Mauricio de Sousa - O Filme

 
“Ao invés de mostrar os teus desenhos para desconhecidos, mostre-os para colegas e amigos”…  

Não obstante ser uma das personalidades mais queridas do Brasil e um dos artistas-chave na formação de várias gerações, o cartunista paulista Mauricio de Sousa – prestes a completar noventa anos de idade, no dia 27 de outubro de 2025 – teve uma vida deveras convencional, exceto no que tange à sua resiliência profissional, convertida em exemplo a ser seguido. Como tal, apesar de ser narrado com simpatia e bem interpretado por todo o elenco, este não é um filme que chama a atenção por seu enredo, o que se torna ainda mais complicado em termos de definição de público-alvo, visto que as crianças atuais são mais interessadas em jogos eletrônicos e ‘podcasts’ que em histórias em quadrinhos. Há, no âmago desta produção, um embate entre o elã nostálgico e o estímulo à criação de novos leitores. Por conta disso, o filme merece angariar bons resultados de público, já que é dotado de sinceridade e respeita bastante o protagonista ainda vivo, que aprovou o modo como que é narrada a sua história de sucesso… 

Nascido no município de Santa Isabel, no interior de São Paulo, Mauricio Araújo de Sousa cresceu na cidade de Mogi da Cruzes, onde brincava diariamente com seus amiguinhos e, como um de seus futuros personagens, adorava furtar goiabas nas árvores dos vizinhos. Através da seqüência inicial, perceberemos que as inspirações do artista, para a criação de seus personagens famosos, advirão de eventos de sua própria vida. A estratégia para descrever isso, em termos cinematográficos, beira a obviedade, conforme se percebe na execução de “Bola de Meia, Bola de Gude”, de Milton Nascimento, na cena de abertura, antecipando um eficaz mas clicheroso aproveitamento da trilha cancional, que também se serve da icônica “Aquarela”, de Toquinho. 

Dirigido por um ex-ator de novelas da TV Globo e por um assistente de direção em produções famosas da GloboFilmes, esta trama biográfica – que eventualmente emula o estilo das tirinhas animadas, através da montagem – evita adensar situações mais dramáticas na trajetória do personagem-título. Vide o modo tão súbito quanto velado com que é apresentado o divórcio de seus pais, Nila (Natália Lage) e Antônio (Emílio Orciollo Neto). Eles são descritos como “legais” o tempo inteiro, são mostrados de maneira sempre simpática e sorridente, mas, de uma hora para outra, não funcionam mais “enquanto marido e mulher”. Permanecem bons amigos, e apoiadores de tudo o que o filho decide… 

Crédito de Imagens: Star Distribution Brasil e Walt Disney Studios Brasil - Divulgação
O filme participa da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo devido a homenagem ao Festival lembrar Mauricio de Sousa como um dos homenageados


Vivificado, na infância, por Diego Laumar, um garotinho bastante eloqüente, Mauricio é um menino bastante imaginativo, que toma contato com um fascinante universo de histórias quando encontra um gibi na calçada. Como ele ainda não sabe ler, pede ajuda à “nossa senhora dos filhos que precisam de ajuda” que calha de ser justamente a sua mãe. Porém, na escola, o seu fascínio obsessivo pelas histórias em quadrinhos não é bem visto: um professor enfezado faz uma fogueira com as revistinhas de todos os seus alunos. Quem já enfrentou uma situação semelhante, sabe o quanto aquilo pode ser traumático! 

Já que a abordagem do roteiro – escrito pelo co-diretor Pedro Vasconcelos, junto ao consagrado Paulo Cursino, responsável por vários sucessos recentes do cinema brasileiro de cunho popularesco – evita problematizações mais delicadas, Mauricio volta a colecionar gibis e, quando se torna adulto, alista-se brevemente no serviço militar, até resolver migrar para a capital de São Paulo, onde pretende pôr em prática o seu anseio de tornar-se um desenhista famoso. Em sua primeira tentativa, arranja emprego como revisor de textos num jornal e, em seguida, converte-se em repórter policial, o que lhe permite conhecer a primeira esposa, Marilene (Thati Lopes, ótima), numa situação bastante inusitada. Não sabemos, entretanto, como terminou este primeiro relacionamento e como ele conheceu as esposas posteriores, inclusive aquela com quem ele está casado até hoje, Alice Takeda.

Interpretado pelo filho do cartunista, Mauro Sousa (cuja semelhança física com o pai é impressionante), Mauricio, já adulto, segue tentando firmar-se como desenhista, mas contenta-se com empregos entediantes, em razão de sua esposa engravidar diversas vezes, e suas dívidas familiares aumentarem bastante. Até que o convite de um amigo permite que ele crie o primeiro personagem, Bidu, inspirado em Cuíca, cãozinho de sua infância. É apenas o primeiro exordial de uma carreira esplêndida, que desembocou em vários exemplares de revistas vendidos e traduzidos para diversos idiomas, além de centenas de personagens criados, boa parte deles inspirados em seus familiares e em vizinhos de infância. Por isso, quando lemos as histórias da “Turma da Mônica”, sentimos um aconchego tão imediatamente cativante. 

Trailer



Ficha Técnica
 
Título Original e Ano: Mauricio de Sousa - O Filme, 2025. Direção: Pedro Vasconcelos. Co-Direção: Rafael Salgado. Roteiro: Pedro Vasconcelos e Paulo Cursino. Elenco: Mauro de Sousa, Diego LamarTathi Lopes, Emílio Orciollo Netto, Natalia Lage, Elizabeth Savala. Gênero: Biografia, drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Luciano Xavier, A.B.C. Direção de Arte: Rita Vinagre. Figurinos: Claudia Kopke e Nathalia Campos. Caracterização: Fabíola Gomes. Som Direto: Lício Marcos de Oliveira. Edição: Lucas Vasconcelos, John Garita e Pedro Gabriel Miziara. Música: Eduardo Resende. Design Gráco: Atypique. Produção: Tuinho Schwartz. Direção de Pós Produção: Pedro Gabriel Miziara. Empresas ProdutorasFocus Films e Boa Ideia Entretenimento. Co-produção: Star Distribuição e Walt Disney Studios Brasil. Distribuição: Star Distribution. Duração: 95min. 
 
 
A narração reiterativa do filme – que insiste para que o espectador nunca desista de seus sonhos, visto que “teus sonhos nunca desistirão de ti”, como diz o próprio Mauricio de Souza, numa cena após os créditos finais – faz com que a progressão enredística do filme seja enfadonha, no sentido de que o protagonista é unidimensional e pessoalmente desinteressante. Mas o universo criado por seu autor é tão magistral, que este filme é dotado de um carisma sincero, sobretudo quando Mauricio de Sousa confessa que o dinossaurinho Horácio é seu alter-ego, aquele que somente ele desenha, pois tem a ver com a sua timidez elementar. Elizabeth Savalla tem uma boa participação como a avó Dita, que acolhe carinhosamente os devaneios pueris de seu neto, estimulando-o a converter isso numa carreira. O trecho em que Mauricio de Sousa é prejudicado por ser considerado “subversivo”, em razão de ele envolver-se nas decisões do sindicato dos desenhistas, não foi adequadamente explorado pelo roteiro, bem como o mote pretensamente cômico em que ele é tachado de “misógino”, o que o leva a observar os comportamentos peculiares de suas filhas e criar as famosas personagens Mônica e Magali. São detalhes que deixam em suspeição as vinculações políticas dos envolvidos no projeto, mas que não fazem malograr o charme contido desta produção modesta, que merece encontrar o seu público e divulgar ainda mais os bons exemplos de um grande profissional brasileiro. Mauricio de Sousa é incrível – ainda que o filme sobre ele nem sempre lhe faça jus! 

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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