Paloma, de Marcelo Gomes | Assista nos Cinemas

 
Se o matrimônio tradicional é uma prisão para mulheres cis, a negação da verdadeira identidade das mulheres trans é tão forte que constantemente as leva a agarrar-se a quaisquer signos de feminilidade, por mais opressores que estes sejam. Assim age Paloma (Kika Sena), uma mulher transexual, católica e habitante de Saloá, no sertão pernambucano.

Casar na igreja é o maior de seus sonhos. E um vestido exultante de noiva, véu, marcha nupcial, convidados bem vestidos e comida de festa fazem parte do pacote. Nada mais parece importar. Paloma tem uma boa relação com seu “amigado” Zé (Ridson Reis) e com sua filha Jennifer (Anita de Souza Macedo). E, mesmo com um patrão desaforado, a enorme distância que percorre para o trabalho em uma plantação de mamões e a necessidade de juntar dinheiro, não parece insatisfeita com sua rotina. A única coisa que lhe incomoda é a impossibilidade de ser casada por um padre.

O tema das bodas está presente nas histórias que Paloma conta para Jennifer dormir e nas brincadeiras de boneca com ela. Está em suas orações, na conversa com as amigas e nos constantes pedidos para seu namorido Zé. Embora este reclame, relute e ache a ideia uma bobagem, acaba por aceitar. O problema maior é conseguir consentimento de um padre.

É claro que nessa jornada a protagonista enfrentará opressões. Afinal, é o Brasil. É uma cidade do interior. E trata-se do catolicismo. Além da intolerância maior que é a própria proibição da igreja de casar uma pessoa trans, microagressões acontecem o tempo inteiro no cotidiano de Paloma. Contudo, um dos méritos do filme é justamente não focar na violência, trazendo a protagonista e seus desejos e ações sempre em primeiro plano. O preconceito e a agressão, por mais constantes que sejam, nunca roubam a cena. Paloma tem o olhar resignado de quem atura isso há tempo demais para se deixar abater.

Aí reside a beleza do longa-metragem de Marcelo Gomes. Por muito tempo as narrativas de protagonismo LGBTQIA+, por acharem importante denunciar a violência que acomete essa população, sentenciaram seus personagens ao sofrimento e a representatividade não era tão grande, pois contemplava apenas o papel de vítima. Paloma não é uma vítima. Ela sofre coisas que ser humano nenhum deveria passar. Mas segue de cabeça erguida, com sua filha no colo e o sonho no horizonte. Para não correr o risco de passar a mensagem de que a violência é facilmente transposta, o roteiro inventa um assassinato para Kelly. O crime parece não ter nenhum propósito além de deixar isto claro, pois não influencia de forma alguma a cadência dos acontecimentos.


Ironicamente, um dos poucos erros do filme surge também daí. Paloma é gentil, educada, sonhadora, devota, boa mãe, boa amiga, calma, compreensiva, bem resolvida e persistente. A personagem não tem nenhum defeito, tornando a identificação com o público mais difícil. Em certos momentos, é até enjoado ver uma mulher tão boazinha padecer tanto e em nenhum momento pensar em vingança, ameaçar, atacar.

O personagem de Zé é muito mais interessante justamente por ter suas contradições. É nítido o quanto ele ama Paloma, o quanto é carinhoso com ela e com sua filha. Ele não demonstra transfobia com a companheira e parece bastante contente em viver com ela. Isto é, desde que as pessoas não saibam. Ele demonstra bastante respeito pela identidade da noiva e sorri genuinamente feliz na cerimônia de casamento. Mas basta sua mãe e seus colegas de trabalho ficarem sabendo da natureza de sua relação para que tudo desmorone.

No entanto, a ótima performance de Kika Sena compensa a linearidade de sua personagem e é um deleite vê-la interagir com a pequena Jennifer. O elenco de apoio também cumpre bem o seu papel e ao fim, arrisco dizer que o diretor conseguiu o que queria: uma peça orgânica. Real, mas também lúdica; Melancólica, e ainda leve.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Paloma, 2022. Direção: Marcelo Gomes. Roteiro: Armando Praça, Gustavo Campos e Marcelo Gomes. Elenco: Kika Sena, Ridson Reis, Zé Maria, Suzy Lopes, Ana Marinho, Samya de Lavor e Anita de Souza Macedo. Gênero: Drama. País: Brasil. Fotografia: Pierre de Kerchove. Montagem: Rita M. Pestana. Distribuição: Pandora Filmes. Duração:  1h43 min.
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Escrito por Luana Rosa

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