“Tu sabias que é meio que falta de educação chegar ao trabalho com o cabelo molhado?”
Em seu primeiro trabalho cinematográfico, o curta-metragem “Mini Miss” (2018), a realizadora britânica radicada em Pernambuco Rachel Daisy Ellis capta, com muita acurácia, o desconforto associado a um concurso de modelos infantis, em que as garotinhas estão muito mais interessadas em brincar que em desfilar ou serem maquiadas. Sem interferir diretamente naquilo que é registrado (as entrevistas com os produtores dos eventos, as ameaças ou promessas das mães das meninas, as traquinagens típicas da idade), a diretora constrói o seu ponto de vista crítico através de uma excelente montagem. Em sua estréia em longa-metragem, ela opta por um projeto ainda mais ousado…
Ao perceber que, no Brasil, os motéis são “a maior instituição sexual”, a diretora filma a si mesma, de sutiã e calcinha, num prólogo, hospedada num quarto de nome Cupido, ouvindo gemidos eróticos e conversas abafadas nos quartos vizinhos. Com isso, ela declara o seu intento de saber o que acontece na intimidade daqueles ambientes, pedindo a alguns freqüentadores que filmem as suas respectivas visitas aos motéis, sejam sozinhos, em duplas ou em grupos, eventualmente.
Através de dez segmentos com distintas formações de “casais”, incluindo os registros de solidão que abrem e fecham o filme, “Eros” (2024) não esconde o artifício elementar de sua produção. Ou seja, as pessoas que estão ali para fazerem sexo não apenas estão conscientes de que suas atividades serão registradas pela câmera, mas se esforçam para obterem os melhores planos: escolhem enquadramentos e cenários, evitam desfocar a imagem e, nalguns casos, chegam a realizar confissões, olhando diretamente para a câmera.
Neste sentido, o longo monólogo da travesti Fernanda Falcão chama a atenção pela contundência de seu relato, em que fala sobre quando foi expulsa de casa e sobre a decisão de trabalhar como prostituta, a fim de custear os seus estudos universitários no curso de Enfermagem. Hoje, ela é uma militante conhecida dos Direitos Humanos, ainda que, conforme percebemos em seu segmento no filme, nem sempre consegue estar ao lado do grande amor de sua vida…
Ao perceber que, no Brasil, os motéis são “a maior instituição sexual”, a diretora filma a si mesma, de sutiã e calcinha, num prólogo, hospedada num quarto de nome Cupido, ouvindo gemidos eróticos e conversas abafadas nos quartos vizinhos. Com isso, ela declara o seu intento de saber o que acontece na intimidade daqueles ambientes, pedindo a alguns freqüentadores que filmem as suas respectivas visitas aos motéis, sejam sozinhos, em duplas ou em grupos, eventualmente.
Através de dez segmentos com distintas formações de “casais”, incluindo os registros de solidão que abrem e fecham o filme, “Eros” (2024) não esconde o artifício elementar de sua produção. Ou seja, as pessoas que estão ali para fazerem sexo não apenas estão conscientes de que suas atividades serão registradas pela câmera, mas se esforçam para obterem os melhores planos: escolhem enquadramentos e cenários, evitam desfocar a imagem e, nalguns casos, chegam a realizar confissões, olhando diretamente para a câmera.
Neste sentido, o longo monólogo da travesti Fernanda Falcão chama a atenção pela contundência de seu relato, em que fala sobre quando foi expulsa de casa e sobre a decisão de trabalhar como prostituta, a fim de custear os seus estudos universitários no curso de Enfermagem. Hoje, ela é uma militante conhecida dos Direitos Humanos, ainda que, conforme percebemos em seu segmento no filme, nem sempre consegue estar ao lado do grande amor de sua vida…
Crédito de Imagens: Desvia Productions e Ponte / Fistaile - Divulgação
O longa participou do Festival dinamarquês CPH DOX, em março deste ano, e chegou a receber indicação ao prêmio ''NEXT:WAVE''
Sem a pretensão de aderir ao registro pornográfico – o que afasta este tipo de acusação, por conta de detratores hipócritas –, as cenas de nudez ou sexo explícito, neste filme, surgem enquanto confirmação da intimidade existente naqueles quartos, de modo que a diretora não hesita em borrar a genitália de um dos participantes do projeto – a pedido do mesmo, tudo indica. À diretora, interessa o modo como aquelas pessoas reagem ao ambiente, defendem a necessidade de freqüentação daqueles espaços, conversam antes e depois da transa. Confirmando isso de maneira primorosa, citamos tanto as ótimas conversas do casal de meia-idade que se apresenta ao som de “Coming Around Again”, de Carly Simon, escolhida na ‘playlist’ de músicas românticas do motel, e brincam que ambos não cabem na banheira de hidromassagem, quanto a ansiedade do casal que deseja interagir com os ocupantes de quartos contíguos, mas ninguém aceita o convite de ‘swing’ que eles propõem...
Quase como se fosse uma surpresa, é muito interessante que o casal homossexual (Gabriel Soares & Hagar) encete uma demorada conversação sobre questões religiosas, após lamentar “a falta de putaria específica para viados” na TV do motel, além de ouvir uma canção ‘gospel’ no quarto. Hagar comenta que são raros os membros da comunidade LGBTQIA+ que tiveram “o privilégio de transar deitados” e complementa que o prazer erótico não deveria ser excluído das necessidades básicas que deveriam ser providas pelo cristianismo. Graças a uma intenção estudada da montagem, os dois segmentos posteriores dão continuidade a este intento: seja quando o casal evangélico afirma que “do Gênesis ao Apocalipse, em toda a Bíblia não há nenhuma menção aos motéis”, mas defende este tipo de ambiente como necessário para se refugiar da rotina doméstica, ou quando duas amigas aderem a um fetiche católico (uma freira fantasiando com a nudez do padre, durante o simulacro de uma confissão), a fim de chuparem juntas o pênis do homem que está no quarto com elas.
Se, por um lado, o segmento do casal sadomasoquista revela-se primoroso, na maneira inteligente e sensível com que eles refletem acerca das perseguições diuturnas advindas das convenções de etiqueta – e, ao mesmo tempo, demonstrando uma cumplicidade encantadora –, por outro, a diretora não é tão exitosa na exposição dos dois últimos segmentos, ainda mais confessionais que os anteriores: num deles, um cinquentão de nome Paulo conversa sobre as frustrações de casamentos anteriores com uma garota de programa; e, no outro, um artista apelidado Luís de Basquiat chora ao imaginar que “terá de masturbar-se para sempre”. Excessivamente verborrágicos, esses dois últimos segmentos inserem uma elevada quota de tristeza ao filme, o que reverbera na oportuna canção executada nos créditos finais, “Motel Afrodite”, na voz da saudosa Marília Mendonça [1995-2021]. Para quem já visitou ou não um quarto de motel, este filme é fascinante em seu quociente ofertado de alteridade!
Trailer
Ficha Técnica
- Título original e ano: Eros, Direção e Argumento: Rachel Daisy Ellis. Participantes & Filmagens: Marlova Dornelles & Andrade, Gabriel Soares & Hagar, Joana & José dos Santos, Ale Gaúcha & amigos, Fernanda Falção & Ribersson, Camila & Heber, Barbara Drummond & Paulo Vela, Luis de Basquiat, Rachel Daisy Ellis. Pesquisadores: Victoria Alves, Bruna Leite, Chico Ludemir, Chico Ludemir, Vanessa Forte, Maria Clara Escobar, Fernanda Luá, Tainã Aynoã dos Santos Barros, Mayara Sanchez, Laura Dornelles. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Montagem: Matheus Farias, Edt. Desenho de som: Nicolau Domingues. Mixagem: Nicolau Domingues e Mauricio D´Órey. Assistência de direção: David Moura, Everton Federico, Hellyda Cavalcante. Assessoria de Imprensa: Sinny Assessoria. Produção: Dora Amorim, Rachel Daisy Ellis. Empresa Produtora: Desvia. Coprodução: Ponte. Distribuição: Fistaile. Cartaz: Guilherme Luigi. Trailer: Matheus Farias e Will Oliveira. Duração: 01h48min.
A produção chega ao CINE BRASÍLIA esta semana e contou com pré estreia em Brasilia, São Paulo e Recife nas últimas semanas.
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