Oh Canadá, de Paul Schrader


Leonard Fife é um documentarista famoso, reverenciado por todos por ter se negado a combater na Guerra do Vietnã e por sua procura incessante pela justiça. Em estado terminal devido um câncer avançado, resolve relatar sua vida para um casal de documentaristas, antigos pupilos seus. Em frente à sua esposa Emma (Uma Thurman) e à câmera de cinema, sua verdade pessoal é contada, sem linearidade, em flashbacks desnorteantes, e entrecortada de alucinações devido a medicação que está tomando. Nesta dolorosa despedida, a vida de um ser complexo e cheio de falhas vai sendo narrada, num último acerto de contas com a vida.

Acompanhamos então sua juventude sem compromisso, seus três casamentos, sua fuga para o Canadá para escapar da convocação para a guerra do Vietnã, sua carreira como diretor genial de documentários. O que é verdade nessa narração? O que é mentira? O narrador não é confiável; as medicações o tornam confuso, apenas fiapos de verdade são revelados pelos olhos de outros, especialmente a esposa e o filho abandonado do segundo casamento, Cornel (Zach Shaffer), rejeitado pelo pai numa cena particularmente dolorosa. O narrar dos fatos revela um outro Leonard, nem tão justo nem tão passível de reverências.

Apresentado no Festival de Cannes 2024, o filme ''Oh, Canadá'' é um profundo e adulto estudo de personagem. Leonard, excelentemente interpretado por Jacob Elordi na juventude e por Richard Gere na maturidade, é um ser complexo, ora genial em sua arte, ora sórdido em suas atitudes, ora corajoso em suas decisões, ora covarde em suas fugas. Essa multiplicidade de personas é comum na vida de qualquer adulto. As pessoas são complexas e suas ações e atitudes contradizem-se o tempo todo. 

    Crédito de Imagens: Foregone Film PSC, Fit Via Vi Film Productions, Lucky 13 Productions, Ottocento Films, SIPUR e Vested Interest / Califórnia Filmes - Divulgação
'Oh, Canadá'' marca a terceira vez do dirtor no Festival de Cannes. Os outros dois filmes foram Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos (1985) e O Sequestro de Patty Hearst (1988).


Para o espectador fica no final do longa-metragem a impressão que se conhece pessoalmente o protagonista. Suas verdades mais íntimas são reveladas. Essa complexidade o faz às vezes dar a impressão de ser asqueroso, mas no final percebe-se um ser frágil que foge do sofrimento e da responsabilidade. Infelizmente, essa corrida eterna chega ao fim, a morte chega, e seu último sussurro no leito de morte, “Oh, Canadá”, reverbera até quando acaba o filme. O falecimento então seria a última jornada, a fuga do sofrimento da doença.

Paul Schrader, diretor e roteirista, é uma das lendas do cinema atual. Realizador de ''Gigolô Americano'' (1980), também com o astro Richard Gere, de ''Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos'' (1985), de ''Temporada de Caça'' (1997), de ''Fé Corrompida'' (2017) e muitos outros, além de roteirista lendário de ''Taxi Driver'' (1976), de Martin Scorcese, sua obra é pautada por temas complexos e personagens dúbios. Esse direcionamento transforma seus filmes em radiografias da contemporaneidade. Narrativas às vezes difíceis de se assistir por sua dificuldade de tema inerente, mas essenciais para se entender o momento atual.


 Trailer
 

Ficha Técnica
 
Título original e ano: Oh, Canada, 2024. Direção: Paul Schrader. Roteiro: Paul Schrader, baseado no livro Foregone, de Russell Banks. Elenco: Richard Gere, Uma Thurman, Jacob Elordi, Victoria Hill, Michael Imperioli, Caroline Dhavernas, Penelope Mitchell, Kristine Froseth, Megan MacKenzie, Peter Hans Benson, Scott Jaeck, Cornelia Guest. Gênero: Drama. Nacionalidade: Canadá, EUA, Israel. Fotografia: Andrew Wonder. Montagem: Benjamin Rodriguez Jr. Direção de Arte: Deborah Jensen. Figurino: Aubrey Laufer. Música: Phosphorescent. Casting: Scotty Anderson e Avy Kaufman. Produtoras: Foregone Film PSC, Fit Via Vi Film Productions, Lucky 13 Productions, Ottocento Films, SIPUR e Vested Interest. Produção: Tiffany Boyle, David Gonzales, Meghan Hanlon, Scott LaStaiti e Luisa Law. Distribuição no Brasil: California Filmes. Duração: 91 min.
 
No mundo atual de pós-verdades, o compromisso do moribundo é firmar sua autenticidade frente à amada esposa, utilizando o cinema, a máquina por excelência das mentiras, da ficção. E, nesse derradeiro esforço de contar seu verdadeiro eu, logo após morrer, mas tendo deixado seu testemunho de imperfeição. O desnudamento do personagem revela um ser dúbio, imperfeito, mas muito humano, e essa confissão é um abalo à persona pública que ele mantém e que o faz ser admirado por todos. Este é principal tema do roteiro excelente, uma adaptação do livro de mesmo nome do escritor americano Russel Banks, corroteirista do filme.

A grande vantagem de um cinema para plateias adultas é despertar essas inquietações. Discussões sobre verdades e ilusões permeiam a contradição que é esta contemporaneidade, onde a artificialidade e a mentira estão sobrepujando a realidade. Paul Schrader, como grande diretor, passou sua mensagem neste filme. A verdade é essencial para se continuar vivendo. 
 
Nota: 8/10. 
 
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS 

Escrito por Marcelino Nobrega

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