Uýra: A Retomada da Floresta, de Juliana Curi | 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


MOSTRA BRASIL | COMPETIÇÃO NOVOS DIRETORES

“O impossível está por vir, e o inimaginável nos é devido”: a floresta ensina-nos que precisamos (re)aprender a andar para que possamos sobreviver!

Conhecida localmente como “a árvore que anda”, uma categorização que também serve como apanágio valorativo, Uýra Sodoma insurge-se das águas amazônicas como uma planta-gente, a fim de reforçar, junto às populações ribeirinhas, a importância de preservação dos igarapés. Servindo-se de cores berrantes, em meio a espaços amplamente poluídos, esta personificação híbrida da Natureza grita que aquele espaço “também era comida”, enquanto chama a atenção por seus figurinos e maquiagem exorbitantes, como se fizessem parte de um videoclipe da cantora Björk.

Personificada pelo biólogo Emerson Pontes, descendente direto dos povos tradicionais brasileiros, Uýra é reconhecida como uma entidade própria, a ponto de ser cadastrada à parte nos créditos referentes às suas performances e composições. Neste sentido, apesar de “Uýra – A Retomada da Floresta”, de Juliana Curi, ser um documentário atrelado à trajetória de uma personagem, ele possui algo em comum com “Pajeú”, de Pedro Diógenes, lançado em 2020, no que diz respeito à sinergia instaurada na narrativa.

No depoimento inicial, Emerson apresenta-se como “uma pessoa trans não-binária” e, ao longo de suas falas, utiliza os pronomes no feminino (opção que adotaremos a partir de agora). Com Mestrado em Ecologia, ela dedica-se a intervenções freqüentes na comunidade manauara em que reside, enfatizando a importância de suas afirmações identitárias, pois, além de indígena, é também militante LGBTQIA+ e periférica. Como tal, envolve-se em múltiplos projetos, como uma oficina de maquiagem e a realização de peças teatrais protagonizadas pelos moradores.


Ficha Técnica

Título original e ano: Uýra - A Retomada da Floresta, Ano: 2022. Direção: Juliana Curi. Roteiro: Juliana Curi, Martina Sönksen.  Gênero: Documentário. País: Brasil, EUA. Cor: Cor. Fotografia: Thiago Moraes. Montagem: Lívia Cheibub, Lucas Camargo de Barros, Renan Cipriano. Produtor: João Henrique Kurtz, Juliana Curi, Lívia. Cheibub, Martina Sönksen, Uýra Sodoma. Produção: Azores Filmes, Mama Wolf. Música: Nascuy Linare, Josyara, Zahy Guajajara. Distribuição: Olhar Distribuição. Classificação: Livre. Duração: 72 min.


Apesar de todo o investimento na lógica da ressignificação cultural, referendando a urgência das narrativas indígenas, notamos nas falas proferidas ao longo do filme algo recorrente nos discursos de esquerda: a inevitabilidade das contradições, frente à celeridade das transformações culturais e tecnológicas. Mas isto não aparece como empecilho atuante, e sim como força-motriz para as intervenções – vide a bela ‘performance’ “Priscila, a Rainha da Amazônia”, com evidente inspiração numa comédia australiana sobre ‘drag queens’.

Em determinado momento, Emerson e suas “manas” lamentam a predominância do concreto em lugares que costumavam ser cemitérios indígenas, rejeitando uma concepção tradicional de progresso. Na seqüência imediatamente posterior, encontramos as mesmas pessoas numa ‘rave’ domiciliar, dançando ao som de um ‘remix’ que mescla os versos finais de “Bixa Travesty”, da ‘rapper’ paulistana Linn da Quebrada, com versos de autocelebração militante. Nesta comemoração, fica embutida a urgência pela ocupação de espaços, ainda que estes sejam demarcados pela usurpação colonial, conforme fica evidente nas fotografias de desmatamento e combates com invasores seringueiros ou madeireiros, que aparecem em diversos momentos da montagem.


A experiência prévia da diretora com o jornalismo faz com que, em termos formais, o documentário pareça indeciso: não obstante o deslumbramento pela eloqüência visual e declamatória de Uýra Sodoma, a desenvoltura acadêmica de Emerson Pontes é amplamente requerida em suas explicações botânicas. Ilustrações de flores e alguns vegetais ocupam a integralidade da tela, diversas vezes, a fim de representar imageticamente o que é descrito nalgumas palestras como “energia”, metaforizada através das raízes de mudas “pioneiras”, que comunicam-se subterraneamente com outras árvores, demonstrando uma capacidade intrínseca de organização florestal. Conteudisticamente, aquilo que é ensinado no Mestrado e o que foi compartilhado como lição familiar pela avó de Emerson são francamente equiparados. O filme é deveras orgânico em suas intenções, afinal.

Não obstante a sua curta duração (meros 72 minutos), o filme possui uma demorada seqüência de créditos finais, em relação à qual convém estarmos atentos, pois conhecemos muito mais sobre as intervenções artísticas de Emerson Pontes e sobre as manifestações sobressalentes de Uýra Sodoma enquanto entidade com uma missão a ser continuada, em afinado diálogo com as comunidades indígenas amazônicas. O eventual convencionalismo do formato documental é compensado pela imponência didática e emocional da personagem titular, que converte em exaltação à Vida a expressividade contida em cada elemento cênico e/ou cromático. Concluímos esse texto com um necessário adendo às menções curriculares de Emerson: além de uma bióloga mui comprometida com as suas pesquisas elementares, ela é também um importante nome no panorama artístico contemporâneo.

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Escrito por Wesley Pereira de Castro

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