3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado


Há muito tempo, das longínquas selvas e savanas da África, vieram os escravizados, acorrentados nos porões dos navios negreiros. Com as angústias de seu desterro forçado, trouxeram nas suas mentes e em seus corações seus deuses protetores, os orixás. Xangô, Oxum, Iansã e muitos outros. Esses deuses os acalentaram na travessia do mar, no trabalho forçado e nas torturas dos seus “senhores” brancos. Essa história de resistência e bravura continuou após a abolição da escravidão. As religiões de matriz africana continuaram sendo perseguidas. Aos negros, aos pardos, aos indígenas, aos brancos pobres, não era permitido demonstrar sua fé nem suas cerimônias.

Na Bahia do século XX, uma chefe de terreiro, a Mãe Aninha, no Ilê Axé Opô Afonjá, em 1936, criou o termo honorífico de "Obá de Xangô". Essa honraria só seria dada a grandes figuras da sociedade que fossem a ponte entre o mundo patriarcal branco e os terreiros de candomblé e umbanda. Os honrados em Salvador com essa grande distinção foram o escritor Jorge Amado, o compositor e cantor Dorival Caymmi e o artista plástico argentino Carybé, grandes amigos e defensores das religiões afro-americanas.

O documentário " Obás de Xangô", dirigido por Sérgio Machado em 2024, conta essa linda história de amizade entre esses grandes artistas e sua defesa dos terreiros e do direito à liberdade religiosa. Machado, também responsável pelos filmes Cidade Baixa (2005), Quincas Berro d´Água (2010) e O Rio do Desejo (2022), era amigo pessoal de Jorge Amado e o documentário é uma visão íntima e particular desse trio que ajudou a criar o mito da baianidade para todos os brasileiros e, até mesmo, para o exterior. Essa abordagem pessoal conquista tanto o espectador que a produção ganhou os prêmios de audiência no Festival de Tiradentes 2025, de "Melhor Documentário", do Festival Internacional do Rio de 2024, e de "Melhor Documentário" na Mostra Internacional de São Paulo também na edição de 2024.

      Crédito de Imagens: Coqueirão Filmes e Janela Do Mundo | Gullane+ - Divulgação
Em 2024, Sérgio Machado foi um dos roteiristas da série “Cidade de Deus - A Luta Não Para”, lançada na Max. Já em 2025, apresenta no Disney+ a série “Maria e o Cangaço”, que escreveu e dirigiu.

Sob as bençãos de Xangô, o orixá da justiça, dos trovões e do fogo, as estórias vão se sucedendo contadas pelos três obás. E cada uma mais deliciosa que a outra! O documentário utiliza muitas filmagens caseiras ou excertos de outros filmes, aí nos deliciamos com as falas de Zélia Gattai, Glauber Rocha, Mãe Menininha de Gantois e muitos outros, a nata da bahianidade da época. Além dessas cenas de um passado glorioso, há depoimentos atuais de grandes nomes da Bahia contemporânea, como Itamar Vieira Júnior. O documentário exala brasilidade na sua versão mais negra, a bahianidade de Salvador e de seus muitos artistas e figuras religiosas e míticas. 

Trailer


Ficha Técnica 
Título Original e Ano: 3 Obás de Xangô, 2024. Direção: Sérgio Machado. Roteiro: Sérgio Machado, Gabriel Meyohas, Joselia Aguiar e André Finotti. Com a participação de: Jorge Amado, Dorival Caymmi, Carybé, Camafeu de Oxóssi, Mãe Stella de Oxóssi, Gilberto Gil, Muniz Sodré, Gildeci Leite, Balbino Daniel de Paula, Ayrson Heráclito, Tiganá Santana, Maria Lúcia de Santana Neves, Solange Bernabó, Paloma Amado, Lázaro Ramos, João Jorge, Itamar Vieira Jr., Goli Guerreiro, Dori Caymmi, Danilo Caymmi. Gênero: Documentário, história. Nacionalidade: Brasil. Direção de fotografia: Toca Seabra. Montagem: André Finotti. Som: Priscila Alves e Dudoo Caribe. Produtora: Coqueirão Pictures. Coprodutoras: Janela do Mundo, Globo Filmes e GloboNews. Produção: Diogo Dahl. Coprodução: Claudia Lima. Produção executiva: Maria Fernanda Miguel.Patrocinador: Global Participações em Energia. Distribuição: Gullane+. Duração: 01h15min.

As histórias de perseguição e racismo recontadas machucam e lembram o espectador de um presente não muito auspicioso. Mas o que enleva e acalenta é o depoimento de resistência nas artes e religiões desse Brasil tão autêntico, tão criativo e sincrético. Em que outro país do mundo teríamos um argentino como Carybé como Obá de Xangô? Esse é o Brasil que luta muito, que se diverte e que resiste, agregando todos os homens de boa vontade e de bom coração! Viva o Brasil! 

Inebrie-se de brasilidade assistindo esse grande documentário nos cinemas de todo o país! 

Nota: 8/10

Escrito por Marcelino Nobrega

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