A Longa Marcha - Caminhe ou Morra, de Francis Lawrence

 
Nos anos 70, literatura e cinema se encontravam para prever temáticas que ganhariam grande destaque no futuro, como os “reality shows”. O saudoso diretor Sidney Lumet entregou ao público “Rede de Intrigas”, em 1976. A obra, vencedora de quatro prêmios Oscar (Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro Original), apresentava um cenário em que a vida de um jornalista em surto era explorada para alavancar a audiência. Anos mais tarde, em 1979, o escritor Stephen King, sob o pseudônimo de Richard Bachman, lançava o livro “A Longa Marcha”. O texto, de forte teor distópico, imaginava um Estados Unidos onde jovens eram obrigados a competir por um prêmio em dinheiro, participando de uma caminhada exaustiva. Aqueles que não suportavam a prova eram imediatamente eliminados, e mortos ali mesmo. King talvez bebendo da fonte de Lumet e inspirado pela situação da Guerra do Vietnã, presenteou as prateleiras de livros com uma trama reflexiva e sangrenta. 

Anos mais tarde, tanto nas telonas quanto nas livrarias, a temática retornou inúmeras vezes. Nos anos 90, por exemplo, “O Show de Truman” (Peter Weir, 1998) e “Ed TV” (Ron Howard, 1999) discutiram a exposição da vida em uma era prévia às redes sociais. Já nos anos 2000, livros como “Jogos Vorazes” (Suzanne Collins, 2008) trouxeram o tema com grande vigor. Antes disso, o próprio Stephen King já havia abordado o assunto em “O Sobrevivente” (1982), assim como outros autores: Orson Scott Card (“Ender’s Game”, 1985), Max Barry (“Jennifer Government”, 2003) e Neil Postman (“Amusing Ourselves to Death”, 1985). Agora, em 2025, o diretor Francis Lawrence, responsável pela trilogia Jogos Vorazes, aliado ao roteiro de J.T. Mollner (Desconhecidos, 2023), nos faz retornar a esta história potente escrita por King em tempos bem diferentes, mas não tanto assim.

O filme se inicia revelando que o jovem branco e pouco atlético Raymond Garraty, interpretado por Cooper Hoffman, se juntará a mais quarenta e nove meninos para participar da “Marcha”. Sua mãe, Ginnie (vivida por Judy Greer, atriz conhecida por viver "a amiga da protagonista" em comédias românticas), se frustra com o chamado do Estado. O garoto, no entanto, decide ir, assim como muitos outros, pois todos sabem que, no fim, haverá um vencedor de uma grande bolada em dinheiro, capaz de tirar a família da miséria. A chegada ao local de partida é comovente, mas, assim que Garraty se desfaz do abraço materno, logo conhece Peter McVries (David Jonsson), Arthur Baker (Tut Nyuot), Hank Olson (Ben Wang), Stebbins (Garrett Wareing), Collie Parker (Joshua Odjick), Gary Barkovitch (Charlie Plummer), entre outros. Com Peter e Arthur, a conexão é imediata e, em seguida, Hank também se aproxima. O restante permanece mais reservado, todavia, quem logo se destaca é Barkovitch, por se mostrar um péssimo companheiro de jornada. O Major (Mark Hamill) aparece com seu pelotão e detalha as regras do jogo/caminhada que será visto por todo o país. Os garotos ganham então números. Garraty se torna #47, McVries #23, Arthur #6, Hank #46, Collie #48, Stebbins #38, Barkovitch #5. 

Aos poucos, a tensão cresce com o pelotão de meninos sendo eliminado a cada problema durante a corrida, seja por uma ida demorada ao banheiro, por um pé quebrado ao descuidar-se de empecilhos na pista ou até por um colega que passa a atormentar o outro. A surrealidade invade a vida desses jovens adultos e a ferocidade pela sobrevivência torna-se algo inestimável para eles. Garraty e McVries criam um laço sem igual, enfrentando juntos as situações e tentando oferecer apoio mútuo. No entanto, em uma competição como essa, o final não pode ter dois vencedores: apenas um poderá concluir aquilo que todos aqueles sonhadores, nervosos e amedrontados, começaram ao sair de casa naquela manhã de sol.

Crédito de Imagens: © 2025 Lionsgate
O filho do ator falecido Philip Seymour Hoffman, Cooper, estrela seu quinto filme na indústria

Uma obra com texto base de Stephen King pode chegar a muitos lugares e esta literalmente percorre um país e deixa marcas profundas. O pensar de um futuro com autoridades ditatoriais e sinistras liderando torneios expositivos que levam a morte são absurdos e necessários, ao mesmo tempo, visto que o solo "yankee" é neste momento um local assombrado por quem o lidera. 

King sempre foi um autor que, sem precisar de qualquer “puxão de orelha”, trouxe representatividade em seus personagens. Aqui, os garotos vêm de todos os lugares e origens - indígenas, afro-americanos ou asiáticos. A diversidade é ampla e revela muito sobre os mundos que cada um compartilha ao falar de sua vida ao colega, enquanto tenta não perder o passo e seguir o percurso com rapidez (no livro, 6,5 km/h; já no filme, 4,8 km/h). O roteiro vem com menos força que o livro quando ameniza o surgimento de um amor gay entre os protagonistas e altera o final para caber na realidade de 2025 - escolha autorizada e rechaçada pelo autor, algo talvez inédito.

O mundo masculino toma força. Só há papel para uma mãe triste e amedrontada com o futuro de sua família, que já foi antes perturbada pelo mesmo sistema. O terror é crescente e é o sorriso e brilho contagiante de McVries que dá força ao grupo. Do Major, aos poucos, podres vão caindo por terra. Ou até da própria marcha. E o sistema, apesar de acabar em pé, treme nas bases com o que o os garotos conseguem impactar um no outro. 

Trailer



Ficha Técnica

Título Original e Ano: The Long Walk, 2025. Direção: Francis Lawrence. Roteiro: JT Mollner — baseado no romance de Stephen King (sob pseudônimo Richard Bachman). Elenco: Mark Hamill, Garrett Wareing, Cooper Hoffman, David Johnson, Tyt Nyuot, Roman Griffin Davies, Judy Greer, Ben Wang, Charlie Plummer, Teagan Stark. Gênero: Distopia, Drama, Suspense. Trilha Sonora Original: James Newton Howard. Figurino: Michael Wilkinson. Design de Produção: Nicolas Lepage. Fotografia: Jo Willems. Edição: Peggy Eghbalian e Mark Yoshikawa. Figurino: Heather Neale. Direção de Arte: Kathy McCoy. Produção: James Vanderbilt, Bradley J. Fischer, William Sherak. Produção Executiva: Stephen King, Francis Lawrence. Empresas Produtoras: New Line Cinema, Vertigo Entertainment, Temple Hill Entertainment, Catchlight Studios, 3 Arts Entertainment. Distribuição: Paris Filmes. Duração: Idioma original: Inglês. Duração: 130 min. Classificação indicativa: 16 anos.

A trilha sonora de James Newton Howard circula todo o filme e deixa o espectador agoniado em vários momentos. Há quentura na fotografia, mas também há escuridão, contrastes que traduzem com precisão o momento crítico vivido pelos meninos ao longo da narrativa.

O elenco está extremamente bem escalado e cumpre seu papel com força. Cooper Hoffman e David Johnson ganham grande destaque, enquanto Charlie Plummer, Tyt Nyuot, Ben Wang e Mark Hamill se revelam forças coadjuvantes incríveis. Hamill, em especial, talvez nunca tenha interpretado um vilão tão bossal e indigesto em sua carreira e entrega uma atuação tão marcante que até renova o olhar sobre sua trajetória a esta altura do campeonato.

Uma das estreias mais impactantes da semana.

Avaliação: Quatro longas conversas sobre os dias atuais (4/5).

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Bárbara Kruczyński

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