Morra, Amor, de Lynne Ramsay

 

O título “Morra, Amor” (Die My Love, 2025) tem causado burburinho entre os cinéfilos há alguns meses e as razões não são poucas. A primeira delas está associada ao próprio nome da diretora, Lynne Ramsay, que reúne fãs desde Precisamos "Falar Sobre Kevin" (2012). A isso, soma-se o fato do filme ser estrelado por Jennifer Lawrence (Jogos Vorazes, 2012-2015) e Robert Pattinson (Crepúsculo. 2009-2012), ambos protagonistas de duas das maiores sagas cinematográficas juvenis. Apesar da dupla já ter provado que fazem a diferença em qualquer elenco e filme, até os mais demandantes em termos de performance, não há dúvida de que os papéis teen alçaram suas carreiras a um patamar extremamente popular. Colocá-los para contracenar é uma jogada de marketing que resgata esse passado e que foi bem aceita pelo público, pegando os nostálgicos e quem não é chegado a uma aventura adolescente também. Até Martin Scorsese, produtor executivo do filme, entrou na brincadeira e postou um vídeo junto a sua filha Francesca em que os dois tomam partido entre Edward, o vampiro de crepúsculo e Katniss, a arqueira de jogos vorazes.

Com sua premiere mundial no Festival de Cannes deste ano, o frisson em torno da obra aumentou ainda mais. Assim como o primeiro longa de sucesso de Ramsay, esta também é uma adaptação literária, desta vez, da autora argentina Ariana Harwicz. A história em si é simples. Uma jovem mãe de primeira viagem começa a desenvolver sintomas de depressão pós-parto. Não há muitas reviravoltas ou tramas paralelas. O trunfo de Ramsay está em mergulhar na psiquê da protagonista Grace (Lawrence) , fazer um estudo de personagem.

Ela e seu marido Jackson (Pattinson) se mudaram há pouco para uma velha casa de madeira que pertencera ao falecido tio da família. A residência fica isolada, a uma boa caminhada de distância dos vizinhos mais próximos e é cercada por uma floresta. Grace, escritora, passa os dias sozinha com seu bebê enquanto Jackson trabalha fora. O cenário remete a um filme de terror. Mas na verdade, o único terror de que ele é palco é o terror cotidiano da vida real, que acomete milhares de mulheres: o isolamento da maternidade, principalmente no puerpério.

A protagonista perde sua verve literária, sente-se constantemente entediada e não tem energia para realizar as tarefas domésticas. A princípio, seu companheiro é pouco compreensivo, para dizer o mínimo. Além de cobrar o desempenho que ela não está entregando, ainda adota um cachorro sem consultá-la. O animal soma-se às obrigações domésticas e constantemente assusta e acorda o bebê.

          Crédito de Imagens: Excellent Cadaver, Black Lavel MEdia Sikelia Productions- Paris Filmes, Mubi - Divulgação
O produtor executivo do filme, o cineasta Martin Scorcese, escolheu pessoalmente Jennifer Lawrence para o papel devido a sua perfomance íncrivel em Mãe! (Darren Aronofsky, 2017)

Dona de uma sexualidade latente, Grace ainda tem que lidar com a aparente falta de desejo de Jackson por ela, o que afeta diretamente sua autoestima. Ela não parece ter uma vida social. A família e amigos que aparecem na história são a família e os amigos de Jackson, que insistem em falar somente sobre a maternidade, criando ainda mais uma sensação de cobrança.

O som do filme é desenhado de forma a mostrar a irritação da personagem com o mundo. Os latidos de cachorro, as músicas no carro de Jackson, o barulho da motocicleta que não para de passar perto de sua casa, as moscas abundantes… tudo soa alto demais, incômodo demais. Capaz de tirar qualquer um do sério. Mas não tira qualquer um do sério, só tira Grace. Pois, na verdade, o som atua de forma subjetiva.

Contando a história dessa forma, pode parecer que trata-se de um drama clichê. Aí entra o elemento Grace. Sua personalidade histriônica traz momentos cômicos ao mesmo tempo que desvela o abismo em que está se afundando. Ela anda de quatro pela casa, late de volta para o cachorro, faz caretas constantes e diz o que vem na sua cabeça para os conhecidos, mesmo que seja rude. E nisso Jennifer Lawrence dá um show.

Enquanto seus comportamentos fora da caixa vão escalando até se tornarem ações de automutilação, Jackson vai se tornando mais compreensivo, mas nada parece aplacar a fúria e o deslocamento de Grace. Uma sutileza singular que salta aos olhos atentos é o papel de Sissy Spacek, sogra da protagonista. Recém viúva e sentindo na pele a solidão feminina, ela parece a única capaz de entender a nora. Embora cercada de outras pessoas que lançam olhares julgadores, embora dona de uma posição que geralmente é envolta em cobrança e comparação, ela tem um olhar meigo e faz perguntas preocupadas. Não faz muito. Mas é como se quisesse ajudar e não pudesse fazer mais do que se importar. Aliás, ninguém pode. Grace está travando uma batalha individual entre sua mente, seus hormônios e sua identidade.

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Die, My Love. Direção: Lynne Ramsay. Roteiro: Lynne Ramsay e Enda Walsh -baseado no Romance homônimo de Ariana Harwicz  (ver aqui). Elenco: Jennifer Lawrence, Robert Pattinson, Lakeith Stanfield, Sissy Spacek, Nick Nolte, Gabrielle Rose, Clare Coulter, Victoria Calderwood, Kennedy Calderwood. Gênero: Drama Psicológico. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original:  Raife Burchell, Lynne Ramsay, George Vjestica. Fotografia: Seamus McGarvey. Edição: Toni Froschhammer. Designer de Produção: Tim Grimes. FigurinoCatherine George. Produção executiva:  Martin Scorcese, Jennifer Lawrence, Rachel Smith, Lauren Boyle. Empresas Produtoras: Excellent Cadaver, Black Lavel MEdia Sikelia Productions. Distribuição no Brasil: Paris Filmes (em parceria com MUBI). Duração: 118 minutos.
O filme chega ao país em uma distribuição de parceria entre a Paris Filmes e a Plataforma de Curadoria de Cinema MUBI.

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Luana Rosa

    Comentários Blogger
    Comentários Facebook

0 comments:

Postar um comentário

Pode falar. Nós retribuímos os comentários e respondemos qualquer dúvida. :)