O Sobrevivente, de Edgar Wright

 
O escritor Stephen King, assim como muitos autores, teve fases em sua carreira em que publicou obras sob um pseudônimo - no caso, Richard Bachman. Entre esses títulos estão "A Longa Marcha" (1979) e  "O Concorrente"(1982), que integram essa era particularmente prolífica do autor, iniciada em 1977 e responsável por oito enredos que chegaram às prateleiras. Essas obras, assim como inúmeras outras do mestre do terror, acabaram ganhando adaptações cinematográficas. The Running Man, título original de O Concorrente, tornou-se um longa de ação em 1987, estrelado pelo ícone da época Arnold Schwarzenegger. Já A Longa Marcha recebeu sua adaptação neste ano, dirigida por Francis Lawrence (ler aqui). Em ambos os universos, King explora futuros distópicos em que a sociedade norte-americana vive à mercê de reality shows e é manipulada pelo poder instituído para fazer de tudo, absolutamente tudo, para sobreviver.

O primeiro filme a chegar ao grande público, O Sobrevivente, de Paul Michael Glaser, tratou a adaptação como um espetáculo de ação, conduzindo o protagonista a um desfecho glorioso: inicialmente acusado de desobediência, ele, ao ser lançado em um programa que exalta sua força militar e seu físico, acaba limpando sua própria barra. Com diferenças bastante evidentes em relação à trama original, o filme conquistou certo reconhecimento e ultrapassou a marca de 38 milhões de dólares em bilheteria mundial. Já o diretor de Todo Mundo Quase Morto (2004) e Em Ritmo de Fuga, Edgar Wright, investiu seu tempo e talento para apresentar às novas plateias uma versão mais fiel e verossímil do enredo de King.

Estrelado por Glen Powell, o novo filme acompanha a jornada de um homem que, enfrentando o desemprego e a doença da filha, acaba cedendo à pressão da emissora e do produtor Dan Killian (Josh Brolin) para participar do reality show mortal The Running Man, ainda que sua esposa suplique para que ele não entre na competição.

Crédito de Imagens: Ross Ferguson/ © 2025 PARAMOUNT PICTURES. ALL RIGHTS RESERVED. PARAMOUNT PICTURES. ALL RIGHTS RESERVED.
Durante a apresentação do programa, notas de dinheiro são jogadas pelo palco e elas evidenciam o rosto do ator e astro de ação Arnold Schwarzenegger, protagonista da primeira adaptação.

O show consiste em fazer com que três concorrentes a um prêmio milionário tentem permanecer vivos por um mês inteiro sem serem denunciados pelas pessoas. Eles precisam enviar vídeos constantes de si mesmos para que o público saiba que ainda estão vivos e cumprindo a tarefa, garantindo assim que a conta bancária de cada um receba os valores estipulados. No fim, apenas um deles voltará para casa. Ben Richards (Glen Powell), Tim Jansky (Martin Herlihy) e Jenni Laughlin (Katy O'Brian) recebem essa missão e devem fugir de caçadores mortais para se tornar o vencedor.

Tim é um homem frágil, de aparência comum, que cai na armadilha do programa ao tentar marcar um encontro, e acaba sendo o primeiro a ser abatido.  A forte e ousada Jenni Laughlin também se deixa seduzir pelo brilho e pela fama, mas não resiste à batalha. Já Richards, a aposta da emissora desde o início, entra no jogo de maneira menos estúpida e tenta sobreviver como pode para conseguir voltar para casa. No caminho, cruza com taxistas babacas e muita gente disposta a denunciá-lo, mas também encontra aqueles que resistem ao controle da mídia e têm disposição para ajudá-lo, como o pequeno Stacey (Angelo Gray) e seu irmão Bradley (Daniel Ezra).

Richards também conhece o revolucionário Elton Perrakis (Michael Cera), já nos momentos finais da caçada, o que o ajuda a persistir. Mas é ao encontrar a patricinha Amelia Williams (Emilia Jones) que ele consegue trazer clareza à situação, fazendo com que pessoas privilegiadas tenham noção do que realmente acontece. Richards sente na pele que o país está completamente corrompido e que quem controla esse caos são os poderosos. Mesmo que tente transmitir essa realidade por meio das fitas que envia, isso se torna impossível, pois os produtores alteram suas mensagens para distorcer sua imagem e fazer com que o público torça por sua morte.

O apresentador do programa, Bobby T (Colman Domingo), está sempre presente, manipulando a audiência e estimulando o julgamento dos participantes. Entre os caçadores letais, Evan McCone (Lee Pace) é responsável por apertar o gatilho e eliminar cada um dos concorrentes. Com Richards, McCone protagoniza um embate intenso, decisivo para o destino de ambos.

Trailer



Ficha Técnica

Título Original e Ano: The Running Man, 2025. Direção: Edgar Wright. Roteiro: Michael Bacall e Edgar Wright - baseado no livro de Stephen King "O Concorrente". Elenco: Glen Powell, Josh Brolin, Colman Domingo, Lee Pace, Jayme Lawson, William H. Macy, Michael Cera, Sandra Dickinson, Alyssa Benn, Sienna Benn, Sean Hayes, Emilia Jones, Angelo Gray, Julia Cumming, Kathy O'Brian, Martin Herlihy, Deby Mazar. Gênero: Ação, Aventura, Suspense, Scifi, Distopia, Adaptação. Nacionalidade: Reino Unido e Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Steven Price. Fotografia: Chung-hoon Chung. Edição: Paul Machliss. Design de Produção: Marcus Rowland. Direção de Arte: Grant Bailey. Figurinista: Julian Day. Empresas Produtoras: Complete Fiction, Genre Films, Paramount Pictures. Distribuidora: Paramount Pictures Brasil. Duração: 2h13min. Classificação: 18 anos. 

O filme que Wright entrega é muito mais fiel ao livro do que a produção oitentista de Glaser, já que naquela adaptação o protagonista tentava apenas ser um herói e limpar sua ficha - nem sequer possuía família ou uma filha doente. No livro, o final é marcado por uma tragédia em que Richards lança um avião contra a torre da emissora. Diante dos eventos de 11 de setembro. em 2001, seria impossível reproduzir fielmente tal desfecho, mas o personagem passa o filme ameaçando “explodir tudo ali” caso os produtores não se revelem ao público - algo que, de qualquer forma, jamais aconteceria. Ainda assim, o nome de Richards vai gradualmente ganhando status de símbolo revolucionário, e pichações com a frase “Richards Vive!” começam a incendiar o país. Em seu ato derradeiro, aqueles que já não suportam ser manipulados confrontam os ideais de Killian para o futuro do programa e também de suas vidas.

O blockbuster entrega uma crítica social sólida, muito mais alinhada ao que o autor imaginava no original. A força da mídia e das propagandas com intenções covardes de manter a população afastada de um desenvolvimento mais justo é, no fim das contas, o grande vilão do filme. E aqueles que parecem ser apenas caçadores revelam que, na verdade, também já foram caçados anteriormente.


Crédito de Imagens: Ross Ferguson/ © 2025 PARAMOUNT PICTURES. ALL RIGHTS RESERVED. PARAMOUNT PICTURES. ALL RIGHTS RESERVED.
O filme se passa nos Estados Unidos da América, mas foi rodado no Reino Unido e ainda tem passagem pela Bulgária

Se no filme com Schwarzenegger a tecnologia já existia, mas em um nível ainda limitado, aqui encontramos um mundo profundamente transformado pela IA, no qual celulares, telões e a força da internet evidenciam como a comunicação pode ser usada para manipular todos e todas de forma clara e potente. É preciso coragem para não se deixar abater e continuar resistindo. Além disso, o protagonista precisa lidar com milhões de pessoas ao seu redor que agem como verdadeiros robôs do sistema, tornando-se armas perigosas contra a verdade.

Glen Powell, apadrinhado por Tom Cruise desde "Top Gun: Maverick" (Joseph Kosinski, 2022), tem seguido firmemente seu desejo de se tornar um astro e brilhou em "Assassino por Acaso" (Richard Linklater, 2023). Filme este que lhe rendeu uma ótima performance, uma que inclusive convenceu Stephen King de que Powell seria o oposto ideal de Schwarzenegger para reviver a trama nas telas. E ele de fato alcança lugares mais profundos do que a adaptação anterior - ainda que a obra não traga o final original do livro. O ator já tem mais três filmes em pré-produção e dois em pós, além de ter estrelado este ano a série da Hulu Chad Powers: O Quarterback, e trilha um caminho diverso, mas sempre olhando para ação como seu norte.

Edgar Wright não entregava algo tão grandioso desde Noite Passada em Soho (2021), embora tenha produzido a série animada Scott Pilgrim para a Netflix, tão bem recebida quanto seu filme de 2010 "Scott Pilgrim Contra o Mundo". Aqui, Wright estabelece uma parceria sólida com Powell e permite que o ator brilhe. Apesar das duas horas de duração, o diretor mantém a audiência atenta aos passos e à jornada do protagonista. Os coadjuvantes são fortes e enriquecem o filme: Lee Pace, Colman Domingo e Josh Brolin demonstram que Francine Maisler e Kharmel Cochrane sabem como ninguém montar um elenco. E o trabalho dos atores dão realmente um sabor extra à produção.

O Sobrevivente é moderno, high-tech, sustentado por ideias revolucionárias, mas acaba sendo, inevitavelmente, engolido pelo próprio formato de “filme pipoca”. E tudo bem.

Avaliação: Três corridas desgastantes para o progresso (3/5).

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Bárbara Kruczyński

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