Monsieur Aznavour – Uma Vida de Palco e Silêncio


Simplesmente, o maior nome da música francesa merecia muito mais do que uma cinebiografia comum — merecia uma ode à altura de sua trajetória. E “Monsieur Aznavour”, que estreia nesta quinta-feira (24/07), distribuído pela Imovision, entrega exatamente isso: um retrato comovente, íntimo e profundamente humano de um artista que emocionou o mundo enquanto carregava uma vida inteira de silêncios e vazios.

Desde os primeiros minutos, o filme não tem medo de mergulhar no trauma da origem. Filho de imigrantes armênios que fugiram do genocídio, Charles Aznavour nasceu na França sob a sombra da dor e do exílio. Seu lar era uma trincheira emocional onde sobreviver significava mais do que ter pão à mesa — significava resistir ao apagamento cultural, ao preconceito, à invisibilidade. Como tantos outros filhos da diáspora, Charles aprendeu cedo que a música poderia ser sua terra prometida. E ele correu em direção a ela com tudo o que tinha.
 
O menino franzino, de voz rouca e olhos sonhadores, transformou cada pedra em melodia. A cada rejeição por sua aparência, por seu nome estrangeiro, por sua origem "menor", ele respondia com poesia. Compôs mais de mil canções, incluindo clássicos como “La Bohème”, “She”, “Hier Encore” e “Comme ils disent”, cruzando fronteiras linguísticas e emocionais com naturalidade. Cantou em francês, inglês, italiano, espanhol, alemão e armênio — como quem cria pontes entre almas ao invés de idiomas.
 
No auge, era possível vê-lo aplaudido por reis, presidentes, multidões — e ainda assim, dentro dele, um menino ainda procurava sua casa. Como em obras-primas de Jacques Demy ou François Truffaut, em que o glamour se mistura à solidão com um toque de melancolia francesa, Monsieur Aznavour também mostra o homem por trás do ícone. Ele era, em essência, um romântico trágico — um Cyrano de Bergerac que trocou a espada pela caneta-tinteiro e floresceu no palco enquanto desmoronava nos bastidores.
 
             Crédito de Imagens:  
O ator Tahar Rahim escolheu não dublar e canta por todo o filme
 
A direção sensível de Mehdi Idir e Grand Corps Malade (do aclamado Patients) acerta ao não endeusar Aznavour. Pelo contrário: o revela com suas dores, perdas, amores despedaçados e feridas nunca curadas. Mostra como o palco não era só profissão, mas fuga. Um lugar onde ele podia existir sem ter que explicar quem era.

Naturalmente, a música tem papel central na narrativa — não como pano de fundo, mas como linha condutora. Cada canção surge como uma confissão. Trechos de performances reais, incluindo registros de turnês pelo Brasil, conferem à obra uma autenticidade vibrante e quase documental. Assistimos a Aznavour se tornando eterno diante de nossos olhos.

No papel do cantor, Tahar Rahim (visto recentemente em Madame Teia, de S.J. Clarkson) entrega uma performance de imensa entrega e nuance. Ele não imita Aznavour — ele o interpreta com o cuidado de quem segura algo frágil e precioso. É comovente ver como incorpora a dor velada por trás do sorriso tímido e do gesto contido.
 
A fotografia de Brecht Goyvaerts dá à Paris das décadas passadas um brilho nostálgico e ao mesmo tempo sombrio — como as luzes de um camarim ao fim do espetáculo. O figurino de Isabelle Mathieu também ajuda a costurar o tempo, levando o espectador por mais de 80 anos de carreira com fluidez e beleza visual.

O grande mérito de Monsieur Aznavour está no não dito. É um filme que emociona mais pelo que sugere do que pelo que revela. Como a música do próprio Aznavour, é sutil, elegante, e profundamente tocante. Não se trata apenas da vida de um artista, mas da condição humana: do que fazemos com as dores que não podemos apagar, dos laços que não conseguimos preservar, e da arte como única forma de eternidade.
 
Ao final, somos deixados com um vazio doce e inevitável — como o eco de uma canção que termina antes que estejamos prontos.
Trailer 
 
 
 

Ficha Técnica

  • Título original e ano: Monsieur Aznavour, 2024. Direção: Mehdi Idir & Grand Corps Malade. Roteiro: Mehdi Idir & Grand Corps Malade.  Elenco: Tahar Rahim, Tigran Mekhitarian, Soufiane Guerrab.  Gênero: Biografia. Nacionalidade: França. Idioma: FrancêsDireção de fotografia: Brecht Goyvaerts. Música: Varda Kakon. Direção de Arte: Stéphane Rozenbaum. Figurino: Isabelle Mathieu. Edição: Laure Gardette. Som: Solal Coulon. Produção: Eric Altmayer, Nicolas Altmayer, Jean-Rachid Kallouche. Distribuição: Imovision. Duração: 134 min. Classificação: 14 anos

Uma excelente indicação para este fim de férias — e para quem busca mais do que um filme: uma experiência emotiva, artística e inesquecível.

Escrito por Helen Ribeiro

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