“Às vezes, a menor das criaturas pode ensinar as maiores lições.”
Sob a direção sensível de Peter Cattaneo (de Ou Tudo ou Nada), e com o roteiro inteligente de Jeff Pope (Philomena), Lições de Liberdade chega aos cinemas nesta quinta-feira (24/07) camuflado sob a aparência de um drama leve, mas entregando, na verdade, uma história comovente, pungente e necessária — uma daquelas raras obras que, ao final, deixa o espectador em silêncio, digerindo as lições que ultrapassam a tela.
O longa é ambientado na Argentina de 1976, em pleno início da ditadura militar instaurada pelo “Processo de Reorganização Nacional”, período sombrio e traumático da história latino-americana. Enquanto o país mergulha em um abismo de repressão, censura, tortura e desaparecimentos, somos apresentados a um protagonista que, à primeira vista, parece alheio a tudo isso: o professor britânico Tom Michell, interpretado com delicadeza e precisão por Steve Coogan.
Tom, um homem de hábitos discretos e emoções comedidas, aceita um posto como professor de inglês em uma escola voltada à elite argentina, onde a ordem é ensinar sem se envolver. A direção da escola, representada pelo diretor Buckle (Jonathan Pryce), confia que Tom saberá se manter neutro em tempos de extrema polarização. Mas o mundo real — aquele que pulsa, grita e chora ao redor dos muros da escola — insiste em atravessar as barreiras da conveniência e da indiferença.
É nesse cenário conturbado que um gesto inusitado muda tudo: durante uma viagem ao Uruguai, Tom encontra um pinguim coberto de óleo, à beira da morte. Movido por um impulso quase infantil de heroísmo — e, sim, também pelo desejo de impressionar uma mulher — ele decide resgatar o animal. O romance humano não sobrevive, mas do resgate nasce uma conexão inesperada: Juan Salvador, o pinguim, torna-se não apenas seu companheiro de jornada, mas uma metáfora viva da resistência, da inocência e da liberdade.
Crédito de Imagens: Nostromo Pictures, 42, Aperture Media Parters, intake Films, Rolling Dice/ Sony Classics/ Diamond Films Brasil - Divulgação

Na vida real, Tom Michell tinha apenas 23 anos quando os acontecimentos retratados ocorreram. No entanto, o ator Steve Coogan tinha 58 anos quando aceitou o papel.
Assim como a famosa gaivota de Richard Bach, que dá nome ao pinguim, Juan Salvador não é um simples animal: ele é catalisador de mudança. Ele transforma a rotina de Tom, ilumina o ambiente da escola, conquista os alunos e provoca uma revolução silenciosa nos corações que o cercam. Através da convivência com o animal, Tom reaprende a amar, a se importar e — principalmente — a se posicionar.
Enquanto o pinguim vira símbolo de esperança dentro do colégio, do lado de fora mães desesperadas clamam por respostas nas praças, formando o movimento das Mães da Praça de Maio. Essa justaposição entre o microcosmo do afeto e o macrocosmo da tragédia coletiva é conduzida com maestria por Cattaneo, que já havia demonstrado sua habilidade em lidar com temas sensíveis com leveza e profundidade em Ou Tudo ou Nada (1997), onde homens desempregados encontram força e sentido na vulnerabilidade.
Aqui, novamente, o diretor britânico nos oferece um filme que brinca com expectativas: começa como comédia gentil, evolui para drama social e termina como um hino à coragem cotidiana. Seu olhar é sempre humanizado, generoso, mas nunca condescendente. Há algo de Chapliniano na forma como Tom e Juan enfrentam o mundo — uma ternura resiliente que sobrevive mesmo em tempos de horror.
A trilha sonora original, assinada com sensibilidade por Federico Jusid, embala as emoções sem exagero. A fotografia de Xavi Giménez valoriza os contrastes entre os espaços austeros do colégio, as paisagens ensolaradas sul-americanas e os momentos mais íntimos do convívio entre homem e animal. O design de produção de Isona Rigau reforça o peso do regime ditatorial sem perder o lirismo dos pequenos gestos de ternura.
Coogan entrega um Tom Michell sutil, contido, mas profundo. É uma atuação que cresce com o filme, revelando suas camadas aos poucos. Mas é Juan Salvador, o pinguim, quem verdadeiramente rouba a cena — e o coração do público. O animal, que poderia facilmente cair em estereótipos de “mascote carismático”, é representado com tanto respeito e significado que transcende o papel de coadjuvante e se torna o verdadeiro professor da história.
Lições de Liberdade é inspirado no livro As Lições do Pinguim, escrito por Tom Michell e que foi publicado no Brasil pela Editora Bicicleta Amarela, e ganha na tela a dimensão que sua história merece: uma obra que fala de luto, de repressão, mas também de reencontro, de empatia, de resgate da humanidade em meio ao caos. Em tempos em que o mundo insiste em endurecer, o filme nos convida a abraçar a delicadeza como forma de resistência.
Trailer
Ficha Técnica
- Título Original e Ano: Lessons in Liberty, 2024. Direção: Peter Cattaneo. Roteiro: Jeff Pope. Elenco: Steve Coogan, Jonathan Pryce, Vivian El Jaber, Santiago Achaga. Participação “especial” de Juan Salvador (o pinguim). Gênero: Drama, Biografia, Histórico. Nacionalidade: Reino Unido / Espanha, Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Federico Jusid. Fotografia: Xavi Giménez. Edição: Robin Peters. Design de Produção: Isona Rigau. Direção de Arte: Víctor Santacana. Figurinista: Alberto Valcárcel. Empresas Produtoras: Nostromo Pictures, 42, Aperture Media Partners, Intake Films, Rolling Dice. Distribuidora no Brasil: Diamond Films. Duração: 01h51 minutos. Classificação indicativa: 12 anos
Prepare-se para se emocionar, refletir e, sim, chorar. Mas também para
sair do cinema mais leve, como quem redescobre que a liberdade pode ter
penas, nadar em silêncio e, mesmo assim, fazer mais barulho do que
qualquer grito.
Lições de Liberdade é daqueles filmes que você não apenas assiste — você leva consigo. Na memória, na alma… e no coração.
HOJE NOS CINEMAS
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