“Candidato que orienta o fotógrafo cobra mais caro, viu?”
Na seqüência de créditos iniciais, ainda sob um fundo negro, uma mulher orgulhosamente vinculada à extrema-direita política diz que, se a diretora for esquerdista, ela não participará do projeto, pois “não colabora com vermelhos”. Mostram-se imagens da invasão ao Congresso Nacional, em 08 de janeiro de 2023, e, partir daí, um letreiro explica o projeto: volta-se o registro em alguns meses, a fim de entender o que aconteceu, antes daquela situação chocante. Como tal, a cineasta Sandra Kogut acompanhará as ações de algumas pessoas, diretamente envolvidas com o processo eleitoral, desde o dia em que se iniciaram as campanhas partidárias dos dois principais candidatos à presidência da República em 2022, Jair Messias Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
Como “No Céu da Pátria Nesse Instante” (2023) chega aos cinemas depois de “Apocalipse nos Trópicos” (2024, de Petra Costa), é inevitável que surjam algumas comparações, mas o documentário de Sandra Kogut não possui narração nem um viés temático tão definido quanto a relação entre o crescimento de evangélicos no Brasil e o bolsonarismo. Ao invés disso, ela expõe, na cadência lenta que caracteriza os seus filmes, o modo como aquelas pessoas testemunham o maniqueísmo eleitoral do período retratado.
Por motivos compreensíveis, há mais registros de militantes lulistas que de apoiadores do candidato do Partido Liberal (PL). Nesta segunda categoria, destaca-se a família do caminhoneiro Ferreirinha, radicada em Curitiba, que afirma que deixará o País caso o candidato do PT (Partido dos Trabalhadores) seja eleito. Segundo eles, esta decisão é emergencial, pois “o Brasil pode se tornar uma Venezuela”. Definem a fé como “a crença nalgo que não pode ser visto” e oram sempre que se percebem diante de uma situação contrária aos seus interesses. Vestidos com a camisa da Seleção Brasileira de Futebol, eles aglomeram-se em cultos que vociferam ódio contra quem pensa diferentemente deles. Não tardará para que haja um rompimento com os produtores do filme.
Numa seqüência particularmente reveladora do ideário deste tipo de “cidadão de bem”, quando Ferreirinha e sua família assistem à apuração dos votos, em 30 de outubro de 2022, eles irritam-se com a pletora de votos nordestinos no candidato do PT. A justificativa deles vem pronta: “é porque eles não gostam de trabalhar, passam o ano inteiro pensando em Carnaval e nas festas de São João”. A câmera posicionada na sala desta família capta esta e várias declarações xenofóbicas, por parte destes alegados religiosos. Ainda assim, a montagem permanece impassível evitando assumir partido, até que Ferreirinha, numa discussão com a diretora, rompe relações contratuais com ela, visto que ambos “parecem conviver em países completamente diferentes”. Será que ele ainda está no Brasil, hoje em dia?
Créditos de imagens: O2 Play Filmes, Lira Filmes e Ocean Filmes - Divulgação
O longa foi exibido, em dezembro de 2023, no Festival de Brasília
Passados quase três anos desde a eleição em pauta, e após o lançamento de incontáveis documentários sobre as barbaridades bolsonaristas e situações revoltantes que aconteceram desde então, “No Céu da Pátria Nesse Instante” tem pouco a apresentar de novidade, de modo que, em seus cento e cinco minutos de duração, o que mais chama a atenção dos espectadores é o treinamento dos mesários eleitorais, sobretudo aqueles que atuam no município de Anajás, no Pará. O flagrante dos atrasos ocorridos nas eleições e de pessoas idosas com dificuldades para escolher os seus candidatos, na urna eletrônica, são demonstrações efetivas das desigualdades que atravessam um país de dimensões continentais quanto o Brasil.
Sendo a diretora carioca, ela concede maior espaço de tela a habitantes do Rio de Janeiro, como a votante petista que teme ser agredida, no dia da eleição, por vestir uma camiseta com o rosto de seu candidato, ou os comentários de algumas delegadas partidárias sobre denúncias de compras de votos ou as intimações de milicianos no bairro de Jacarepaguá. Tudo isso conflui para a análise do candidato derrotado ao Governo do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, que afirma que não apenas os institutos estatísticos erraram ao prever os resultados daquelas eleições, mas eles próprios, ao ignorarem que a extrema-direita ainda estava tão enraizada no Estado. É um depoimento forte!
Trailer
Título Original e Ano: No Céu da Pátria Nesse Instante, 2023. Direção e Roteiro: Sandra Kogut. Elenco: Adenilson Ferreira, Antonia Pellegrino, Edivan Santos, Estela Maria de Oliveira, Juliano Maderada, Milena Batista, Neli Belem, Osvaldo Pires, Rute Sardinha. Nacionalidade: Brasil. Gênero: Documentário, História. Fotografia: Léo Bittencourt. Montagem: Renata Baldi, Sandra Kogut. Som: Bruno Armelin. Trilha sonora: O Grivo. Produção Executiva: Desirée Portela. Direção de Produção: Ligia Turl. Produtores: João Roni, Sandra Kogut, Henrique Landulfo, Zahra Staub, Cristian Marini. Produção: Ocean Films. Coprodução: Marola Filmes, Kiwi Filmes, Globo Filmes, GloboNews e Canal Brasil. Distribuição: O2 Play. Co-distribuição: Lira Filmes. Duração: 01h45min.
A despeito dos momentos citados, este filme avança em ritmo moroso, intencionalmente anticlimático – por mais que lide com eventos escandalosos como os protestos e defesa da intervenção militar federal –, e pouco definido acerca do que se deseja finalizar enquanto discurso: a diretora mostra distintas reações de pessoas à campanha e aos resultados eleitorais e, obviamente, possui um lado favorável, afinal evidenciado na execução da canção “Tá na Hora do Jair Já Ir Embora”, de Juliano Maderada, nos créditos finais, unificando os apoiadores lulistas, em franca comemoração. Reforça aquilo que já suspeitávamos acerca dos comportamentos dos opositores partidários em questão. O Brasil segue polarizado e, em 2026, teremos novas eleições presidenciais. Fosse lançado no ano seguinte, talvez este documentário fosse mais efetivo…
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