ou Judith Godrèche, que foram diretamente impactadas pelos crimes de Harvey, cheguem a ser explicitas, não gera tanta credibilidade ao filme, assim como o que acontece a reportagem evidenciada, às vezes, soando robótica demais. Outras atrizes desrepeitadas pelo produtor, como Rose McGowan, que foram primordiais a investigação, tem sua voz interpretada por outra pessoa.

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: She Said, 2022. Direção: Maria Schrader. Roteiro: Rebecca Lenkiewicz - adaptação do livro homônimo de Megan Twohey e Jodi Kantor (veja aqui). Elenco: Carey Mulligan, Zoe Kazan, Patricia Clarkson, Andre Braugher,  Samantha Morton, Angela Yeoh, Jennifer Ehle, Sean Cullen, Maren Heary, Anastasia Barzee, Keilly McQuail, Hilary Greer. Gênero: Drama, história. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Nicholas Britell. Fotografia: Natasha Braier. Edição: Hansjörg Weißbrich. Design de Produção: Meredith Lippincott. Figurino: Brittany Loar. Produtores Executivos: Brad Pitt,  Megan Ellison, Sue Naegle, Lila Yacoub. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração:  02h09min.

O ator Brad Pitt, que tem investido muito na sua carreira de produtor, é listado como produtor executivo. O que deixará muita gente com a pulga atrás da orelha, visto que ele já se relacionou com algumas das atrizes que foram afetadas por Harvey (Gwyneth Paltrow e Angelina Jolie). Não só isto, ambas deram entrevistas públicas sobre o assunto. E isto anterior a Pitt comprar os direitos do livro para produzir o filme, logo, ele foi informado por suas 'ex's'' dos ocorridos. O ator também está no meio de uma polêmica com a ex-mulher, Angelina Jolie, pois contratou um dos ex-advogados de Harvey para o defender nos processos que ambos estão associados em relação ao fim do casamento. Logo, todo seu empenho aqui soa como um ato mecânico, para mostrar que ele é um ''aliado''. Além da ligação de Pitt com Harvey em vários trabalhos cinematográficos, vale ressaltar que por anos a editoria do jornal The New York Times evitou falar negativamente do magnata. Não só por visitas de Harvey ao prédio do folhetim como também por ter um ciclo de amigos poderosos dentro na direção da NBC Universal, NBC News e da MSNBC. Muitos deles envolvidos também em casos de assédio sexual, mas nunca punidos como revela o livro do jornalista Ronan Farrow "Catch and Kill: Lies, Spies, and a Conspiracy to Protect Predators''.

O longa tem seus momentos, como por exemplo, prefere não simular as cenas dos crimes, apesar de escolher fazer cenas conceituais demais no lugar. No entanto, pelo menos, escolhe por não chocar ao apelar para cenas mais gráficas. O apelo da obra fica todo em perceber a aflição de Megan e Jodi ao perseguir a trilha de sofrimento deixada por Harvey e todo o poder dele. Porque no final das contas, existem muitos Harvey Weinstein espalhados pelo mundo. E como as duas protagonistas do longa se perguntam, se mulheres com a plataforma que essas atrizes tinham, foram silenciadas por décadas, o que impede que mulheres comuns continuem sendo silenciadas ainda hoje? É desvendar um caso, enquanto muitos outros estão acontecendo, ou sendo acobertados ao redor do globo. 

O tom reflexivo e até certo ponto, pessimista do filme, não é negativo. Ele não traz um desfecho que resolve todas as pontas da história, até porque, ela está longe de ser resolvida. O caso deste produtor pode ter obtido resultados, mas o que parece é que depois do ápice do movimento #MeToo, o mundo retrocedeu os poucos passos que havia dado.

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Amanda Karolyne

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