Quando Zack Snyder trouxe sua versão do Super-Homem às telonas em 2013, com Homem de Aço (leia aqui), provocou uma grande polêmica que marcou uma geração de fãs de filmes baseados em super heróis de HQs. O tom soturno e melancólico dado ao personagem surpreendeu uma parcela significativa dos fãs mais nostálgicos das adaptações anteriores e as cenas que mostram o personagem destruindo a cidade sem medir consequências e até mesmo assassinando o vilão chocaram parte do público. Essa antítese era ainda mais evidente à época devido ao então sucesso estrondoso da produtora concorrente com seus filmes formulaicos, leves, divertidos e cheios de piadinhas que parecem (ainda hoje) ser escritos por uma criança de doze anos. Fato é que, de lá pra cá, o formato começou a perder forças e a DC viu nisso uma chance de rebootar sua tentativa fracassada de criar um universo compartilhado. Para tal tarefa chamaram o já exitoso James Gunn (Guardiões da Galáxia, 2014-2022), diretor que, aliás, estava no time da distribuidora concorrente, para lançar aquele que tem como tarefa ser o primeiro de muitos filmes do DCU. Superman chega aos cinemas no ano de 2025 e se propõe a ser a antítese do que vimos em 2013, com um filme leve e sem deixar de ser ambicioso. O amado herói é interpretado na mega produção por David Corenwest (Grandes Hits, 2024).
A história base a maioria das pessoas já conhece: uma nave alienígena aterriza na Terra trazendo um bebê que coincidentemente caiu em uma fazenda no Kansas. Essa criança com poderes sobre-humanos cresce e se torna o Superman, defensor dos oprimidos, símbolo da justiça, esperança e idealismo pela paz. Acontece que a paz para alguns não é a mesma paz para outros. Logo, ao interferir em um conflito armado de duas nações (fictícias), o homem de aço vira alvo do governo dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que precisa lidar com sua relação complicada com a repórter Lois Lane, vivida aqui maravilhosamente bem por Rachel Brosnahan. Outrora esse plot teria sido apenas mais uma história de governos corruptos e interesses escusos, mas no cenário geopolítico global atual as figuras vilanescas são quase arquétipos do mundo real.
O fato de o presidente deste país não real, titulado 'Borávia', ter um idioma muito semelhante aos ouvidos ao de um falante de uma língua eslava não é uma mera coincidência. O filme está direcionando o espectador a condenar a invasão russa na Ucrânia, mostrando sempre a população de Jahanpur como pessoas despreparadas e indefesas. Não é a primeira e nem será a última vez que a máquina de propaganda estadunidense usa o entretenimento a seu favor para passar uma mensagem política. Mas dessa vez específica, há uma particularidade irônica. A mensagem pode ser interpretada também como uma crítica à invasão de Israel à Palestina, seja pela diferença descomunal de forças entre as duas nações fictícias ou pelo financiamento que Borávia (ironicamente aliados do Pentágono) recebe do governo dos EUA.
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: Superman, 2025. Direção: James Gunn. Roteiro: James Gunn - baseado nos personagens criados por Jerry Siegel & Joe Shuster. Elenco: David Corenswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Edi Gathegi, Anthony Carrigan, Nathan Fillion, Isabela Merced, Pruitt Taylor Vince, Neva Howell, Wendell Pierce, Alan Tudyk, Bradley Cooper, Angela Sarafyan, Will Reeve. Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica. Nacionalidade: Estados Unidos. Trilha Sonora Original: John Murphy & David Fleming. Fotografia: Henry Braham. Edição: William Hoy & Craig Alpert. Design de Produção: Beth Mickle. Direção de Arte: Drew Monahan, Alex McCaroll, Samantha Avila, David Scott. Figurinista: Judianna Makovsky. Empresas Produtoras: DC Studios; Troll Court Entertainment; The Safran Company. Distribuidora: Warner Bros. Pictures. Duração: 129 minutos:2h09min. Idioma: Inglês.
Esse financiamento de guerra vem da Lexcorp, empresa do vilão e multimilionário Lex Luthor papel de Nicholas Hoult. Aqui apresentado como um homem muito inteligente e que está sempre dois passos à frente dos oponentes. Indo na contramão do arquétipo de anti-herói que virou sensação em todos os lugares nos últimos tempos, o Lex Luthor desse filme é simplesmente ambicioso e invejoso. Não existe um trauma de infância, uma razão maior ou o que quer que seja. Ele apenas quer destruir o Superman. E isso não torna o personagem raso, muito pelo contrário, é muito refrescante ver um vilão apenas sendo vilão em toda sua futilidade motivacional e inteligência megalomaníaca.
A relação entre Lois e Clark (disfarce civil do Superman) é o ponto alto do filme, pois não temos simplesmente o romance pelo romance. Os diálogos entre os dois são usados para trabalhar toda a temática que o enredo apresenta, uma, inclusive, que pode ser resumida em: como fazer o que é certo em um mundo incerto? Ao mesmo tempo que o tema central é desenvolvido, o roteiro (também de James Gunn) foca nas inseguranças dos jovens repórteres do Planeta Diário em viver um romance interespécies e todas as implicações políticas e sociais da existência de um ser poderoso entre mero mortais. E isso não vem apenas das interações com Louis. As interações com os pais adotivos de Clark sempre servem à trama e a sua mensagem principal.
David Corenwest se livra da melancolia e traz um Superman mais humano e menos alienígena e que, de fato, convence em seu disfarce (não é apenas um óculos, afinal) e em suas motivações. A outrora atuação sisuda e pouco inspirada de Henry Cavill é substituída pelo frescor inconsequente de um homem apaixonado pela humanidade e bem intencionado em suas ações. Aqui não faltam cenas onde o filho de Jor-el e Lara, que ganham vida com as interpretações de Bradley Cooper e Angela Sarafyan, salva as pessoas da morte. E a volta da cueca por cima da calça vem da tentativa de deixar o realismo de lado e abraçar o tom mais cartunesco da coisa. Dito isto, o filme tem um tom ameno e cenas genuínas de comédia, muito pela estranheza de determinadas situações. A adição do super cão, Krypto, serve para humanizar o herói e não é colocada a mero alívio cômico. O personagem tem função narrativa nítida no meio da salada de caos de arcos e mais arcos que se amontoam.
O filho do ator Christopher Reeve, Will, faz cameo na produção como um dos apresentadores de telejornais e esta é a quarta experiência do filho do primeiro #Superman atuando
A sensação é de que, apesar de ser um roteiro competente em apresentar o universo em questão e seus diversos personagens coadjuvantes (cada um com sua personalidade e particularidades) em um único filme, este sofre com uma narrativa desnecessariamente inchada e com elementos tão diversos que, por vezes, causam certa confusão. Existe sim, algum mérito de James Gunn em ter conseguido essa proeza mas é inegável que ele se sai melhor em filmes mais contidos e sem um escopo de ambição tão grande como na releitura de Esquadrão Suicida de 2021. Às vezes se ater ao simples é o que separa um filme da diferença entre ser bom e ser excelente. E aqui temos, com certeza, um bom filme.
A equipe de heróis (Gangue da Justiça) que, vez ou outra, aparece para dar suporte ao Superman composta pelo Lanterna Verde (Nathan Fillion), Mulher Gavião (Isabela Merced) e Senhor Incrível (Edi Gathegi) funciona bem dentro da proposta do heroflick para criar o senso de união que existe em torno da figura do Superman. Esses personagens têm funções coringa dentro da narrativa e servem claramente ao desejo de expandir o plot para mais aventuras no futuro. A inserção de Metamorfo (Anthony Carrigan) como membro da equipe é executada de forma gradual e convincente e os fãs da DC com certeza estarão preparados e situados com o que vem por aí. Gunn é especialista em dar luz a personagens e equipe pouco prováveis e não desperdiçou aqui a oportunidade.
James Gunn apresenta um Superman leve, espirituoso e, muitas vezes, desnecessariamente ambicioso. Os diversos personagens têm função clara dentro do filme e servem ao propósito evidente de expandir a franquia. A direção bem articulada dá coesão ao longa, mas não apaga a sensação de inchaço de subtramas e personagens. Ainda é cedo para afirmar que o diretor salvou a DC, todavia, certamente há aqui um bom e refrescante recomeço.
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